Entra ano e sai ano, e as esquerdas repetem, ad nauseam, que o “golpe” de 1964 no Brasil foi realizado pela CIA, através da "Operação Thomas Mann" - uma referência ao nome do Secretário-Assistente de Estado para Negócios Interamericanos do Governo Lyndon Johnson.
Ocorre que é mentirosa a versão da participação dos norte-americanos na Contra-revolução brasileira de 1964. Os documentos da inexistente “Operação Thomas Mann” foram forjados pela espionagem tcheca que, em 1964, atuava no Brasil via KGB. Essa mentira foi montada por Ladislav Bittman, que chefiava o serviço de desinformação da Tchecoslováquia. Em seu livro The KGB And Soviet Disinformation, publicado em Washington, Bittman declara: “Queríamos criar a impressão que os Estados Unidos estavam forçando a Organização dos Estados Americanos (OEA) a tomar uma posição mais anticomunista, enquanto a CIA planejava golpes contra os regimes do Chile, Uruguai, Brasil, México e Cuba (...) A Operação foi projetada para criar no público latino-americano uma prevenção contra a política linha dura americana, incitar demonstrações mais intensas de sentimentos antiamericanos e rotular a CIA como notória perpetradora de intrigas antidemocráticas”. Veja outros dados sobre a “Operação Thomas Mann” no endereço http://www.ternuma.com.br/esquerda.htm.
No texto do Ternuma, lemos o seguinte trecho:
"Embora as revelações de Ladislav Bittman tenham sido tornadas públicas no ano de 1985, a imprensa brasileira nada publicou a respeito, talvez por ignorância ou, quem sabe, por não querer que a opinião pública viesse a tomar conhecimento da mentira que durante anos enganou o povo brasileiro.
A Revista Veja na sua edição nº 1777, de 13/11/02, publica a matéria ‘O Fator Jango’ de autoria de João Gabriel de Lima, onde este mesmo assunto é abordado. Para maior entendimento transcrevemos a seguir a sua parte principal:
'O básico desse enredo foi escrito nos anos setenta pela historiadora americana Phyllis Parker, na obra de referência 1964: O Papel dos Estados Unidos no Golpe de Estado de 31 de Março. Phyllis entrevistou os principais personagens do episódio e teve acesso à maior parte da correspondência secreta. Chegou à conclusão de que o golpe de 1964 foi dado mesmo por brasileiros, não por americanos. Hoje isso soa óbvio, mas na época, até por falta de bons livros em português sobre o assunto, imperava a versão esquerdista de que a tomada de poder pelos militares havia sido planejada em Washington e incluiria até uma invasão do Brasil por marines americanos. Phyllis mostra que os Estados Unidos realmente acompanhavam a situação de perto, faziam seus lobbies e sua política com a costumeira agressividade, e tinham um plano B para o caso de o País entrar em guerra civil. Entretanto, nas palavras da historiadora, não há provas de que os Estados Unidos instigaram, planejaram, dirigiram ou participaram da execução do golpe de 1964. O resto é teoria conspiratória' ”.
O livro 1964: O Papel dos Estados Unidos no Golpe de Estado de 31 de Março (Civilização Brasileira, Rio, 1977), da historiadora norte-americana Phyllis R. Parker, com tradução de Carlos Nayfeld, diz textualmente, nas "Conclusões", à pg. 128:
"Não há provas de que os Estados Unidos instigaram, planejaram, dirigiram ou participaram da execução do golpe de 1964. Cada uma dessas funções parece ter competido a Castelo Branco e seus companheiros de farda. A mesmo tempo, há sugestivas evidências de que os Estados Unidos aprovaram e apoiaram a deposição militar de Goulart quase que desde o princípio. Os Estados Unidos reforçaram o seu apoio ao elaborar planos militares preventivos que poderiam ter sido úteis para os conspiradores, se houvesse surgido a necessidade".
E que planos militares preventivos foram esses?
Algumas transcrições do livro da Sra. Parker podem elucidar o leitor o que veio a ser o referido “Plano B” a que se refere o articulista de Veja, a quase desconhecida “Operação Brother Sam”, uma operação que teve início, sim, mas que foi abortada ainda em seu início, porque não houve necessidade de ser desencadeada (pg. 99 a 116):
"Atividades dos Estados Unidos
Aceleração das Comunicações
Quando o desenrolar dos acontecimentos no Brasil atingiu um ponto crítico, os norte-americanos aceleraram a eficiência de suas comunicações. Um teletipo, instalado na Embaixada durante a semana que se sucedeu ao regresso de Gordon de Washington, permaneceu em funcionamento durante parte da primeira semana de abril, com trocas de mensagens entre o Departamento de Estado e a Embaixada no Rio, geralmente programadas duas vezes por dia. Na tarde de 30 de março, o Secretário de Estado Dean Rusk instruiu a Embaixada no Brasil a intensificar a disseminação de informações, incluindo a Casa Branca, o Gabinete do Secretário de Defesa, os Chefes Conjuntos do Estado-Maior, o Comandante-Chefe do Comando Sul e a CIA como destinatários `de todos os telegramas importantes tratando de questões substanciais`. Washington deu um passo mais adiante. Um cabograma enviado naquela noite pelo Secretário de Estado Rusk (redigido por Burton e aprovado por Mann) instruía todos os consulados norte-americanos no Brasil a ficarem vigilantes 24 horas por dia e a comunicarem diretamente a Washington `qualquer ocorrência significativa envolvendo a resistência militar ou política ao regime de Goulart`. O Embaixador Gordon cancelou uma viagem a Alagoas, por sugestão de Vernon Walters, que estava convencido de que o golpe começaria no dia 31.
Na noite de 30 de março, Niles Bond, cônsul-geral em São Paulo, cabografou a Washington que `duas fontes ativas do movimento contra Goulart dizem que o golpe contra o GOB [Governo do Brasil] deve ocorrer dentro de quarenta e oito horas`. Bond não acreditava naquele prazo de quarenta e oito horas, mas não tinha dúvidas de que a oposição a Goulart estava tomando a ofensiva. O cônsul acrescentava uma mensagem importante: esses dois eminentes conspiradores haviam indagado pela primeira vez `se a frota norte-americana poderia alcançar rapidamente o Sul do Brasil`" (pg. 99 e 100)
"Às 11,30 da manhã de 31 de março, realizou-se uma reunião em Washington da qual participaram o Secretário Dean Rusk e outros representantes do Departamento de Estado; o Secretário de Defesa Robert McNamara; o Chefe do Estado-Maior General Maxwell Taylor; o Comandante-Chefe das Forças do Sul (USCINCSO) Tenente-General Andrew P. O’Meara; o Diretor da CIA John McCone; e outros funcionários. Na reunião, houve relatórios sobre a situação militar do Brasil. O grupo considerou que ações políticas deviam ser tomadas (tais como consulta a outros países latino-americanos, declarações públicas, etc.) e discutiu as disposições organizacionais para lidar com a crise brasileira, inclusive a criação de um grupo de trabalho interdepartamental e a consideração de `relações e comunicações entre a Embaixada [dos Estados Unidos] no Rio, os consulados e as forças militares norte-americanas.
Nessa reunião, ou numa outra realizada antes, considerou-se e aprovou-se um plano militar preventivo que ia mais longe do que as duas sugestões da Embaixada no Rio de que se deviam enviar petróleo e uma frota de porta-aviões ao Brasil. Esse terceiro plano compreendia providências que incluíam o envio de armas e munições ao Brasil, como apoio preventivo aos conspiradores" (pg. 101).
"Planos em Ação
Na tarde de 31 de março, os Estados Unidos começaram a transformar os planos preventivos em ação. O primeiro plano executado enviou um porta-aviões de ataque pesado, o Forrestal, e destróieres de apoio (inclusive um destróier equipado com mísseis teleguiados) em direção das águas brasileiras. A finalidade dessa força-tarefa era ‘firmar a presença dos Estados Unidos nessa área e estar preparada para executar as tarefas que lhe fossem designadas’. Os navios deviam partir de Norfolk, Virgínia, às 7 da manhã, hora local (9 da manhã no Rio de Janeiro), a 1º de abril, e deviam chegar a Santos, porto de São Paulo, por volta do dia 11. O apoio adicional dos navios compreendia petroleiros bélicos, navios de munição e navios de mantimentos.
Entrementes, o General-de-Divisão George S. Brown era nomeado Comandante de Missão para o projeto ‘Brother Sam’ (Irmão Sam). Essa operação combinava a força-tarefa do porta-aviões e o apoio de POL, planejados pela Embaixada no Rio, com a operação preventiva originada em Washington, a fim de fornecer armas e munição para os conspiradores militares do Brasil.
Os JCS (Chefes Conjuntos do Estado-Maior) instruíram o Comandante-Chefe do Sul, General Andrew O’Meara, para transportar por avião 250 espingardas de caça, calibre .12, marcadas ‘Brother Sam’ para a Base Aérea de Ramey, em Porto Rico, às 3 da manhã, hora do Rio de Janeiro, a 1º de abril. Além disso, 110 toneladas de armas portáteis e munição marcadas ‘Brother Sam’ deveriam chegar o mais tardar ao meio-dia, hora oficial do Leste americano, à Força Aérea McGuirre, New Jersey, para serem transportadas por avião para o Brasil. Os aviões destinados a essa missão compreendiam: sete aviões de transporte C135, oito aviões de caça, até oito aviões-tanque (para apoio do socorro aéreo), um avião de comunicações e um posto de comando transportado pelo ar.
