sábado, 26 de maio de 2012

Idiotas - Luiz Felipe Pondé

Idiotas

“Uma coisa que o nosso conde (Tocqueville) percebeu é que o homem da democracia, quando quer saber algo, pergunta para a pessoa do seu lado, e o que a maioria disser ele assume como verdade. Daí que, no lugar do conhecimento, a democracia criou a opinião pública. Mas talvez a pior coisa da democracia seja o fato de que ela deu aos idiotas a consciência de seu poder numérico, como dizia o sábio Nelson Rodrigues. Em suas colunas de jornais, Nelson costumava dizer que os idiotas, antes do advento da revolução francesa, viviam comendo, reproduzindo e babando na gravata. Com a revolução francesa e a democracia (que a primeira não criou exatamente porque foi muito mais um regime de terror autoritário), os idiotas perceberam que são em maior número, e de lá para cá todo mundo passou a ter de agradá-los, a fim de ter a possibilidade de existir (principalmente intelectualmente). O nome disso é marketing. Todo mundo que pensa um pouco vive com medo da força democrática (numérica) dos idiotas. O politicamente correto é uma das faces iradas desses idiotas.”

Pág 51 do "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia", de Luiz Felipe Pondé.




E NÃO ADIANTA XINGAR

Podem-se prever vitupérios ressentidos contra a crítica devastadora que Luiz Felipe Pondé faz da cultura “politicamente correta”. Bem mais difícil será responder a ela

“O mundo virou um churrasco na laje.” A blague aparece como subtítulo do capítulo intitulado Viajar Jamais, diatribe contra a devastação cultural promovida pelas “hordas de turistas” que invadem catedrais com suas câmeras. A referência a um hábito festivo comum dos subúrbios brasileiros vai eriçar aquelas almas sensíveis que costumam oferecer sua abstrata solidariedade aos oprimidos.

Podem-se prever os xingamentos que se erguerão contra o autor: “elitista, conservador”. Professor da Faap e da PUC de São Paulo, filósofo com formação nas universidades de Paris e de Tel-Aviv, Luiz Felipe Pondé é talvez o mais sardônico crítico dos clichês da intelectualidade esquerdista contemporânea.

Para esclarecer que sua referência nada lisonjeira a hábitos suburbanos não se deve confundir com discriminação social, ele atiça ainda mais os ânimos: diz que se refere apenas aos “pobres de espírito”, porque “você pode ter dinheiro e ainda assim ter espírito de churrasco na laje” (já se ouve a grita: “preconceituoso, direitista”).

Um dos prazeres de seu Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (Leya; 224 páginas; 39,90 reais) está nesta verve ácida, despida do jargão que se costuma ouvir dos filósofos, digamos, profissionais.

Mas não se confunda estilo claro e direto com leviandade. Enquanto seus inimigos vociferam adjetivos cada vez mais esvaziados de sentido (“reacionário, fascista”), Pondé constrói seus argumentos com rigor.

O título pode sugerir uma revisão da história da filosofia pautada pela “incorreção”. Mas, na verdade, este é um devastador exame filosófico do próprio politicamente correto, de suas origens e vícios. Pondé recorre a um eclético elenco de filósofos — Maquiavel, Burke, Hume, Nietzsche — para desmontar as ilusões queridas da tribo PC.

Também busca instrumentos fora da tradição filosófica, em escritores como Nelson Rodrigues e Philip Roth e até na teoria evolucionista de Charles Darwin (o que desconcertará os inimigos que tentam grudar em Pondé, conhecedor profundo do pensamento religioso, a pecha de carola).

O Guia denuncia a vacuidade conceitual do receituário PC, contestando, por exemplo, a noção romântica de que índios são moralmente superiores aos civilizados, ou o contrassenso segundo o qual as diferenças entre homens e mulheres são “construções sociais” sem base biológica.

Mas, sobretudo, este é um ataque moral à santimônia hipócrita da correção política, à falsidade de todos que se julgam paladinos da justiça social. Poderia ser um convite à autocrítica, se esta fosse possível ao politicamente correto. Seus cultores preferem sempre vituperar contra a inteligência.

