segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ultima Canção do Beco do Bazar

de Paulo Batista Machado, PhD

 




Hoje amanheci querendo escrever uma crônica bem romântica e saudosista, em homenagem à Rua Joviniano Duarte, nome de rua que as gerações mais novas talvez nem conheçam nem saibam de sua importância e significado para nossa terra. Para quem não se lembra, estou querendo homenagear o Beco do Bazar, o nosso eterno Beco do Bazar. Podem me chamar de ultrapassado, de tramar contra o progresso e coisa e tal, mas se dependesse do meu voto trocaria o nome dado pelos controladores de Marketing, de “Rua Shopping” ou “Shopping Calçadão” para o nome histórico e sentimental de “Beco do Bazar”, pura e simples, sem arrodeios ou enfeites anglicizados. Pra ser mais direto, prefiro neste caso ser eterno, ao invés de ser moderno.

Ser eterno hoje, para mim, é relembrar o Beco do Bazar e regar com saudades o que minhas retinas de infância guardaram em um gosto salgado com sabor de coisas idas e perdidas: as vidas, as alegrias, as tristezas, as lágrimas, os olhares, os sonhos de tanta gente que já se foi e de tanta gente que recorda o que se foi. Como diria o poeta Manoel Bandeira, ao se despedir do Beco em que morara na sua juventude:

“Beco que cantei num dístico Cheio de elipses mentais,Beco das minhas tristezas, Das minhas perplexidades(Mas também dos meus amores, dos meus beijos, dos meus sonhos), Adeus para nunca mais!”

Demoliram casas, reformaram outras, mudaram os pisos, de tempos em tempos, mas o meu olhar está lá, como alma a vagar, percorrendo cada centímetro do meu velho Beco do Bazar. Meu olhar vai estar sempre lá, como interrogação incansável, neste mundo de novas aparências. O verdadeiro Beco do Bazar permanecerá lá, intacto, incontido, suspenso no ar, à espera dos suspiros de muitos que ali circulam entre fantasmas reais, em um imaginário insuperável. Lá sempre estarão, à nossa espera:


As elegantes Lojas Cometa, de Seu Ramos; o sortido e atraente Armarinho Popular, do Ferreirinha; a sisuda e tradicional Casa Variedades, de Benedito Santos Barreto, Seu Cocônio; as atraentes Lojas Nadir e Naama, de João Paulo Guimarães; A Farmácia Tânia; o armarinho de Sena Maciolia Amaral; China Tecidos; a Loja Marina de Manoel Anton, a comercializar eletrodomésticos e móveis; João Walter Almeida, Escritório de Representações; A Coletoria de Erasio, bem em frente à Loja de Dona Ivete; o Armarinho Leoni; A loja “A invencível” de Álvaro Alberto de Almeida, o Bido; a Loja do Mourão com seu tradicional Papai Noel, exposto como eterna atração nas festas natalinas; a tradicional, fidalga e eterna Farmácia de Seu Edésio.

Como esquecer as muitas Lojas de calçados, tecidos e confecções? – Sapataria Salvador, Bega Calçados, Sapataria de Américo Jerônimo, Luis Moreira... Loja Santo Antonio, de Seu Antonio Rodrigues dos Santos, a vender tecidos, confecções e calçados; Natanael Correia de Andrade, com seu último livro de poesias ou de crônicas, para ele mais importante que os chapéus que vendia.

Meu Deus, como cabia tanta coisa naquele Beco, em nosso Beco do Bazar? – Os salões de sinuca (do Adauto e do Caboré); o Bar Conceição, acolhedor; o Bar do Bené; o Bar Recife; o Zé Pretinho do Refresco; o Mingau da Teresa; a sorveteria Paris, que veio bem depois; o corte impecável da Alfaitaria e o sorriso fácil do Clido Caribé; a Rádio Cultural, com a corajosa e crítica fala de Hélio Freitas e os semanais ralabuchos; o Serviço de Alto Falantes A Voz do Comércio, do incansável Quequéu. E os tradicionais salões de Barbeiro: Salão Flamengo, de Chico Cabeleireiro e Salão Glória, de Edmilson, o saudoso Diru. Ali, no Beco do Bazar, funcionou a primeira agência do Banco do Brasil; ali a Filarmônica União e Recreio, sob a maestria de Ceciliano de Carvalho, desfilou garbosamente, arrancando aplausos até mesmo da Família Duarte, adversária no mundo artístico e musical.

Em nosso Beco, no Beco do Bazar como no Beco da poesia de Bandeira, circularam “sarças de fogo, de paixões sem amanhãs,/ Quanta luz mediterrânea no esplendor da adolescência/ Não recolheu nestas pedras o orvalho das madrugadas, A pureza das manhãs!

Ao invés de ser moderno, prefiro ser eterno. Sentado na pérgola moderna e luzidia, continuarei cantando a canção que marcou a história do hoje calçadão. Mas que para mim, e para os bonfinenses teimosos, românticos e chorões, será sempre o velho Beco do Bazar, Beco de meus ais, Beco de minhas saudades, Beco de uma história que não saberei contar em toda a sua riqueza, por mais que eu enumere os seus dísticos e portais, e conte ao hoje o que o ontem em minha alma cravou.

Continuarei a sonhar ao longo de teu novo chão, oh Beco do Bazar de todos nós!

4 comentários:

EB disse...

Saudosismo não entristece e não nos deixa ultrapassados. Ao contrário, revive emoções adormecidas e resgata sensações que adoçam nosso presente e eternizam o que vivenciamos. Parabés pelo texto. Gostei e voltarei sempre. Abraços.

Anônimo disse...

Parabéns! Viva o "Beco do Bazar"! Viva Álvaro Alberto de Almeida, o "Bira"!

Léo Hoxha disse...

Mas que texto maravilhoso! Conheci um teço desse pessoal e ate hj sinto saudades. Alcancei ainda a Panificadora "A Sertaneja". Tão bom! Parabens viu? Ah, nos tambem sumimos pelas esquinas do tempo, mas tb lembro muito de voce no seu Gurgel, ouvindo Alcymar Monteiro cantando que "hoje vou botar roupa nova, só para te ver". Abraços.

Unknown disse...

Meu caro, vc foi perfeito !!! Só esqueceu do Bar Hollywood, um dos pontos de encontro daquela época. Boas lembranças e uma tristeza por terem mudado tudo. Mas como vc mesmo fala, para nós bonfinenses que tivemos o privilégio de viver aquela época, aquele será sempre o Beco do Bazar. Um abraço e parabéns pelo post.

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