Os JCS enfatizaram o caráter sigiloso das instruções ‘Brother Sam’ de que quatro navios-tanques fossem carregados com um total de 136.000 barris de gasolina comum, 272.000 barris de combustível para jatos, 87.000 barris de gasolina de aviação, 35.000 barris de óleo diesel e 20.000 barris de querosene. Os navios eram esperados em Aruba às 7 da noite, hora do Rio de Janeiro, de 31 de março, onde o POL seria carregado" (pg. 103 e 104).
"A Trilha dos Estados Unidos
A 31 de março, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek distribuiu uma declaração ambígua à imprensa e ao rádio, durante o dia, na qual dizia: `Ainda é tempo de salvar a paz e a legalidade, restabelecendo a disciplina e a hierarquia militar por amor ao País, aos brasileiros e a Deus`. Gordon considerou isso um sinal otimista e comunicou a Washington que, se conseguisse ver Juscelino naquela noite, procuraria `naturalmente sondá-lo sobre as razões de seu otimismo`. Gordon, de fato, encontrou-se com Juscelino na residência do ex-Presidente por volta das 9 horas da noite. Gordon queria que Juscelino assumisse uma posição mais forte contra Goulart e que usasse sua enorme influência para `reunir um grande grupo parlamentar e assim influir na questão da legitimidade`. Juscelino achava que o problema da legitimidade que tanto preocupava Gordon seria prontamente resolvido pelo Congresso, se houvesse lastro militar favorável. O ex-Presidente estava furioso com a falta de notícias de São Paulo (o General Kruel ainda não iniciara a sua marcha) e continuava a mudar de estações de rádio. Juscelino explicou que o apoio de São Paulo era muito importante porque, se a revolta de Mourão fosse sufocada, `Goulart estaria no caminho direto da ditadura`. Quando Gordon saiu da casa de Juscelino, Kruel ainda não se manifestara.
Às 11 horas da noite de 31 de março, o Coronel Walters foi ao apartamento do General Floriano de Lima Brayner. Walters explicou que o Embaixador Lincoln Gordon queria saber como estava a situação no Brasil. Brayner informou que Kruel lançara seu manifesto.
- Graças a Deus - respondeu o coronel norte-americano.
Às 7 horas da manhã do dia 1º de abril, na Base Aérea no Panamá (9 horas no Rio de Janeiro), uma força-tarefa conjunta do Exército, Marinha, Força Aérea e CIA, `ultra-secreta`, entrou em ação sob o comando do General-de-Divisão Breitweiser, da Força Aérea. A finalidade dessa força-tarefa parece que era a de acompanhar e coordenar a logística de `Brother Sam` " (pg. 104 a 106).
"Solicitações do Brasil
Um grupo naval chefiado pelo Almirante Levi Reis estabeleceu um posto de comando na praia de Copacabana na manhã de 1º de abril. Ele estava tentando providenciar para que três destróieres operassem ao largo do Rio de Janeiro e um submarino operasse ao largo de Santos como parte da coordenação contra Goulart. Levi Reis perguntou ao chefe da Missão Naval americana ‘se e quando os Estados Unidos estariam em condições de fornecer combustível para submarinos’.
Ás 10 horas da manhã de 1º de abril, altos funcionários norte-americanos em Washington consideravam os efeitos políticos do apoio aberto dos Estados Unidos ao golpe e perguntavam à Embaixada do Brasil se ‘o impulso continuaria do lado anti-Goulart sem incentivo oculto ou ostensivo de nossa parte’. A preocupação dos estrategistas norte-americanos parece que não era o cabimento do envolvimento dos Estados Unidos nos assuntos internos do Brasil, mas se a indicação aberta do apoio americano ‘poderia favorecer Goulart neste momento’. Gordon respondeu: ‘O impulso claramente pegou e nestas horas não precisa de incentivo especial de nossa parte... Neste momento, a indicação aberta de nosso apoio seria um erro político que iria favorecer Goulart` " (pg. 106).
"As informações dos Estados Unidos
As decisões dos Estados Unidos se baseavam em informações preciosas e oportunas fornecidas por fontes excelentes. Uma fonte não-revelada na agência telegráfica informou à Embaixada no Rio quando as tropas do Segundo Exército atravessaram a fronteira São Paulo/Rio na manhã de 1º de abril. Houve duas manifestações naquela tarde no centro do Rio, e observadores faziam o circuito entre essas aglomerações e a Embaixada, mantendo a equipe informada. Vernon Walters procurou encontar-se com Castelo Branco ou alguém de sua equipe às 2 horas de 1º de abril e outra vez na manhã de 2 de abril.
O apoio a Goulart foi desorganizado e ineficaz. Greves foram convocadas, mas não consumadas. A resistência careceu de planejamento coerente e liderança forte. À 1 hora da tarde de 1º de abril, o Presidente Goulart partiu de avião do Rio para Brasília. Em vez de assumir uma posição planejada em Brasília, Goulart prosseguiu viagem para o Rio Grande do Sul naquela noite" (pg. 107).
"Os Estados Unidos Preparam-se para Fornecer Resistência
Ás 5,30 da tarde, Gordon manda um teletipo para o Departamento de Estado: `Acreditamos que está tudo terminado, com a rebelião democrática 95% vitoriosa`. Ele frisou que poderia ainda haver alguma contenda civil e que `começamos o trabalho de equipe para as possíveis necessidades de ajuda à segurança interna, estabilização financeira, etc.` Washington respondeu: `Tivemos um grupo de trabalho especial aqui ocupando-se durante vários dias de assistência econômica e financeira, auxílio de emergência, etc., e estamos preparados para agir prontamente de acordo com as suas recomendações`. Depois dessa conferência pelo teletipo, o Subsecretário Ball encontrou-se com o Presidente Johnson para transmitir-lhe as boas novas.
O apoio militar ostensivo dos Estados Unidos para a derrubada de Goulart logo se tornou desnecessário. Gordon cabografou a Washington, enviando um extenso relato da situação à 1 hora da manhã do dia 2 de abril, no qual descreveu as forças dos aparentes vencedores e os poucos focos de resistência restantes. Ao considerar as possíveis reações dos Estados Unidos, ele frisou que `enquanto não for assegurado o controle democrático das refinarias, não se pode excluir a possível necessidade de produtos petrolíferos`. Isso significava que os navios-tanques carregados de POL deviam continuar a caminho do Brasil. Gordon não cancelou de imediato o embarque pendente de 100 toneltadas de armas e munições dos Estados Unidos, porque, explicou ele, `enquanto a situação do Terceiro Exército não estiver claramente sob controle,... não podemos excluir por completo um possível pedido de material bélico`. Gordon focalizou as prováveis repercussões econômicas do golpe e comunicou a Washington que acreditava que a situação podia `requerer alguns fornecimentos de emergência, tais como alimentação, material de segurança pública, POL`
(...)
A 2 de abril, às 4 horas da tarde, Gordon comunicou a Washington que ‘acabara de receber confirmação de Castelo Branco de que cessara toda a resistência em Porto Alegre, e as forças democráticas agora controlavam inteiramente o Rio Grande do Sul. Isso elimina o último foco de resistência militar’.
Na mesma tarde, 200.000 pessoas reuniram-se no centro do Rio para a passeata da vitória do grupo ‘Marcha da Família com Deus pela Liberdade’. Gordon descreveu a euforia da multidão agitando bandeiras brasileiras e cartazes anticomunistas, cantando o hino nacional e atirando confete. Acrescentou pesarosamente que `a única nota triste era a participação obviamente limitada das classes baixas na marcha`.
(...)
Na noite de 2 de abril, o Secretário-Assistente Mann descreveu para Gordon o pensamento predominante no Departamento de Estado com respeito à assistência dos EUA ao Brasil, a qual, de acordo com Mann, teria dois objetivos: 1) ajudar e apoiar o novo regime, e 2) incentivar `um programa razoável de desenvolvimento e estabilização, apoiado pelos recursos totais do mundo livre, inclusive os Estados Unidos`. Mann explicou que, a fim de conseguir o apoio do Congresso dos Estados Unidos ou de agências internacionais, `será necessário induzir as autoridades brasileiras a elaborar um programa de desenvolvimento econômico e estabilidade financeira`.
(...)
A 2 de abril, Lincoln Gordon enviou um cabograma, através do Departamento de Estado e da Casa Branca, a Carl Hayden, Presidente interino do Senado e membro da Comissão de Concessão de Verbas daquela Casa do Congresso, recomendando que `a maior consideração possível fosse dada a qualquer pedido (por parte do Governo brasileiro) de assistência econômica de emergência`. Gordon descreveu a `deposição de facto` de Goulart como `uma grande vitória para o mundo livre`, sem a qual o resultado poderia ter sido uma `perda total para o Ocidente de todas as repúblicas sul-americanas`. Afirmou que a mudança de Governo deveria `criar um clima muito mais favorável aos investimentos privados` e à Aliança para o Progresso. Frisando que a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID) fora importante para a vida econômica e política do Brasil, por `ter fortalecido o apoio aos ideais democráticos`, Gordon concluiu: `Acredito ser do interesse dos Estados Unidos apoiar e fortalecer tanto quanto possível o atual regime` " (pg. 108 a 111).