(Publicado em VEJA de 25 de abril de 2012, por Jerônimo Teixeira)

domingo, 20 de maio de 2012

A CARTA DE INTENÇÕES DE BERTRAND RUSSELL

A CARTA DE INTENÇÕES DE BERTRAND RUSSELL
ESCRITO POR LUCIANO AYAN | 30 ABRIL 2012

http://www.brilhodefogo.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=1585:a-carta-de-intencoes-de-bertrand-russell&catid=186:quentes&Itemid=98

Ter, 01 de Maio de 2012 08:20

Que o discurso dos anti-religiosos sempre me pareceu suspeito desde o início não é novidade.
Também, após várias investigações, tornou-se claro para mim que a principal motivação deste discurso era política.

E qual a motivação maior? O governo global.

Mas para obter esse governo global seria vital a destruição das identidades de cada povo. A eliminação da religião seria, naturalmente, uma das metas.

Claro que todos os esquerdistas gritariam “teoria da conspiração, teoria da conspiração!”.

Mas que tal observarmos as palavras de Bertrand Russell, ídolo de todos os autores neo-ateus, em “A Última Oportunidade do Homem”?

Vejamos:

"Pode evitar-se a guerra por algum tempo por meio de paliativos, expedientes ou uma diplomacia sutil, mas tudo isso é precário, e enquanto durar o nosso sistema político atual, pode ser considerado como quase certo que grandes conflitos irão surgir de vez em quando. Isso acontecerá inevitavelmente enquanto houver diferentes Estados soberanos, cada um com as suas forças armadas e juiz supremo dos seus próprios direitos em qualquer disputa. Há somente um meio de o mundo poder libertar-se da guerra, é a criação de uma autoridade mundial única, que possua o monopólio de todas as armas mais perigosas.

Para que um governo mundial pudesse evitar graves conflitos, seria indispensável possuir um mínimo de poderes. Em primeiro lugar precisava de ter o monopólio de todas as principais armas de guerra e as forças armadas necessárias para o seu emprego. Devia também tomar as precauções indispensáveis, quaisquer que fossem, para assegurar, em todas as circunstâncias, a lealdade dessas forças ao governo central.


O governo mundial tinha de formular, portanto, certas regras relativas ao emprego das suas forças armadas. A mais importante determinaria que, em qualquer conflito entre dois Estados. cada um tinha de se submeter às decisões da autoridade mundial. Todo o emprego da força, de um Estado contra o outro, tornaria o agressor um inimigo público e implicaria o emprego, contra ele, das forças armadas do governo mundial. Estes seriam os poderes essenciais para salvaguardar a paz. Uma vez conseguidos, outros se lhes seguiriam. Haveria necessidade de corpos constituídos para desempenhar as funções legislativas e judiciais; mas tais corpos desenvolver-se-iam naturalmente se as condições militares fossem realizadas; o que é difícil e vital é dotar de uma força irresistível a autoridade central.

O governo mundial pode ser democrático ou totalitário; pode ter a sua origem no consentimento ou na conquista; pode ser o governo nacional de um Estado que conseguiu conquistar o mundo ou, pelo contrário, uma autoridade em que cada Estado, ou cada ser humano, tenha iguais direitos. Por minha parte creio que se tal governo se con stituir um dia será à base do consentimento nalgumas regiões e à base da conquista noutras. Numa guerra mundial entre dois grupos de nações, pode suceder que os vencedores desarmem os vencidos e comecem a governar o mundo por meio de instituições unificadoras desenvolvidas durante o conflito. Gradualmente, à medida que se desvaneça a hostilidade provocada pela guerra, as nações vencidas poderão ser admitidas como associadas. Não creio que a espécie humana tenha suficiente habilidade política ou um elevado espírito de tolerância para estabelecer um governo mundial somente à base do consentimento. Por isso penso que um elemento de força deve ser necessário, tanto para o seu estabelecimento como par a a sua protecção durante os primeiros anos."


Se os comunistas russos e chineses, além dos nazistas, tiveram a liberdade total de exercer barbáries CONTRA SEU PRÓPRIO POVO em regimes totalitários, e esta autoridade veio através da promessa de luta por um “mundo belo e justo”, o que Bertrand Russell propõe?

