Por Ronaldo F. Cavalcante
Mais um ano que se inicia. Novas gerações chegando à escola. E nós, facilitadores, temos o semi-divino dever de, com paciência, estarmos preparados para lhes dar boas vindas, prontos para repassar-lhes tudo de bom que absorvemos com o árduo trabalho das gerações anteriores, na esperança de que essa geração receba esses conhecimentos, deles sejam dignos, incremente-os com melhora, e repasse-os integralmente às gerações futuras. Sabe-se que o educador não enche ou completa vasilha. Só acende a luz.
É mais um ano que nada muda na cantina. O que é perfeitamente compreensível, haja vista que as pessoas que decidem sobre a permanência, melhora, concorrência, e fiscalização, não são fiéis consumidores como nós, pobres mortais que saímos as vinte e duas horas do nosso trabalho. Dessa maneira não há uma avaliação (nem enquete) sobre preço, qualidade, atendimento, variedade e outros elementos necessários ao estudo de qualquer relação fornecedor-consumidor. E se há essa avaliação, devem achar que está tudo bem. Então, paciência...
Ainda estava desfrutando dessas reflexões obrigatórias dos primeiros dias de aula, em plena semana pedagógica, quando se senta ao meu lado um aluno antigo e já vai logo me provocando:
- E aí, o que o Sr. acha da possibilidade de mudança da cor tradicional da camisa da escola?
- Já tive conhecimento dessa possibilidade, e até ouvi sobre as opções esdrúxulas na qual a tradicional e centenária camisa azul celeste poderá ser abolida. Em seu lugar surgiria uma espécie de “meio-abadá”, como bem disse o anunciante do fato, com cores tipo branco gelo, verde-cana, vermelho-carmin, listas horizontais, inclinadas, e sabe lá Deus que outras aberrações podem surgir ainda nesse bloco. Espero que não tenhamos que aprender a tocar percussão. Eu sou terminantemente contra essa mudança. Não é imperativo atender o novo, “criativo” e sugestivo logotipo. Até porque a Escola tem autonomia para isso.
Que esse logotipo permaneça com suas cores e deixe em paz a nossa camisa. Porque nesse caso, não em todos, eu sou a favor da tradição, apesar de já terem escrito que tradicionalismo é idiotice. Mas, qual dirigente de país, estado, município, time de futebol e outras agremiações teriam coragem de sugerir a mudança nas cores de seus pavilhões? Tradição é tradição, como próprio nome diz, não se muda. E pt saudações (como se telegrafava antigamente. Não mudar a pontuação). Eu vou permanecer fiel ao azul celeste, pelo menos durante este restinho de tempo que tenho ainda na escola, nesse meu estágio de pé-na-cova.
- Já pensou: eu torcedor fanático do Bahia, vestindo uma farda do fluminense? Vou ser massacrado em dia de jogo – sorriu o meu interlocutor.
Alguns dias se passaram até eu ser provocado novamente. Desta vez por um professor de renome da escola, durante um almoço, acerca de um bombástico e-mail lançado na intranet, por sinal muito bem redigido, que chamava a atenção da comunidade sobre democracia na Escola.
- Não sei se você também, mas eu achei muito importante a contribuição do professor escrevendo sobre o tema “demagogia e democracia”. Acho que não tem nenhuma mentira ali, mas alguns não gostaram.
- É como você mesmo disse: não deixa de ser uma contribuição. É sabido que a crítica ajuda a melhorar o produto final, além de ser um direito de cidadania e referencial de qualquer democracia (mesmo que seja a dita radical). Como não há direitos sem obrigações, é correto dizer que as críticas devem ser acompanhadas de sugestões corretivas.
- Mas e quando não se aceitam sugestões?
- Veja bem, meu caro: Albert Einstein foi um dos maiores cientistas da humanidade. Isso não impediu que ele fosse uma das pessoas mais criticadas do mundo, e até humilhada por várias vezes. No entanto ele era um defensor ardoroso da crítica, pois achava que sem a crítica não haveria nenhum progresso em nenhuma área. E ele sempre mudava de opinião quando a crítica era razoável. Certa feita, ao ser perguntado sobre qual benefício sua lei da relatividade traria para o ser humano ele calou-se. Tempos depois estava criticando em público todas as nações que desenvolvia a bomba de hidrogênio, se comprometendo contra as armas nucleares e a favor da paz. (vídeo no rodapé).
- Sim, mas ele também disse que a fórmula para o sucesso é: trabalho + lazer + boca fechada.
- Mas nesse tempo ele ainda era jovem. Veja que já foi dito que pode não ser ético em instituições públicas serem cobradas quaisquer tipos de taxas; usarem-se artifícios para conseguir manter uma coesão entre pares; indicarem-se dirigentes visando alianças nas próximas eleições, etc., mas é legal. E isso basta, considerando que poucos têm a firmeza ou competência para mostrar que nem sempre o que é lícito é também ético.
É nesse contexto que os ditos heróis da resistência surgem para mostrar, através das críticas, aquilo que eles acham que pode melhorar. Esperam eles que essas críticas sejam respondidas pelos criticados, e não pelos D’Artagnans da vida que, na melhor das intenções, criam uma cortina de fumaça durante um embate infrutífero, dificultando um esclarecimento maior dos fatos. Daí surge uma acomodação e o pacto com Mefistófeles, qual o personagem da obra de Goethe.
- Ainda mais agora que estamos em plena adaptação dos novos rumos.
- E é aí que aparece o incontestável paradoxo: contradizer a autoridade burocrática e sobreviver academicamente; criticar e viver nesse ambiente negado. Para Tragtenberg (1993) é preciso sobrevier sem sacrificar a liberdade e o espírito crítico, mesmo sabendo das dificuldades para que isso aconteça.
IF-Bahia
Dep. III - Mecânica
Ronaldo F. Cavalcante
Conversa de Cantina n.45-Contribuições da crítica.
http://www.conversadecantina.blogse.com.br/blog/conteudo/home.asp?idblog=15843
Um comentário:
Um texto excelente. Verdade pura!Parabéns pela postagem.
orlando
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