"Encerrando os Planos Preventivos Militares
Ao meio-dia de 2 de abril, o Embaixador Lincoln Gordon cogitava o cancelamento do envio da força-tarefa de porta-aviões para o Brasil. Na tarde seguinte, por ordens do Almirante Smith, essa operação foi cancelada com instruções para se `preservar o disfarce de treinamento Quick Kick (Rebate Rápido) com que se encobria toda a operação`. Smith sugeriu que, a 8 de abril, a força do porta-aviões realizasse um exercício de treinamento `ao largo de MHC`, retornando as unidades em seguida às operações normais. Na tarde de 3 de abril, o General O`Meara, no Panamá, sob cujo comando a Força-Tarefa Conjunta havia acompanhado todas as operações militares preventivas para o Brasil, recomendou que o `pacote de 110 toneladas de armas e munições continuasse guardado em McGuire, dependendo da determinação do Embaixador Lincoln Gordon quanto a se as forças militares brasileiras ou as forças policiais estaduais precisariam de auxílio inicial dos Estados Unidos`, e que o Comando Tático Aéreo, o Comando Estratégico Aéreo e as seções do Serviço de Transporte Aéreo Militar da operação `Brother Sam` fossem liberadas, mantendo-se `apenas a parte do movimento POL que o Embaixador considerar essencial para a situação atual`.
Os requisitos POL da operação `Brother Sam` continuaram em trânsito até sexta-feira ou sábado, 4 ou 5 de abril, quando o Embaixador Gordon entrou em contato com funcionários da Petrobrás para saber se o Brasil tinha necessidade de produtos petrolíferos extras. Os funcionários brasileiros agradeceram ao Embaixador, mas declinaram a oferta. Gordon comunicou a Washington que o POL não seria necessário, e esses suprimentos foram desviados para outro lugar.
Na noite de 3 de abril, uma ordem dos Chefes Conjuntos do Estado-Maior cancelou o transporte aéreo e o apoio de aviões de caça e petroleiros para o projeto de armas e munições da operação `Brother Sam`. O material bélico ficou armazenado até segunda-feira, 7 de abril, quando os Chefes Conjuntos do Estado-Maior mandaram que o pedido de armamentos aguardando embarque para o Brasil fosse cancelado e que as armas fossem devolvidas para o depósito normal.
Assim, a operação militar preventiva `Brother Sam` teve início e fim, sem que os Estados Unidos se tivessem envolvido fisicamente na derrubada de Goulart" (pg. 115 e 116).
Conclusão
Depois de ler algumas transcrições do livro da historiadora Parker, pode-se concordar com a autora que os EUA não tiveram participação física nos acontecimentos de 1964, embora tivessem dado início a uma operação fantasma, a “Brother Sam”, nunca efetivada, que seria de total apoio aos militares conspiradores, caso o Brasil entrasse em guerra civil. Na verdade – e isto não está escrito no livro da Sra. Parker -, o IPES, o IBAD, a CAMDE e as Forças Armadas formaram a base quadrangular decisiva para o desencadeamento da Contra-revolução de 31 de março de 1964. O mais que se diz por aí é mitologia propalada pelas esquerdas, especialmente as radicais, de sentimento antiamericano, amarguradas até hoje por não terem transformado o Brasil numa Cuba de dimensões continentais.
Notas:
POL significa petróleo, óleo e lubrificantes. O general Vernon Walters era o Adido de Defesa à Embaixada norte-americana no Brasil, e havia participado com Castelo Branco da campanha na Itália durante a II Guerra Mundial. Lincoln Gordon era o Embaixador americano no Brasil. Thomas Mann era o Secretário-Assistente de Estado para Negócios Interamericanos ("Johnson delegou publicamente a Mann autoridade excepcional sobre a política norte-americana para a América Latina, afirmando que Mann seria seu `único porta-voz` " (pg. 78).
CAMDE - A Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE) foi criada pouco antes das eleições de 1962, sob orientação de Leovigildo Balestieri (vigário franciscano de Ipanema, Rio de Janeiro), Glycon de Paiva e o general Golbery do Couto e Silva. “Eles convincentemente argumentavam que o Exército fora minado pelo ‘vício do legalismo’, que só mudaria se ‘legitimado’ por alguma força civil, e que as mulheres da classe média e alta representavam o mais facilmente mobilizado e interessado grupo de civis” (P. Schmitter, in “Interest, Conflict and Political Change in Brazil”, Stanford, California University Press, 1971, pg. 447). A CAMDE era uma organização feminina anticomunista, promoveu a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, no dia 19 de março de 1964, em São Paulo (19 de março, Dia de São José, Padroeiro da Família), reunindo 500.000 pessoas, protesto que exigia o fim da balbúrdia e da carestia durante o Governo Goulart, e que antecedeu à revolução de 31 Mar 1964. No dia 2 de abril, a CAMDE reuniu 1 milhão de manifestantes no Rio de Janeiro para agradecer a interferência dos militares nos destinos do país, ocasião em que Aurélia Molina Bastos encerrou seu discurso dizendo: “Nós louvamos, nós bendizemos, nós glorificamos a Deus e o soldado do Brasil”.
As mulheres do CAMDE de Minas Gerais ofereceram a Castelo Branco, ainda antes de sua eleição, uma nova faixa presidencial, para que não usasse a tradicional, “já conspurcada pelos maus presidentes que o precederam” (O Estado de S. Paulo, 12/04/1964). Outras organizações femininas e grupos católicos atuantes em 1964, além da CAMDE, foram: Liga de Mulheres Democráticas (LIMDE), (MG); União Cívica Feminina (UCF), organizada em 1962 (SP); Campanha para Educação Cívica (CEC); Movimento de Arregimentação Feminina (MAF), teve início em 1954, foi liderado por Antonieta Pellegrini, irmã de Júlio de Mesquita Filho, proprietário de “O Estado de S. Paulo”; Liga Independente para a Liberdade, dirigida por Maria Pacheco Chaves; Movimento Familiar Cristão (MFC); Confederação das Famílias Cristãs (CFC); Liga Cristã contra o Comunismo; Cruzada do Rosário em Família (CRF); Legião de Defesa Social; Cruzada Democrática Feminina do Recife (CDFR); Ação Democrática Feminina (ADF), Porto Alegre, RS.
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática: era uma organização anticomunista fundada em maio de 1959 por Ivan Hasslocher. Ao lado dele, jovens empresários fariam parte desta organização e da sua entidade-irmã, o IPES.
IPES - Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais: fundado em 1961 no Rio de Janeiro pelo coronel Golbery e um grupo de empresários anticomunistas, dispostos a readequar e a reformular o Estado brasileiro, hoje está extinto. Tinha por objetivo criar barreiras intelectuais contra a propagação das idéias marxistas durante o Governo de João Goulart. Promovia Estudos de Problemas Brasileiros para os Governos Militares pós-1964. O IPES, o IBAD, a CAMDE e as Forças Armadas formaram a base quadrangular decisiva para o desencadeamento da Contra-revolução de 31 de março de 1964, contra Jango, em sua política de implantar a “República Sindicalista” no Brasil. O IPES passou a existir oficialmente no dia 29 Nov 1961 (Jânio Quadros havia renunciado em agosto do mesmo ano). O lançamento do IPES foi recebido favoravelmente por diversos órgãos da imprensa, como o Jornal do Brasil, O Globo, O Correio da Manhã e Última Hora. Contou com a aprovação do Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jayme de Barros Câmara. Além do Rio e de São Paulo, o IPES rapidamente se expandiu até Porto Alegre, Santos, Belo Horizonte, Curitiba, Manaus e outros centos menores. O IPES foi formado pelo trabalho do empresário de origem americana, Gilbert Huber Jr., do empresário multinacional Antônio Gallotti, dos empresários Glycon de Paiva, José Garrido Torres, Augusto Trajano Azevedo Antunes, além de serviços especiais de oficiais da reserva, como o general Golbery do Couto e Silva. Sandra Cavalcanti era uma das mais famosas conferencistas do IPES. As sementes do IPES (assim como do IBAD e do CONCLAP) foram lançadas no final do Governo JK, cujos excessos inflacionários geraram descontentamento entre os membros das classes produtoras do país, e durante a Presidência de Jânio Quadros, em cujo zelo moralista eles depositaram grandes esperanças. O IPES produziu em torno de 8 filmes, para alertar os desmandos do Governo Goulart, como a ameaça comunista; os cineastas eram Jean Mazon e Carlos Niemeyer. Um escritor de peso do IPES foi José Rubem Fonseca, autor de “Feliz Ano Novo”; segundo Fonseca, o “IPES buscava mobilizar a opinião pública no sentido do fortalecimento dos valores democráticos” (Del Nero, op. cit.). O IPES participou também de operações internacionais, que ajudaram a derrubada de Salvador Allende, no Chile, e do general Juan Torres, na Bolívia (em Ago 1971, o general Hugo Banzer tomou o poder).
Entidades congêneres do “Complexo IPES/IBAD”:
1) México: Centro de Estudios Monetarios Latinoamericanos – CEMLA; Centro Nacional de Estudios Sociales - CNES; Instituto de Investigaciones Sociales y Económicas – IISE;
2) Guatemala: Centro de Estudios Económico-Sociales – CEES;
3) Colômbia: Centro de Estudios y Acción Social – CEAS;
4) Equador: Centro de Estudios y Reformas Económico-Sociales – CERES;
5) Chile: Instituto Privado de Investigaciones Económico-Sociales – IPIES;
6) Brasil: Sociedade de Estudos Interamericanos – SEI; Fundação Aliança para o Progresso;
7) Argentina: Foro de la Libre Empresa; Acción Coordinadora de las Instituciones Empresariales Libres.
“Em 64, quando Castelo Branco organizou o Governo, a maioria dos cargos foi entregue a quem tinha ensinado ou feito cursinho no IPES. A começar por Golbery e Roberto Campos” (Sebastião Nery, in Os filhos de 64, Jornal Popular, Belém, PA, 6 Out 1995).