Simplesmente estender a idéia totalitária para todo o globo.  Não há mais como defender Bertrand Russell.
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sábado, 12 de maio de 2012

O livro negro do comunismo - artigo

(*) Roberto Campos
Folha de S. Paulo e O Globo, 19/04/98

"Le livre noir du communisme" (Edições Robert Laffont, Paris, 1997), escrito por seis historiadores europeus, com acesso a arquivos soviéticos recém-abertos, é uma espécie de enciclopédia da violência do comunismo. O chamado "socialismo real" foi uma tragédia de dimensões planetárias, superior em abrangência e intensidade ao seu êmulo totalitário do entreguerras - o nazifascismo.

Ao contrário da repressão episódica e acidental das ditaduras latino-americanas, a violência comunista se tornou um instrumento político-ideológico, fazendo parte da rotina de governo. Essa sistematização do terror não é rara na história humana, tendo repontado na Revolução Francesa do século 18 na fase violenta do jacobinismo, na "industrialização do extermínio judaico" pelos nazistas, e - confesso-o com pudor - na inquisição da Igreja Católica, que durante séculos queimava os corpos para purificar as almas.

O "Livre noir" me veio às mãos num momento oportuno em que, reaberto na mídia e no Congresso o debate sobre a violência de nossos "anos de chumbo" nas décadas de 60 e 70, me pusera a reler o "Brasil Nunca Mais", editado em 1985 pela Arquidiocese de São Paulo.

Comparados os dois, verifica-se que o Brasil não ultrapassou o abecedário da violência, palco que foi de um miniconflito da Guerra Fria, enquanto que o "Livre noir" é um tratado ecumênico sobre as depravações ínsitas do comunismo, este sem dúvida o experimento mais sangrento de toda a história humana.

Produziu quase 100 milhões de vítimas, em vários continentes, raças e culturas, indicando que a violência comunista não foi mera aberração da psique eslava, mas, sim, algo diabolicamente inerente à engenharia social marxista, que, querendo reformar o homem pela força, transforma os dissidentes primeiro em inimigos e, depois, em vítimas.

A aritmética macabra do comunismo assim se classifica por ordem de grandeza: China (65 milhões de mortos); União Soviética (20 milhões); Coréia do Norte (2 milhões); Camboja (2 milhões); África (1,7 milhão, distribuído entre Etiópia, Angola e Moçambique); Afeganistão (1,5 milhão); Vietnã (1 milhão); Leste Europeu (1 milhão); América Latina (150 mil entre Cuba, Nicarágua e Peru); movimento comunista internacional e partidos comunistas no poder (10 mil).

O comunismo fabricou três dos maiores carniceiros da espécie humana - Lênin, Stálin e Mao Tse-tung. Lênin foi o iniciador do terror soviético. Enquanto os czares russos em quase um século (1825 a 1917) executaram 3.747 pessoas, Lênin superou esse recorde em apenas quatro meses após a revolução de outubro de 1917.

Alguns líderes do Terceiro Mundo figuram com distinção nessa galeria de assassinos. Em termos de percentagem da população, o campeão absoluto foi Pol Pot, que exterminou em 3,5 anos um quarto da população do Camboja.

Fidel Castro, por sua vez, é o campeão absoluto da "exclusão social", pois 2,2 milhões de pessoas, equivalentes a 20% da população da ilha, tiveram de fugir. Juntamente com o Vietnã, Fidel criou uma nova espécie de refugiado, o "boat people" - ou seja, os "balseros", milhares dos quais naufragaram, engordando os tubarões do Caribe.

A vasta maioria dos países comunistas é culpada dos três crimes definidos no artigo 6º do Estatuto de Nuremberg: crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

A discussão brasileira sobre os nossos "anos de chumbo" raramente situa as coisas no contexto internacional da Guerra Fria, a qual alcançou seu apogeu nos anos 60 e 70, provocando um "refluxo autoritário" no Terceiro Mundo. Houve intervenções militares no Brasil e na Bolívia em 1964, na Argentina em 1966, no Peru em 1968, no Equador em 1972, e no Uruguai em 1973.

Fenômeno idêntico ocorreu em outros continentes. Os militares coreanos subiram ao governo em 1961 e adquiriram poderes ditatoriais em 1973. Houve golpes militares na Indonésia em 1965, na Grécia em 1967 e, nesse mesmo ano, o presidente Marcos impunha a lei marcial nas Filipinas, e Indira Gandhi declarava um "regime de emergência". Em Taiwan e Cingapura houve autoritarismo civil sob um partido dominante.

O grande mérito dos regimes democráticos é preservar os direitos humanos, estigmatizando qualquer iniciativa de violá-los. Mas por lamentáveis que sejam as violências e torturas denunciadas no "Brasil, Nunca Mais", elas empalidecem perto das brutalidades do comunismo cubano, minudenciadas no "Livre noir".

Comparados ao carniceiro profissional do Caribe, os militares brasileiros parecem escoteiros destreinados apartando um conflito de subúrbio... Enquanto Fidel fuzilou entre 15 mil e 17 mil pessoas (sendo 10 mil só na década de 60), o número de mortos e desaparecidos no Brasil, entre 1964 e 1979, a julgar pelos pedidos de indenização, seria em torno de 288, segundo a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, e de 224 casos comprovados, segundo a Comissão de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça. O Brasil perde de longe nessa aritmética macabra.

Em 1978, quando em nosso Congresso já se discutia a "Lei da Anistia", havia em Cuba entre 15 mil e 20 mil prisioneiros políticos, número que declinou para cerca de 12 mil em 1986. No ano passado, 38 anos depois da Revolução de Sierra Maestra, ainda havia, segundo a Anistia Internacional, entre 980 e 2.500 prisioneiros políticos na ilha. Em matéria de prisões e torturas, a tecnologia cubana era altamente sofisticada, havendo "ratoneras", "gavetas" e "tostadoras". Registre-se um traço de inventividade tecnológica - a tortura "merdácea", pela imersão de prisioneiros na merda.

Não houve prisões brasileiras comparáveis a La Cabaña (onde ainda em 1982 houve 100 fuzilamentos), Boniato, Kilo 5,5 ou Pinar Del Rio. Com estranha incongruência, artistas e intelectuais e políticos que denunciam a tortura brasileira visitam Cuba e chegam mesmo a tecer homenagens líricas a Fidel e a seu algoz-adjunto Che Guevara.

Este, como procurador-geral, foi comandante da prisão La Cabaña, onde, nos primeiros meses da revolução, ocorreram 120 fuzilamentos (dos 550 confessados por Fidel Castro), inclusive as execuções de Jesus Carreras, guerrilheiro contra a ditadura batista, e de Sori Marin, ex-ministro da agricultura de Fidel. Note-se que Che foi o inventor dos "campos de trabalho coletivos", na península de Guanaha, versão cubana dos "gulags soviéticos" e dos "campos de reeducação" do Vietnã.

A repressão comunista tem características particularmente selvagens. A responsabilidade é "coletiva", atingindo não apenas as pessoas, mas as famílias. É habitual o recurso a trabalhos forçados, em campos de concentração. Não há separação carcerária, ou mesmo judicial, entre criminosos comuns e políticos. Em Cuba, criou-se um instituto original, o da "periculosidade pré-delitual", podendo a pessoa ser presa por mera suspeita das autoridades, independentemente de fatos ou ações.

Causa-me infinda perplexidade, na mídia internacional e em nosso discurso político local, a "angelização" de Fidel e Guevara e a "satanização" de Pinochet. Isso só pode resultar de ignorância factual ou de safadeza ideológica.

Pinochet foi ditador por 17 anos; Fidel está no poder há 39 anos. Pinochet promoveu a abertura econômica e iniciou a redemocratização do país, retirando-se após derrotado em plebiscito e em eleições democráticas como senador vitalício (solução que, se imitada em Cuba, facilitaria o fim do embargo).

Fidel considera uma obscenidade a alternância no poder, preferindo submeter a nação cubana à miséria e à fome, para se manter ditador. Pinochet deixou a economia chilena numa trajetória de crescimento sustentado de 6,5% ao ano. Antes de Fidel, a economia cubana era a terceira em renda por habitante entre os latino-americanos e hoje caiu ao nível do Haiti e da Bolívia.

O Chile exporta capitais, enquanto Fidel foi um pensionista da União Soviética e, agora, para arranjar divisas, conta com remessas de exilados e receitas de turismo e prostituição. Em termos de violência, o número de mortos e desaparecidos no Chile foi estimado em 3.000, enquanto Fidel fuzilou 17 mil!
Apesar de fronteiras terrestres porosas, o Chile, com população comparável à de Cuba e sem os tubarões do Caribe, sofreu um êxodo de apenas 30 mil chilenos, hoje em grande parte retornados. Sob Fidel, 20% da população da ilha, ou seja, algo que nas dimensões brasileiras seria comparável à Grande São Paulo, teve de fugir.