Autor: Félix Maier
fonte - http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_4429/artigo_sobre_operacao_brother_sam,_uma_operacao_fantasma
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terça-feira, 29 de janeiro de 2013
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
DOIS ENGENHEIROS, OITO MILHÕES de Ênio Padilha
DOIS ENGENHEIROS, OITO MILHÕES
Três coisas me aborrecem muito: Um, quando se faz apologia do sucesso de quem não estuda menosprezando ou descrevendo como tolo aquele que estudou; Dois, quando uma história sem pé nem cabeça é "vendida" como verdade absoluta só porque "deu na internet"; Três, quando engenheiros ou arquitetos são ridicularizados em público por alguém que nunca sentou num banco de faculdade de Engenharia ou de Arquitetura e, portanto, não sabe do que está falando.
Assim, este artigo tornou-se inevitável, por ter sido provocado por esses três componentes ao mesmo tempo...
É o seguinte: em alguns vídeos disponíveis na internet um certo palestrante conta uma historinha para ilustrar e confirmar a sua linha de argumentação.
O palestrante não é nenhum Zé Ninguém. É graduado em Filosofia, Mestre e Doutor em Educação. Professor-titular de uma importante Universidade Brasileira, membro do Conselho Técnico Científico de Educação Básica da CAPES/MEC. Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo e é autor de diversos livros.
Na história contada pelo palestrante, que, como ele faz questão de repetir, é "clássica e verdadeira" uma grande empresa multinacional (que fabricava, entre outras coisas, pasta de dentes) tinha, há 15 anos, um grande problema para ser resolvido: na esteira final de embalamento algumas caixinhas vinham vazias, sem o tubo de creme dental. Isso era um problema pois poderia causar dificuldades comerciais para a empresa.
O que fez a multinacional? Contratou dois engenheiros para resolver o problema. Os dois engenheiros trabalharam por três meses, consumindo oito milhões de reais e chegaram a uma solução "estupenda": um programa de computador, acoplado à esteira de aço com uma balança ultra sensível. Quando passava uma caixinha vazia o sistema acusava a diferença de peso, parava a máquina, travava tudo, um braço hidráulico vinha e tirava a caixa vazia.
Depois de dois, três meses de funcionamento perfeito, foram olhar os relatórios e descobriram que havia dois meses que o sistema estava desligado. Chamaram supervisor, gerente e chefe e ninguém sabia de nada. Chamaram os operários e alguém falou: "a gente desligou isso, porque dava um trabalho danado. Travava o tempo todo". Então, como é que está funcionando sem defeitos? "A gente resolveu do nosso jeito: fizemos uma vaquinha, juntamos oitenta reais e compramos um ventilador grande e colocamos na esteira. Quando passa uma caixinha vazia o vento carrega!"
Gargalhadas incontidas na platéia. Palestrante feliz! Conseguiu demonstrar o seu ponto de vista: a melhor solução está onde está o melhor estoque de conhecimento.
Bravo, Doutor!
E onde é que entra a Engenharia nesse seu exemplo? Ah, sim. O senhor está demonstranto que engenheiros são obtusos, idiotas, sem noção de custos e incapazes de encontrar uma solução minimamente razoável (Acho que é isso). Portanto, se estamos falando de "estoque de conhecimento" inútil procurar no departamento de Engenharia. (é isso?)
É claro que essa história tem toda cara de ter sido inventada para ilustrar palestras de autoajuda e motivação, tipo de evento em que o objetivo é muito mais divertir e distrair a platéia do que ensinar coisas realmente úteis para a vida. Mas me incomodou o fato de que esse vídeo está reproduzido diversas vezes na internet, sempre seguida de comentários contra a obtusidade dos engenheiros envolvidos.
Fiz uma pequena busca. Mandei um e-mail para o palestrante, outro para a única empresa multinacional que se encaixa na descrição feita pelo palestrante e também para a Associação de Engenheiros de Valinhos. Recebi algumas respostas e, voilá... descobri o óbvio: a história é fake. Foi inventada para ilustrar alguma conversa fiada e acabou, por falta de filtro científico, chegando à palestra de um acadêmico (que deveria, por dever de ofício, ter o cuidado com todo o conteúdo de suas apresentações).
Será que esse palestrante coloca nos seus livros qualquer bobagem que ouve numa mesa de bar ou numa festa em casa de amigos? Imagino que não. Então por que incluiu essa história na sua palestra? E por que deu a ela o crédito de "clássica e verdadeira"?
Resposta: porque ele sabe que, nesse tipo de platéia ninguém desconfia do que é dito. As pessoas estão ali para se divertir, dar boas risadas e se sentirem melhor com a própria mediocridade. Se eu não sou alguém capaz de construir soluções elaboradas, científicas e tecnologicamente corretas, tudo bem. Eu posso me sentir melhor ridicularizando pessoas que fazem isso. Nesse país de analfabetos sempre foi esporte nacional menosprezar e ridicularizar as pessoas que estudam e se preparam.
Nas novelas da tv os personagens principais nunca estudam. Alguém aí se lembra de algum personagem que tenha vencido na vida ou progredido, por ter estudado, durante uma novela? Nem em "Malhação" (cujo cenário é uma escola) os personagens estudam ou têm suas vidas transformadas em função da dedicação aos livros e cadernos.
Nas novelas é muito comum o progresso (muitas vezes vertiginoso) por outras razões como beleza, simpatia, jeitinhos ou contatos com as pessoas certas.
Isso alimenta nas pessoas (nos telespectadores) a crença de que o sucesso está ao alcance de qualquer um: estar melhor preparado para as oportunidades não faz diferença. É tudo uma questão de "força de vontade".
No futebol (nos esportes, em geral) essa lógica também é forte. Em outros países, um atleta que se preparou muito e por alguma razão perde a competição não é desprezado pela torcida. Ao contrário, recebe os aplausos e o reconhecimento pelo empenho e preparo. A torcida sabe que aquele atleta tem maior chance de construir uma carreira de bons resultados.
No Brasil não. O brasileiro supervaloriza as conquistas casuais, as vitórias inesperadas, o campeão que surpreendeu a todos, o atleta que vence uma grande competição quando ninguém esperava nada dele.
Torcemos sempre pelo time mais fraco e pelo competidor mais despreparado. São os atletas e equipes que, no imaginário coletivo, chegam às conquistas por acaso, sem querer, sem ter planejado isto.
Pais e mães se orgulham de contar para os amigos que "meu filho passou no vestibular. E olha que ele nunca estudava para a prova".
Uma pessoa conquista um bom emprego e conta pra todo mundo, cheio de orgulho: "nem me preparei para a entrevista!"
O brasileiro vive procurando provas de que é possível vencer na vida sem preparo, sem investimentos e, principalmente, sem passar pelo caminho completo.
Nós, brasileiros, não acreditamos no treinamento. Não acreditamos no estudo. Não acreditamos que o desempenho é o resultado de uma estrutura (física, intelectual ou psicológica) planejada.
Torcemos contra o atleta favorito (aquele que treinou mais e por mais tempo). Torcemos contra os mais fortes (que são mais preparados e estruturados). Torcemos sempre para que haja uma queima inesperada de etapas com a surpreendente vitória do novato, daquele que não estudou ou que não se preparou direito.
E a vida segue.
ÊNIO PADILHA
www.eniopadilha.com.br | ep@eniopadilha.com.br
Três coisas me aborrecem muito: Um, quando se faz apologia do sucesso de quem não estuda menosprezando ou descrevendo como tolo aquele que estudou; Dois, quando uma história sem pé nem cabeça é "vendida" como verdade absoluta só porque "deu na internet"; Três, quando engenheiros ou arquitetos são ridicularizados em público por alguém que nunca sentou num banco de faculdade de Engenharia ou de Arquitetura e, portanto, não sabe do que está falando.
Assim, este artigo tornou-se inevitável, por ter sido provocado por esses três componentes ao mesmo tempo...
É o seguinte: em alguns vídeos disponíveis na internet um certo palestrante conta uma historinha para ilustrar e confirmar a sua linha de argumentação.
O palestrante não é nenhum Zé Ninguém. É graduado em Filosofia, Mestre e Doutor em Educação. Professor-titular de uma importante Universidade Brasileira, membro do Conselho Técnico Científico de Educação Básica da CAPES/MEC. Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo e é autor de diversos livros.
Na história contada pelo palestrante, que, como ele faz questão de repetir, é "clássica e verdadeira" uma grande empresa multinacional (que fabricava, entre outras coisas, pasta de dentes) tinha, há 15 anos, um grande problema para ser resolvido: na esteira final de embalamento algumas caixinhas vinham vazias, sem o tubo de creme dental. Isso era um problema pois poderia causar dificuldades comerciais para a empresa.
O que fez a multinacional? Contratou dois engenheiros para resolver o problema. Os dois engenheiros trabalharam por três meses, consumindo oito milhões de reais e chegaram a uma solução "estupenda": um programa de computador, acoplado à esteira de aço com uma balança ultra sensível. Quando passava uma caixinha vazia o sistema acusava a diferença de peso, parava a máquina, travava tudo, um braço hidráulico vinha e tirava a caixa vazia.
Depois de dois, três meses de funcionamento perfeito, foram olhar os relatórios e descobriram que havia dois meses que o sistema estava desligado. Chamaram supervisor, gerente e chefe e ninguém sabia de nada. Chamaram os operários e alguém falou: "a gente desligou isso, porque dava um trabalho danado. Travava o tempo todo". Então, como é que está funcionando sem defeitos? "A gente resolveu do nosso jeito: fizemos uma vaquinha, juntamos oitenta reais e compramos um ventilador grande e colocamos na esteira. Quando passa uma caixinha vazia o vento carrega!"