Em suma, Pinochet submeteu-se à democracia e tem bom senso em economia. Fidel é um PhD em tirania e um analfabeto em economia. O "Livre noir" nos dá uma idéia da bestialidade de que escapamos se triunfassem os radicais de esquerda. Lembremo-nos que, em 1963, Luiz Carlos Prestes declarava desinibidamente que "nós os comunistas já estamos no governo, mas não ainda no poder".
Parece-me ingenuidade histórica imaginar que, na ausência da revolução de 1964, o Brasil manteria apenas com alguns tropeços sua normalidade democrática. A verdade é que Jango Goulart não planejara minimamente sua sucessão, gerando suspeitas de continuísmo. E estava exposto a ventos de radicalização de duas origens: a radicalização sindical, que levaria à hiperinflação, e a radicalização ideológica, pregada por Brizola e Arraes, que podia resultar em guerra civil.

É sumamente melancólico - porém não irrealista - admitir-se que, no albor dos anos 60, este grande país não tinha senão duas miseráveis opções: "anos de chumbo" ou "rios de sangue"...

(*) Roberto Campos, 81, economista e diplomata, é deputado federal pelo PPB do Rio de Janeiro. Foi senador pelo PDS-MT e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994). Este e outros artigos podem ser encontrados no novo livro de Roberto Campos, Na Virada do Milênio, ed. Topbooks, 1998.

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Jdanov está de volta - por Ipojuca Pontes

Ipojuca Pontes (*)
Fonte (**), originalmente publicado no ano de 2002.

"Atrevo-me a dizer que as ditaduras de esquerda são piores, pois contra as de direita pode-se lutar de peito aberto: quem o fizer contra as de esquerdas acaba acusado de reacionário, vendido, traidor".
Jorge Amado

No momento em que o país dá indícios claros de que vai ser controlado por partido político fundamentado na teoria e prática da ideologia marxista-leninista, e em que se faz constante, nas assembléias das associações corporativas, nos jornais e mídia em geral, o apelo, formulado por ideólogos de esquerda e artistas “engajados”, para que se institucionalizem “políticas públicas” voltadas para o fomento oficial de uma cultura comprometida com a “conscientização das massas” e a formação da “cidadania” e, mais ainda, em que se antevê, a partir de uma postura dita gramsciana, a “horizontalização da praxis cultural” e da manipulação programática de que "todos somos artistas" – é hora de considerar, sem grande margem de erro, que Jdanov, ou melhor, que o Jdanovismo está de volta com o objetivo claro de transformar o processo cultural num instrumento de luta de classes para consolidar no Brasil - a exemplo do que ocorreu na Rússia Soviética, China, Cuba e Coréia do Norte – o regime socialista.

Mas quem foi Jdanov e o que quer dizer Jdanovismo?



A indagação não teria sentido se fosse feita, por exemplo, a cineastas como Serguei Eisenstein ou Dziga Vertov, ou músicos como Prokofiev, Katchaturian, Shostakovitch e escritores do porte de Boris Pasternak, Maiakoviski, Isaac Babel, Bulgakov, Siniavskii, Solzhenitsyn e a poetisa Ana Akhmátova e, no plano internacional, personalidades como Marguerite Duras, Elio Vittorini, Elia Kazan, Raymond Aron, André Gide, Camus, Cabrera Infante, Haidée Santamaria, Octávio Paz, Armando Valladares ou Vargas Llosa e, em âmbito interno, gente como Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Carlos Lacerda, José Lins do Rêgo, Sérgio Milliet, Luís Jardim ou Nelson Rodrigues - em grande parte expurgados ou banidos da atividade artística, outros levados à morte e à prisão, alguns ao suicídio, mas todos de algum modo considerados, no contexto oficial da política cultural comunista, como formalistas, cosmopolitas, reacionários, inimigos do povo, traidores da classe operária, burgueses, alienados, agentes do imperialismo, diversionistas ou simplesmente provocadores e entreguistas. Como as pessoas que atuam hoje no meio cultural certamente desconhecem a figura - mas não de todo fenômeno – e, cedo ou tarde, se transformarão em arautos ou vítimas de sua causa e ideologia, convém dar nome aos bois.