Gargalhadas incontidas na platéia. Palestrante feliz! Conseguiu demonstrar o seu ponto de vista: a melhor solução está onde está o melhor estoque de conhecimento.
Bravo, Doutor!
E onde é que entra a Engenharia nesse seu exemplo? Ah, sim. O senhor está demonstranto que engenheiros são obtusos, idiotas, sem noção de custos e incapazes de encontrar uma solução minimamente razoável (Acho que é isso). Portanto, se estamos falando de "estoque de conhecimento" inútil procurar no departamento de Engenharia. (é isso?)
É claro que essa história tem toda cara de ter sido inventada para ilustrar palestras de autoajuda e motivação, tipo de evento em que o objetivo é muito mais divertir e distrair a platéia do que ensinar coisas realmente úteis para a vida. Mas me incomodou o fato de que esse vídeo está reproduzido diversas vezes na internet, sempre seguida de comentários contra a obtusidade dos engenheiros envolvidos.
Fiz uma pequena busca. Mandei um e-mail para o palestrante, outro para a única empresa multinacional que se encaixa na descrição feita pelo palestrante e também para a Associação de Engenheiros de Valinhos. Recebi algumas respostas e, voilá... descobri o óbvio: a história é fake. Foi inventada para ilustrar alguma conversa fiada e acabou, por falta de filtro científico, chegando à palestra de um acadêmico (que deveria, por dever de ofício, ter o cuidado com todo o conteúdo de suas apresentações).
Será que esse palestrante coloca nos seus livros qualquer bobagem que ouve numa mesa de bar ou numa festa em casa de amigos? Imagino que não. Então por que incluiu essa história na sua palestra? E por que deu a ela o crédito de "clássica e verdadeira"?
Resposta: porque ele sabe que, nesse tipo de platéia ninguém desconfia do que é dito. As pessoas estão ali para se divertir, dar boas risadas e se sentirem melhor com a própria mediocridade. Se eu não sou alguém capaz de construir soluções elaboradas, científicas e tecnologicamente corretas, tudo bem. Eu posso me sentir melhor ridicularizando pessoas que fazem isso. Nesse país de analfabetos sempre foi esporte nacional menosprezar e ridicularizar as pessoas que estudam e se preparam.
Nas novelas da tv os personagens principais nunca estudam. Alguém aí se lembra de algum personagem que tenha vencido na vida ou progredido, por ter estudado, durante uma novela? Nem em "Malhação" (cujo cenário é uma escola) os personagens estudam ou têm suas vidas transformadas em função da dedicação aos livros e cadernos.
Nas novelas é muito comum o progresso (muitas vezes vertiginoso) por outras razões como beleza, simpatia, jeitinhos ou contatos com as pessoas certas.
Isso alimenta nas pessoas (nos telespectadores) a crença de que o sucesso está ao alcance de qualquer um: estar melhor preparado para as oportunidades não faz diferença. É tudo uma questão de "força de vontade".
No futebol (nos esportes, em geral) essa lógica também é forte. Em outros países, um atleta que se preparou muito e por alguma razão perde a competição não é desprezado pela torcida. Ao contrário, recebe os aplausos e o reconhecimento pelo empenho e preparo. A torcida sabe que aquele atleta tem maior chance de construir uma carreira de bons resultados.
No Brasil não. O brasileiro supervaloriza as conquistas casuais, as vitórias inesperadas, o campeão que surpreendeu a todos, o atleta que vence uma grande competição quando ninguém esperava nada dele.
Torcemos sempre pelo time mais fraco e pelo competidor mais despreparado. São os atletas e equipes que, no imaginário coletivo, chegam às conquistas por acaso, sem querer, sem ter planejado isto.
Pais e mães se orgulham de contar para os amigos que "meu filho passou no vestibular. E olha que ele nunca estudava para a prova".
Uma pessoa conquista um bom emprego e conta pra todo mundo, cheio de orgulho: "nem me preparei para a entrevista!"
O brasileiro vive procurando provas de que é possível vencer na vida sem preparo, sem investimentos e, principalmente, sem passar pelo caminho completo.
Nós, brasileiros, não acreditamos no treinamento. Não acreditamos no estudo. Não acreditamos que o desempenho é o resultado de uma estrutura (física, intelectual ou psicológica) planejada.
Torcemos contra o atleta favorito (aquele que treinou mais e por mais tempo). Torcemos contra os mais fortes (que são mais preparados e estruturados). Torcemos sempre para que haja uma queima inesperada de etapas com a surpreendente vitória do novato, daquele que não estudou ou que não se preparou direito.
E a vida segue.
ÊNIO PADILHA
www.eniopadilha.com.br | ep@eniopadilha.com.br
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
Cãozinho amestrado - Olavo de Carvalho
Cãozinho amestrado
Domingo, 20 Janeiro 2013
Escrito por Olavo de Carvalho
O termo "teoria da conspiração" pode ser usado como um rótulo infamante ou como um conceito científico. No primeiro caso, ele tenta dar ares de coisa demencial a qualquer denúncia bem comprovada que, para uma plateia leiga, soe um pouco estranha à primeira audição. No segundo, como ensina Norman Cohn, ela expressa um conjunto de traços objetivamente verificáveis. O mais saliente desses traços é o uso de analogias e coincidências fortuitas como "provas" de unidade intencional por trás de discursos separados e inconexos vindos de agentes que se ignoram uns aos outros. Mes mo a mais vaga e frouxa afinidade de ideias é tomada aí como evidência de uma ação político-partidária organizada.
Associada a esse traço vem a uniformidade da rotulação ideológica prévia e pronta, destinada a costurar num arremedo de explicação o repertório das informações abrangidas, evitando-se a confrontação com hipóteses explicativas diversas ou antagônicas, condição sine qua non de qualquer investigação séria.
A farsa pode ser e geralmente é camuflada sob uma pletora de fatos e documentos – aparentemente concordantes desde que amoldados sem discussão à clave interpretativa escolhida–, assim como pelo uso abundante de algum jargão acadêmico que dê ares de respeitabilidade ao que não passa de uma explosão irracional de ódio difamatório. Erros e mentiras de detalhe, bem espalhados ao longo do discurso, preenchem os rombos da explicação geral.
Compreendida essa distinção, a tese do sr. Lucas Patschicki, Os Leitores da Nossa Burguesia: O Mídia Sem Máscara em sua Atuação Partidária (2011), é, no sentido mais técnico e estrito, uma teoria da conspiração.
No intuito de fazer crer que o jornal eletrônico Mídia Sem Máscara é uma perigosíssima organização fascista internacional decidida a consolidar a opressão burguesa e imperialista sobre a pobre classe trabalhadora, o sr. Patschicki usa dos seguintes expedientes:
1. Arrola uma vasta bibliografia teórica, toda ela marxista, que repete a velha e surrada noção comunista do fascismo como "um fenômeno surgido com o imperialismo, cuja função política e social primária é o de reorganizar o bloco no poder de maneira brutal durante a crise aberta, para a manutenção e reprodução da sociedade de classes".
Que haja dois erros de português já nessa primeira declaração de princípios não deve nos surpreender – eles são abundantes em todo o texto, provando que a condição de semiletrado não é obstáculo a uma carreira acadêmica neste País –-, nem deve nos desviar do essencial: o autor ignora ou exclui toda a imensa bibliografia não marxista, sobretudo mais recente, que impugna e reduz a pó essa definição do fascismo.
Osr. Patschicki não é historiador nem cientista social: é um crente comunista que se mantém a uma profilática distância de toda leitura que possa abalar a pureza da sua fé. Tão inusitada é para ele a experiência dessa leitura, que, examinando o material do Mídia Sem Máscara, ele não pôde se furtar a "sentir náuseas um sem-número de vezes". Com isso ele reproduz e exemplifica um fenômeno que eu já havia observado desde 2002, "a tendência incoercível (da militância comunista) de reagir às minhas palavras antes mediante uma agitação confusa de sensações ruins do que por qualquer elaboração intelectual... Quando as pessoas não têm como refutar uma ideia, jogam contra ela a expressão hipertrofiada de suas reações psicofísicas: ‘Me dá nojo’, ‘Me dá ânsia de vômito’ etc... Ensino universitário, no Brasil de hoje, consiste em adestrar a juventude nessas reações automatizadas."
O sr. Patischiki foi, nesse aprendizado, dócil como um cãozinho de circo: os reflexos condicionados comunistas impregnaram-se direto no seu aparelho digestivo, sem passar pelo seu cérebro.
2. Ao longo de todo o seu extenso trabalho, ele não encontra espaço para discutir ou refutar nenhuma afirmação minha ou as de qualquer outro colaborador do MSM. Limita-se a reiterar que são fascistas, dando sempre e invariavelmente como prova disso o fato de que convergem na sua oposição ao comunismo. Para isso ele dá por pressuposta, é claro, a redução de todo anticomunismo ao fascismo, coisa que ele aprendeu com seus orientadores, comunistões moldando a cabeça de um comunistinha. Assim, por exemplo, ele nem de longe examina criticamente a minha descrição da estrutura tripla do poder globalista no mundo; apenas proclama que ela é um disfarce do bom e velho imperialismo americano, e passa adiante todo pimpão, sem ter a menor consciência de que o cãozinho acumula assim as funções de palhaço.
3. É quase inacreditável que, na investigação sobre uma publicação atual e atuante, o autor não tenha nem mesmo tentado entrevistar o fundador dela, nem seu editor executivo, nem qualquer de seus colaboradores, que poderiam ter corrigido inumeráveis erros de informação nascidos da interpretação fantasiosa dos documentos escritos. Um desses erros já falsifica na base as dimensões da publicação estudada: "O MSM foi criado em 2002... Naquela primeira edição, contou com a participação de cinquenta e três colunistas..."
Cinquenta e três? O MSM não tinha nenhum colunista: limitava-se a reproduzir artigos extraídos de outros blogs. Era produto doméstico, criado inteiramente por mim, por minha esposa Roxane e por minha filha Maria Inês, com orçamento nulo.
Nossa originalidade foi apenas a de reunir num site único materiais que estavam espalhados pela internet. A ampliação imaginária do tamanho do empreendimento é uma condição prévia das interpretações paranoicas que Patschicki lhe dá em seguida.
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
http://www.dcomercio.com.br/index.php/opiniao/sub-menu-opiniao/103469-caozinho-amestrado
http://www.midiasemmascara.org/
Domingo, 20 Janeiro 2013
Escrito por Olavo de Carvalho
O termo "teoria da conspiração" pode ser usado como um rótulo infamante ou como um conceito científico. No primeiro caso, ele tenta dar ares de coisa demencial a qualquer denúncia bem comprovada que, para uma plateia leiga, soe um pouco estranha à primeira audição. No segundo, como ensina Norman Cohn, ela expressa um conjunto de traços objetivamente verificáveis. O mais saliente desses traços é o uso de analogias e coincidências fortuitas como "provas" de unidade intencional por trás de discursos separados e inconexos vindos de agentes que se ignoram uns aos outros. Mes mo a mais vaga e frouxa afinidade de ideias é tomada aí como evidência de uma ação político-partidária organizada.
Associada a esse traço vem a uniformidade da rotulação ideológica prévia e pronta, destinada a costurar num arremedo de explicação o repertório das informações abrangidas, evitando-se a confrontação com hipóteses explicativas diversas ou antagônicas, condição sine qua non de qualquer investigação séria.
A farsa pode ser e geralmente é camuflada sob uma pletora de fatos e documentos – aparentemente concordantes desde que amoldados sem discussão à clave interpretativa escolhida–, assim como pelo uso abundante de algum jargão acadêmico que dê ares de respeitabilidade ao que não passa de uma explosão irracional de ódio difamatório. Erros e mentiras de detalhe, bem espalhados ao longo do discurso, preenchem os rombos da explicação geral.
Compreendida essa distinção, a tese do sr. Lucas Patschicki, Os Leitores da Nossa Burguesia: O Mídia Sem Máscara em sua Atuação Partidária (2011), é, no sentido mais técnico e estrito, uma teoria da conspiração.
No intuito de fazer crer que o jornal eletrônico Mídia Sem Máscara é uma perigosíssima organização fascista internacional decidida a consolidar a opressão burguesa e imperialista sobre a pobre classe trabalhadora, o sr. Patschicki usa dos seguintes expedientes:
1. Arrola uma vasta bibliografia teórica, toda ela marxista, que repete a velha e surrada noção comunista do fascismo como "um fenômeno surgido com o imperialismo, cuja função política e social primária é o de reorganizar o bloco no poder de maneira brutal durante a crise aberta, para a manutenção e reprodução da sociedade de classes".
Que haja dois erros de português já nessa primeira declaração de princípios não deve nos surpreender – eles são abundantes em todo o texto, provando que a condição de semiletrado não é obstáculo a uma carreira acadêmica neste País –-, nem deve nos desviar do essencial: o autor ignora ou exclui toda a imensa bibliografia não marxista, sobretudo mais recente, que impugna e reduz a pó essa definição do fascismo.
Osr. Patschicki não é historiador nem cientista social: é um crente comunista que se mantém a uma profilática distância de toda leitura que possa abalar a pureza da sua fé. Tão inusitada é para ele a experiência dessa leitura, que, examinando o material do Mídia Sem Máscara, ele não pôde se furtar a "sentir náuseas um sem-número de vezes". Com isso ele reproduz e exemplifica um fenômeno que eu já havia observado desde 2002, "a tendência incoercível (da militância comunista) de reagir às minhas palavras antes mediante uma agitação confusa de sensações ruins do que por qualquer elaboração intelectual... Quando as pessoas não têm como refutar uma ideia, jogam contra ela a expressão hipertrofiada de suas reações psicofísicas: ‘Me dá nojo’, ‘Me dá ânsia de vômito’ etc... Ensino universitário, no Brasil de hoje, consiste em adestrar a juventude nessas reações automatizadas."
O sr. Patischiki foi, nesse aprendizado, dócil como um cãozinho de circo: os reflexos condicionados comunistas impregnaram-se direto no seu aparelho digestivo, sem passar pelo seu cérebro.
2. Ao longo de todo o seu extenso trabalho, ele não encontra espaço para discutir ou refutar nenhuma afirmação minha ou as de qualquer outro colaborador do MSM. Limita-se a reiterar que são fascistas, dando sempre e invariavelmente como prova disso o fato de que convergem na sua oposição ao comunismo. Para isso ele dá por pressuposta, é claro, a redução de todo anticomunismo ao fascismo, coisa que ele aprendeu com seus orientadores, comunistões moldando a cabeça de um comunistinha. Assim, por exemplo, ele nem de longe examina criticamente a minha descrição da estrutura tripla do poder globalista no mundo; apenas proclama que ela é um disfarce do bom e velho imperialismo americano, e passa adiante todo pimpão, sem ter a menor consciência de que o cãozinho acumula assim as funções de palhaço.
3. É quase inacreditável que, na investigação sobre uma publicação atual e atuante, o autor não tenha nem mesmo tentado entrevistar o fundador dela, nem seu editor executivo, nem qualquer de seus colaboradores, que poderiam ter corrigido inumeráveis erros de informação nascidos da interpretação fantasiosa dos documentos escritos. Um desses erros já falsifica na base as dimensões da publicação estudada: "O MSM foi criado em 2002... Naquela primeira edição, contou com a participação de cinquenta e três colunistas..."
Cinquenta e três? O MSM não tinha nenhum colunista: limitava-se a reproduzir artigos extraídos de outros blogs. Era produto doméstico, criado inteiramente por mim, por minha esposa Roxane e por minha filha Maria Inês, com orçamento nulo.
Nossa originalidade foi apenas a de reunir num site único materiais que estavam espalhados pela internet. A ampliação imaginária do tamanho do empreendimento é uma condição prévia das interpretações paranoicas que Patschicki lhe dá em seguida.
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
http://www.dcomercio.com.br/index.php/opiniao/sub-menu-opiniao/103469-caozinho-amestrado
http://www.midiasemmascara.org/
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
Joseph K. de J. R. Guzzo
domingo, janeiro 06, 2013
REVISTA VEJA
Os leitores de O Processo, criação da mente tumultuada, enigmática e genial de Franz Kafka, conhecem bem a história de Joseph K. - ótimo rapaz, diretor de banco e cidadão que jamais tinha violado lei alguma em toda a sua vida. No dia em que completa 30 anos, Joseph K. recebe a visita de dois agentes que ele supõe serem da polícia, mas que não se identificam nem lhe mostram nenhum documento oficial. Estão a serviço de um departamento do governo, mas não revelam qual. Anunciam que ele deve responder a um processo, mas não informam qual é a acusação. Joseph K. fica intimado, apenas, a comparecer a um determinado endereço alguns dias depois, mas não sabe a que horas nem qual autoridade terá de procurar no local. Quando chega lá, encontra um pardieiro e, no sótão do prédio, o que parece ser o tribunal - mas ao ir embora continua sem saber qual o delito a que deve responder, quem vai julgá-lo e que lei autoriza o procedimento imposto a ele. Tudo o que consegue descobrir é que deve aguardar as instruções de um "Comitê de Questões", de cuja existência jamais tivera conhecimento. As coisas não melhoram quando Joseph K. vai se aconselhar com um tio, que lhe recomenda não "subestimar" a gravidade da situação e o encaminha a um advogado. Não adianta nada. O advogado diz que aceita fazer a sua defesa, mas não poderá apresentá-la ao magistrado, pois não sabe, nem nunca saberá, qual é a acusação - e, de qualquer forma, tudo seria inútil, pois em casos assim o fato de ser suspeito significa, automaticamente, ser culpado. Na verdade, informam a ele, nunca houve em toda a história do tribunal secreto que vai julgá-lo um único caso de absolvição. Um ano depois, na véspera de seu 31º aniversário, Joseph K. é preso, em seu apartamento, por dois agentes do "Comitê", levado a uma pedreira remota e executado - sem nunca ter tido a menor idéia do que fizera de errado.
Quase 100 anos depois de escrita, a narrativa de Kafka continua sendo um dos textos mais possantes que a literatura mundial jamais produziu sobre a negação absoluta da justiça - e a impotência do ser humano diante de forças que não entende, que podem tudo e contra as quais ele não pode nada. A desgraça de Joseph K. é algo que não faz nexo num mundo racional. Mas a moral da fábula de Kafka, como sempre acontece nas fábulas, não tem nada de absurdo. Ao contrário, é um aviso muito claro do que pode acontecer em conflitos em que um dos lados dispensa a si próprio de qualquer obrigação lógica - como pretende ter toda a razão, julga-se com direito a tudo. Não precisa explicar nada, nunca. Não tem de provar nenhuma das alegações que faz. Basta denunciar suspeitos e declarar que são culpados.