Andrei Aleksandrovich Jdanov (1896-1948), leitor de Lenin, membro do Comitê Central do Partido Comunista e homem de confiança de Stalin, foi o ideólogo da política cultural do regime soviético (ainda em voga entre partidos de esquerda, dentro ou fora do poder), além de mentor e porta-voz do ”realismo socialista”, a teoria (na realidade, doutrina oficial) que tinha (e tem) como princípio comprometer a criação artística – notadamente no cinema, teatro, literatura, música e pintura – com a “transformação ideológica e a educação dos trabalhadores para a formação do espírito socialista entre as massas”. Embora não medisse mais do que 1,60 de altura, foi considerado o 2º homem mais importante na hierarquia do Politburo, chegando ao auge do poder no final dos anos 40, quando tornou o Jdanovismo uma doutrina internacionalizante.

Já em 1934, ao abrir o 1º Congresso de Escritores da União Soviética, Jdanov, como porta-voz de Stalin, deu a entender que dali em diante a cultura seria usada, exclusivamente, como arma na luta pela implantação do socialismo. Foi quando estabeleceu as novas regras do jogo para orientação da conduta dos artistas e do financiamento dos órgãos oficiais no terreno das artes, que, de forma sucinta, deviam estar comprometidas com:

1) O entendimento de que a classe operária, e não a burguesia, é o "agente histórico universal";

2) O estabelecimento da ação cultural como instrumento de conscientização popular, fazendo prevalecer, no confronto da luta de classes, a visão da supremacia dos valores da classe trabalhadora;

3) A criação do "herói ingênuo", "herói positivo" e "herói negativo", este último um inimigo da formação da sociedade socialista, e que "devia ser odiado";

4) Banimento, nas manifestações artísticas, da ambigüidade, da ironia, do subjetivismo, das abstrações e do formalismo - considerados todos arcaísmos e vícios do comportamento burguês;

5) Exclusão de qualquer forma de entendimento "multilateral", pois o partido, por si só cabeça pensante e o Grande Intelectual, detém o controle da verdade.

(Um sexto item, de fato, estava implícito às regras de Jdanov, proclamado depois aos intelectuais por Fidel Castro, em Havana, 1971: "Dentro da Revolução Socialista, existe tudo; contra a Revolução Socialista, não existe nada").

No entanto foi em 22 de setembro de 1947, ao presidir por iniciativa de Stalin em Slarszka-Poreba, na Polônia, a conferência dos partidos comunistas da Europa - quando foi criado o Comitê de Informação dos Partidos Comunistas (Kominform) com o objetivo de fixar as linhas de ação e pensamento do comunismo internacional em face da Guerra Fria -, que Jdanov apresentou o célebre "Relatório de Setembro", pondo em evidência as novas bases teóricas a serem adotadas como Bíblia pelas células dos partidos comunistas em todo mundo.

O que diz o "Relatório de Setembro", documento stalinista que detona a Guerra Fria e justifica a expansão e o avanço estratégicos do comunismo Soviético no Leste da Europa e outras partes do mundo no pós-guerra? Ele sustenta, em síntese, o seguinte:

1) Os Estados Unidos, potência imperialista no campo ideológico, econômico e militar são, em toda parte, uma ameaça às "posições mundiais do socialismo";

2) Resulta desse estado de coisas, na prática, a polarização do mundo em dois blocos: o da União Soviética e suas democracias populares, "apoiadas pela forças populares e progressistas de qualquer lugar do mundo", e o norte-americano, reunindo "as forças reacionárias e antidemocráticas" - o primeiro procurando estabelecer "uma paz justa e duradoura", e o segundo tramando "uma nova grande guerra anti-soviética".

3) Diante deste quadro inequívoco, os partidos comunistas de todo o mundo, de acordo com as novas diretivas do Kominform (estabelecido no Kremlin), deviam deflagrar uma "contra-ofensiva sistemática ao imperialismo norte-americano e seus aliados", nos campos político, econômico, militar e sobretudo ideológico, com o objetivo precípuo de desestabilizar o bloco inimigo. Para tanto, seria obrigatória a mobilização de militantes, jornalistas, artistas, escritores, intelectuais e professores universitários para o combate, no terreno das idéias e da propaganda, dos agentes mais agressivos da difusão cultural imperialista: o cinema, imprensa, música, quadrinhos, literatura policial, etc - o lixo, em suma, da cultura de massa e seus modernismos. A palavra de ordem do Kremlin é, então, demonizar o mito da democracia e o american way life, a Coca-Cola, o Pato Donald, os chicletes, o jeans e a nudez das pin-up girls, deixando claro que os intelectuais anticomunistas e artistas do bloco opositor deviam ser destruídos ou levados ao ridículo como aliados do "monstro".