Há no Brasil de hoje um clima por trás do qual, quando se olha um pouco melhor, é possível perceber algo muito parecido com a história de Joseph K. Trata-se do esforço permanente, por parte das forças que comandam o governo, para indiciar todos os que discordam delas num processo em que os julgadores não aceitam nenhum argumento de defesa, ignoram quaisquer fatos que os acusados possam apresentar em seu favor e só assinam sentenças de condenação. O ex-presidente Lula, os marechais de campo do PT e sua máquina de propaganda funcionam como o "Comitê de Questões" imaginado por Kafka. Os que têm opiniões diferentes, sobretudo quando podem expressá-las em público, ou divulgam fatos incômodos para seus interesses, ficam no papel de Joseph K.
O tribunal secreto de Lula encerrou 2012 com as turbinas a toda. Enrolado, cada vez mais, em histórias tão feias quanto marcadas pela pequenez, o líder supremo do PT não disse até agora uma única palavra para explicar o que quer que fosse, nem citou nenhum fato capaz de atenuar as suspeitas. Como sempre, pegou o microfone e passou a gritar insultos contra inimigos que ninguém vê. Jamais menciona seus nomes. Não diz que crimes cometeram. Não informa quais as acusações concretas a que devem responder. Limitou-se, desta vez, a falar em "vagabundos" que estão em salas "com ar condicionado". Quem seriam? Há um vasto número de brasileiros nessa situação, quase sempre fazendo trabalho duro, indispensável e remunerado modestamente - nas UTIs hospitalares, torres de controle de aeroportos, usinas de energia elétrica, processadoras de alimentos e por aí afora. Vagabundos? Talvez. Se não há nomes, todos são suspeitos da acusação - especialmente infeliz quando feita por alguém que não trabalha desde os 29 anos de idade. E daí? Joseph K. não tem direito a nenhuma explicação.
Os leitores de O Processo, criação da mente tumultuada, enigmática e genial de Franz Kafka, conhecem bem a história de Joseph K. - ótimo rapaz, diretor de banco e cidadão que jamais tinha violado lei alguma em toda a sua vida. No dia em que completa 30 anos, Joseph K. recebe a visita de dois agentes que ele supõe serem da polícia, mas que não se identificam nem lhe mostram nenhum documento oficial. Estão a serviço de um departamento do governo, mas não revelam qual. Anunciam que ele deve responder a um processo, mas não informam qual é a acusação. Joseph K. fica intimado, apenas, a comparecer a um determinado endereço alguns dias depois, mas não sabe a que horas nem qual autoridade terá de procurar no local. Quando chega lá, encontra um pardieiro e, no sótão do prédio, o que parece ser o tribunal - mas ao ir embora continua sem saber qual o delito a que deve responder, quem vai julgá-lo e que lei autoriza o procedimento imposto a ele. Tudo o que consegue descobrir é que deve aguardar as instruções de um "Comitê de Questões", de cuja existência jamais tivera conhecimento. As coisas não melhoram quando Joseph K. vai se aconselhar com um tio, que lhe recomenda não "subestimar" a gravidade da situação e o encaminha a um advogado. Não adianta nada. O advogado diz que aceita fazer a sua defesa, mas não poderá apresentá-la ao magistrado, pois não sabe, nem nunca saberá, qual é a acusação - e, de qualquer forma, tudo seria inútil, pois em casos assim o fato de ser suspeito significa, automaticamente, ser culpado. Na verdade, informam a ele, nunca houve em toda a história do tribunal secreto que vai julgá-lo um único caso de absolvição. Um ano depois, na véspera de seu 31º aniversário, Joseph K. é preso, em seu apartamento, por dois agentes do "Comitê", levado a uma pedreira remota e executado - sem nunca ter tido a menor idéia do que fizera de errado.
Quase 100 anos depois de escrita, a narrativa de Kafka continua sendo um dos textos mais possantes que a literatura mundial jamais produziu sobre a negação absoluta da justiça - e a impotência do ser humano diante de forças que não entende, que podem tudo e contra as quais ele não pode nada. A desgraça de Joseph K. é algo que não faz nexo num mundo racional. Mas a moral da fábula de Kafka, como sempre acontece nas fábulas, não tem nada de absurdo. Ao contrário, é um aviso muito claro do que pode acontecer em conflitos em que um dos lados dispensa a si próprio de qualquer obrigação lógica - como pretende ter toda a razão, julga-se com direito a tudo. Não precisa explicar nada, nunca. Não tem de provar nenhuma das alegações que faz. Basta denunciar suspeitos e declarar que são culpados.
Há no Brasil de hoje um clima por trás do qual, quando se olha um pouco melhor, é possível perceber algo muito parecido com a história de Joseph K. Trata-se do esforço permanente, por parte das forças que comandam o governo, para indiciar todos os que discordam delas num processo em que os julgadores não aceitam nenhum argumento de defesa, ignoram quaisquer fatos que os acusados possam apresentar em seu favor e só assinam sentenças de condenação. O ex-presidente Lula, os marechais de campo do PT e sua máquina de propaganda funcionam como o "Comitê de Questões" imaginado por Kafka. Os que têm opiniões diferentes, sobretudo quando podem expressá-las em público, ou divulgam fatos incômodos para seus interesses, ficam no papel de Joseph K.
O tribunal secreto de Lula encerrou 2012 com as turbinas a toda. Enrolado, cada vez mais, em histórias tão feias quanto marcadas pela pequenez, o líder supremo do PT não disse até agora uma única palavra para explicar o que quer que fosse, nem citou nenhum fato capaz de atenuar as suspeitas. Como sempre, pegou o microfone e passou a gritar insultos contra inimigos que ninguém vê. Jamais menciona seus nomes. Não diz que crimes cometeram. Não informa quais as acusações concretas a que devem responder. Limitou-se, desta vez, a falar em "vagabundos" que estão em salas "com ar condicionado". Quem seriam? Há um vasto número de brasileiros nessa situação, quase sempre fazendo trabalho duro, indispensável e remunerado modestamente - nas UTIs hospitalares, torres de controle de aeroportos, usinas de energia elétrica, processadoras de alimentos e por aí afora. Vagabundos? Talvez. Se não há nomes, todos são suspeitos da acusação - especialmente infeliz quando feita por alguém que não trabalha desde os 29 anos de idade. E daí? Joseph K. não tem direito a nenhuma explicação.
REVISTA VEJA
Os leitores de O Processo, criação da mente tumultuada, enigmática e genial de Franz Kafka, conhecem bem a história de Joseph K. - ótimo rapaz, diretor de banco e cidadão que jamais tinha violado lei alguma em toda a sua vida. No dia em que completa 30 anos, Joseph K. recebe a visita de dois agentes que ele supõe serem da polícia, mas que não se identificam nem lhe mostram nenhum documento oficial. Estão a serviço de um departamento do governo, mas não revelam qual. Anunciam que ele deve responder a um processo, mas não informam qual é a acusação. Joseph K. fica intimado, apenas, a comparecer a um determinado endereço alguns dias depois, mas não sabe a que horas nem qual autoridade terá de procurar no local. Quando chega lá, encontra um pardieiro e, no sótão do prédio, o que parece ser o tribunal - mas ao ir embora continua sem saber qual o delito a que deve responder, quem vai julgá-lo e que lei autoriza o procedimento imposto a ele. Tudo o que consegue descobrir é que deve aguardar as instruções de um "Comitê de Questões", de cuja existência jamais tivera conhecimento. As coisas não melhoram quando Joseph K. vai se aconselhar com um tio, que lhe recomenda não "subestimar" a gravidade da situação e o encaminha a um advogado. Não adianta nada. O advogado diz que aceita fazer a sua defesa, mas não poderá apresentá-la ao magistrado, pois não sabe, nem nunca saberá, qual é a acusação - e, de qualquer forma, tudo seria inútil, pois em casos assim o fato de ser suspeito significa, automaticamente, ser culpado. Na verdade, informam a ele, nunca houve em toda a história do tribunal secreto que vai julgá-lo um único caso de absolvição. Um ano depois, na véspera de seu 31º aniversário, Joseph K. é preso, em seu apartamento, por dois agentes do "Comitê", levado a uma pedreira remota e executado - sem nunca ter tido a menor idéia do que fizera de errado.
Quase 100 anos depois de escrita, a narrativa de Kafka continua sendo um dos textos mais possantes que a literatura mundial jamais produziu sobre a negação absoluta da justiça - e a impotência do ser humano diante de forças que não entende, que podem tudo e contra as quais ele não pode nada. A desgraça de Joseph K. é algo que não faz nexo num mundo racional. Mas a moral da fábula de Kafka, como sempre acontece nas fábulas, não tem nada de absurdo. Ao contrário, é um aviso muito claro do que pode acontecer em conflitos em que um dos lados dispensa a si próprio de qualquer obrigação lógica - como pretende ter toda a razão, julga-se com direito a tudo. Não precisa explicar nada, nunca. Não tem de provar nenhuma das alegações que faz. Basta denunciar suspeitos e declarar que são culpados.
Há no Brasil de hoje um clima por trás do qual, quando se olha um pouco melhor, é possível perceber algo muito parecido com a história de Joseph K. Trata-se do esforço permanente, por parte das forças que comandam o governo, para indiciar todos os que discordam delas num processo em que os julgadores não aceitam nenhum argumento de defesa, ignoram quaisquer fatos que os acusados possam apresentar em seu favor e só assinam sentenças de condenação. O ex-presidente Lula, os marechais de campo do PT e sua máquina de propaganda funcionam como o "Comitê de Questões" imaginado por Kafka. Os que têm opiniões diferentes, sobretudo quando podem expressá-las em público, ou divulgam fatos incômodos para seus interesses, ficam no papel de Joseph K.