Em contraposição, para conquistar corações e mentes, o mundo Soviético na sua luta pela paz devia ser defendido e enfatizado como força positiva e caminho irreversível para a humanidade. No dizer de um membro do Partido Comunista Francês presente na conferência, Maurice Thorez, entusiasta do relatório, dali por diante só existia "uma atitude para o intelectual comunista: assumir inteiramente, sem reservas, as posições ideológicas e políticas da classe operária". Outro participante do encontro, Aleksandr Fadeev, que dirigia a União dos Escritores da URSS (e que, mais tarde, no período do "degelo" kruscheviano, meteu uma bala na cabeça), procurando demarcar o campo das artes como principal bastião do proselitismo ideológico, pontificou que "A cultura (...) se entrega de um modo consciente ao serviço do povo e do Estado Socialista e se propõe conscientemente à educação comunista do povo". O próprio Georg Lukács, filósofo e esteta marxista e um dos criadores da Escola de Frankfurt (comprometida com o bombardeio sistemático à “estrutura dominante" da sociedade industrial contemporânea” - os Estados Unidos), plenamente integrado no espírito Jdanovista, destacou mais tarde o que julgava ser inimigo fundamental: “o modernismo não só conduz à destruição das formas literárias tradicionais, como também leva à morte da literatura como tal”.

Ao formular a teoria dos "dois blocos", com o objetivo de intimar dirigentes e intelectuais comunistas de todo o mundo para a Guerra Fria ideológica a ser travada, Jdanov sabia que mentia de forma deslavada. Não que os dois blocos não estivessem já delineados e pronunciassem um conflito autoevidente: o próprio Churchill, ex-premier inglês, em discurso histórico, já antevia o antagonismo entre as duas forças, ao denunciar em 1946 que "Uma cortina de ferro avança e se abate sobre o Leste Europeu", invocando, paralelamente, uma necessária reação do mundo livre ao expansionismo soviético.

Jdanov mentia porque ele próprio era partidário fanático da violência (como "segundo" de Stalin, tinha sido entre 1936-38 um dos executores na URSS da política repressiva do Grande Terror e responsável direto pelo assassinato em massa de mais de 1 milhão e meio de pessoas, a maioria pertencente aos quadros do PCUS, entre eles centenas de artistas e intelectuais dissidentes) e, bem ao estilo soviético, no exato momento em que divulgava para platéia de aficionados o relatório que propugnava pela "paz justa e duradoura", tramava nos salões do Kremlin o Golpe de Praga (a tomada da Tchecoslováquia ocorreria no início de 1948), ajudava a deportar centenas de milhares de trabalhadores e camponeses para os inóspitos campos da Sibéria, anexava novos territórios na Ásia Central para implantação de fazendas coletivas destinadas ao trabalho escravo, priorizava dotação orçamentária para a confecção da Bomba Atômica (testada em setembro 1949), intensificando a corrida armamentista, enviava recursos para Mao Tsé-tung derrubar Chiang Kai-shek , na China, ao tempo em que, com mão de ferro, impunha o estreitamento (policialesco) da disciplina do "realismo socialista" no campo das artes, promovendo o expurgo e a prisão de artistas e intelectuais acusados de "desvio ideológico".

No Brasil o Jdanovismo foi adotado como artigo de fé pelos dirigentes do Partido Comunista, e levado às últimas conseqüências pelos seus intelectuais militantes. Apegados pelo umbigo aos ditames do "Relatório de Setembro", escritores, jornalistas, cineastas, pintores, músicos, dramaturgos e professores dos mais diversos ofícios partiram para a luta campal e sem tréguas contra as mazelas do "imperialismo ianque e seus lacaios". Jornais e revistas controlados pela orientação partidária (tais como Para Todos, Problemas, Tribuna Popular, Prisma, Fundamentos, Voz Operária, Hoje, Literatura, Imprensa Popular, Novos Rumos, etc., alguns com recursos provindos de Moscou), passaram a reproduzir a virulenta propaganda do PC soviético ou veicular o proselitismo ideológico dos quadros do PCB. Jorge Amado, por exemplo, para quem Stalin, o "Supremo Guia da Humanidade", ensinava a "beleza da luta e da vitória", traduzia as lições de Jdanov de modo claro: “A educação artística das grandes massas, em especial das massas proletárias, é um dos pontos do nosso programa de partido (...) Pensamos em teatro, em cinema, em editoras, em exposições, conferências, poemas realizados, pronunciados e declamados nas fábricas e nos grandes centros de concentração proletária”. Em tais espaços, seriam religiosamente sublinhados: a) o caráter pacifista da URSS, sempre identificado com o progresso humano, e b) a ameaça que representava para o mundo o imperialismo americano e sua decadente cultura burguesa.

Como não detinham no plano institucional o controle do aparato burocrático-cultural, e ainda não contavam (como hoje contam) com recursos financeiros que ultrapassam a casa de vários R$ bilhões, os militantes comunistas terminaram por assumir em âmbito interno a postura Jdanoviana de "Comissários do Povo", cuja conduta perfilava-se em promover, de um lado, o denuncismo contra "desvios", "traições" e "fugas" e, de outro, exaltar a "coerência" e o comportamento ideológico "conseqüente". Personalidades como Alex Viany (codinome de Almiro Fialho), Nelson Pereira dos Santos, Dalcídio Jurandir, Oswaldo Peralva, Rossine Camargo Guarnieri, Astro-gildo Pereira, Moacir Werneck de Castro e tantos outros tornaram-se ativos partícipes na luta ideológica "em prol do socialismo", quase sempre instrumentalizados no maniqueísmo, intolerância e xenofobia propostos pelo documento.

Hoje, em que pese o aparente término da Guerra Fria - com a queda do Muro de Berlim e a derrocada da URSS -, o Relatório de Jdanov nunca esteve tão em moda quanto na atualidade, especialmente no Brasil e países da América Latina. Um simples exame das publicações e editorias das mídias, filmes, peças, exposições, festivais, seminários, etc., demonstra em quantidade e qualidade a objetiva supremacia da Agenda Jdanov, com seus compromissos com uma arte política e ideologicamente empenhada, compreendendo-se por isto o denuncismo do capitalismo enquanto modelo político-social e, sobretudo, a demonização dos Estados Unidos como pais agressor e belicista. Pouco importa saber que a Guerra Fria camuflava a fragilidade de um sistema totalitário que tinha de se manter fechado para não se desintegrar, e que, para isto, não media esforço para ampliar a tensão mundial e, internamente, erguer cortinas e muros sustentados pela mentira, pelo pânico e pelo genocídio.

No caso especifico da implantação do modelo ideológico marxista-leninista-gramsciano pautado por partido que chega ao poder pelo voto, a indagação pertinente é saber se a sociedade brasileira tem consciência do que isto significa e - mais ainda -, se os próprios atores do “processo cultural” em andamento têm em mente o risco que correm - aqui e agora - ao levantar cenários sobejamente percorridos em Cuba, China, Coréia do Norte e na própria ex URSS, todos vítimas e arautos de Jdanov e seu Jdanovismo.

(*) Ipojuca Pontes é cineasta e escritor.
(**) PONTES, Ipojuca. A Era Lula - Crônica de um desastre anunciado. São Paulo. A Girafa, 2006. p. 229-235

sexta-feira, 11 de maio de 2012

ROBERTO CAMPOS no Roda Viva de 4 de Maio de 1997

Participação de ROBERTO CAMPOS no programa Roda Viva de 4 de Maio de 1997, ocasião na qual fez uma análise crítica da política e da economia brasileira, rebatendo críticas à "Revolução de 64".
Apresentação: Matinas Suzuki Jr.
Entrevistado: Roberto Campos
Entrevistadores: Augusto Nunes, Miguel Jorge, Maílson da Nóbrega, Eleonora de Lucena, Gilberto Dupas, Marco Aurélio Garcia.



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Reinaldo Azevedo - O País dos Petralhas

O que precisa ser dito (em 2008)


Reinaldo Azevedo - O País dos Petralhas I



Reinaldo Azevedo - O País dos Petralhas II 


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O anúncio de Olavo Bilac Autoria desconhecida Certa vez, um grande amigo do poeta Olavo Bilac queria muito vender uma propriedade rural, um ...