O tribunal secreto de Lula encerrou 2012 com as turbinas a toda. Enrolado, cada vez mais, em histórias tão feias quanto marcadas pela pequenez, o líder supremo do PT não disse até agora uma única palavra para explicar o que quer que fosse, nem citou nenhum fato capaz de atenuar as suspeitas. Como sempre, pegou o microfone e passou a gritar insultos contra inimigos que ninguém vê. Jamais menciona seus nomes. Não diz que crimes cometeram. Não informa quais as acusações concretas a que devem responder. Limitou-se, desta vez, a falar em "vagabundos" que estão em salas "com ar condicionado". Quem seriam? Há um vasto número de brasileiros nessa situação, quase sempre fazendo trabalho duro, indispensável e remunerado modestamente - nas UTIs hospitalares, torres de controle de aeroportos, usinas de energia elétrica, processadoras de alimentos e por aí afora. Vagabundos? Talvez. Se não há nomes, todos são suspeitos da acusação - especialmente infeliz quando feita por alguém que não trabalha desde os 29 anos de idade. E daí? Joseph K. não tem direito a nenhuma explicação.
Os leitores de O Processo, criação da mente tumultuada, enigmática e genial de Franz Kafka, conhecem bem a história de Joseph K. - ótimo rapaz, diretor de banco e cidadão que jamais tinha violado lei alguma em toda a sua vida. No dia em que completa 30 anos, Joseph K. recebe a visita de dois agentes que ele supõe serem da polícia, mas que não se identificam nem lhe mostram nenhum documento oficial. Estão a serviço de um departamento do governo, mas não revelam qual. Anunciam que ele deve responder a um processo, mas não informam qual é a acusação. Joseph K. fica intimado, apenas, a comparecer a um determinado endereço alguns dias depois, mas não sabe a que horas nem qual autoridade terá de procurar no local. Quando chega lá, encontra um pardieiro e, no sótão do prédio, o que parece ser o tribunal - mas ao ir embora continua sem saber qual o delito a que deve responder, quem vai julgá-lo e que lei autoriza o procedimento imposto a ele. Tudo o que consegue descobrir é que deve aguardar as instruções de um "Comitê de Questões", de cuja existência jamais tivera conhecimento. As coisas não melhoram quando Joseph K. vai se aconselhar com um tio, que lhe recomenda não "subestimar" a gravidade da situação e o encaminha a um advogado. Não adianta nada. O advogado diz que aceita fazer a sua defesa, mas não poderá apresentá-la ao magistrado, pois não sabe, nem nunca saberá, qual é a acusação - e, de qualquer forma, tudo seria inútil, pois em casos assim o fato de ser suspeito significa, automaticamente, ser culpado. Na verdade, informam a ele, nunca houve em toda a história do tribunal secreto que vai julgá-lo um único caso de absolvição. Um ano depois, na véspera de seu 31º aniversário, Joseph K. é preso, em seu apartamento, por dois agentes do "Comitê", levado a uma pedreira remota e executado - sem nunca ter tido a menor idéia do que fizera de errado.
Quase 100 anos depois de escrita, a narrativa de Kafka continua sendo um dos textos mais possantes que a literatura mundial jamais produziu sobre a negação absoluta da justiça - e a impotência do ser humano diante de forças que não entende, que podem tudo e contra as quais ele não pode nada. A desgraça de Joseph K. é algo que não faz nexo num mundo racional. Mas a moral da fábula de Kafka, como sempre acontece nas fábulas, não tem nada de absurdo. Ao contrário, é um aviso muito claro do que pode acontecer em conflitos em que um dos lados dispensa a si próprio de qualquer obrigação lógica - como pretende ter toda a razão, julga-se com direito a tudo. Não precisa explicar nada, nunca. Não tem de provar nenhuma das alegações que faz. Basta denunciar suspeitos e declarar que são culpados.
Há no Brasil de hoje um clima por trás do qual, quando se olha um pouco melhor, é possível perceber algo muito parecido com a história de Joseph K. Trata-se do esforço permanente, por parte das forças que comandam o governo, para indiciar todos os que discordam delas num processo em que os julgadores não aceitam nenhum argumento de defesa, ignoram quaisquer fatos que os acusados possam apresentar em seu favor e só assinam sentenças de condenação. O ex-presidente Lula, os marechais de campo do PT e sua máquina de propaganda funcionam como o "Comitê de Questões" imaginado por Kafka. Os que têm opiniões diferentes, sobretudo quando podem expressá-las em público, ou divulgam fatos incômodos para seus interesses, ficam no papel de Joseph K.
O tribunal secreto de Lula encerrou 2012 com as turbinas a toda. Enrolado, cada vez mais, em histórias tão feias quanto marcadas pela pequenez, o líder supremo do PT não disse até agora uma única palavra para explicar o que quer que fosse, nem citou nenhum fato capaz de atenuar as suspeitas. Como sempre, pegou o microfone e passou a gritar insultos contra inimigos que ninguém vê. Jamais menciona seus nomes. Não diz que crimes cometeram. Não informa quais as acusações concretas a que devem responder. Limitou-se, desta vez, a falar em "vagabundos" que estão em salas "com ar condicionado". Quem seriam? Há um vasto número de brasileiros nessa situação, quase sempre fazendo trabalho duro, indispensável e remunerado modestamente - nas UTIs hospitalares, torres de controle de aeroportos, usinas de energia elétrica, processadoras de alimentos e por aí afora. Vagabundos? Talvez. Se não há nomes, todos são suspeitos da acusação - especialmente infeliz quando feita por alguém que não trabalha desde os 29 anos de idade. E daí? Joseph K. não tem direito a nenhuma explicação.
segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
Psicologia do Socialismo
Psicologia
do Socialismo
Em 1899 Gustave
Le Bon escreveu o livro
“Psicologia do Socialismo” do qual vou comentar alguns trechos interessante e
atuais.
Le Bon analisa o socialismo
desde o início dos tempos e afirma que nunca deu certo. As experiências feitas
na Grécia antiga e em Roma foram mal sucedidas e duraram muito pouco.
Marx afirmava que o fim e o
começo da humanidade começa no estômago.
Nada mais que um enorme estômago, cujas necessidades físicas constituem o
motivo principal para todas as atividades mentais. O estômago seria a primeira
causa e o destino da humanidade. Marx sempre dizia que o socialismo nada mais é
que a religião do estômago.
Quando Le Bon escreveu o
livro ainda não tinha sido criado o regime comunista da Rússia que deu inicio
em 1917. Disse na época que gostaria de ver como funcionaria o regime
comunista. No começo, tudo daria certo e depois haveria crise e o país ficaria
em ruínas e foi tudo isto que aconteceu na Rússia.
O autor ainda cita que o
livro de Karl Marx chamado “O capital” é tão difícil de entender que ele não
tinha dúvida que somente uma pessoa em dez mil que leram o livro é que
entenderam. Li uma vez “O capital” e confesso que entendi muito pouco. Sei que
existem pontos controvertidos e discutidos pelos próprios especialistas na
matéria.
A evolução do comunismo
caminha para uma forma de religião. Isto aconteceu na Rússia que tentou abolir
todas as religiões. Cita que como os “apóstolos” surgem no comunismo pessoas
tão fanáticas que são chamadas de apóstolos e que sacrificam a sua vida e da
família para o seu objetivo. Estas pessoas chamadas “apóstolos” são comparadas
por Le Bon a fanáticos como o espanhol Torquemada, chefe da inquisição espanhola
que queimou e torturou milhares de pessoas em nome de Deus e Robespierre, da
revolução francesa, que levou para a guilhotina milhares de pessoas em nome da
Liberdade. Todos eles eram sonhadores e achavam que queriam a felicidade do
mundo.
Le Bon comenta que apesar
do socialismo não dar certo para a sua implantação sempre se cometem os mesmos
erros, parecendo que a humanidade não aprende com a história.
Winston Churchil comentava
que o capitalismo não é uma boa forma de governo, mas que as outras são piores.
fonte - http://www.pliniotomaz.com.br/downloads/gustavepsicologiadosocialismo.pdf
quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
Experiência para 2013 - Contardo Calligaris
A vida deixa marcas e feridas na roupa e na gente, escondê-las seria esconder nossa maior riqueza
Vinte anos atrás, fui ao casamento de uma amiga em Saratoga Springs, no norte do Estado de Nova York. Era o fim do inverno; a cidade ainda não recebera a turma das águas termais, que chega na primavera, e ainda menos a turma das corridas de cavalos, que acontecem no verão.
Na noite antes da festa, passeando pela rua principal (que, se não me engano, chama-se Broadway), entrei numa loja para fugir do vento. Num canto, estavam os restos dos restos das liquidações de inverno, descontados até não poder mais: as camisas custavam US$ 5 (R$ 10, mais ou menos). Adquiri duas camisas idênticas de sarja pesada, de um cinza escuro, quase preto. Eram as últimas duas no meu tamanho.
Desde então, com o uso, a sarja se tornou mais macia e a cor desbotou um pouco. Por sorte minha e das camisas, isso aconteceu ao longo de uma época que me parecia valorizar, digamos assim, as marcas da experiência. É dessa forma que sempre entendi a moda do brim desbotado, das bainhas desfeitas e desfiadas ou das calças jeans furadas e rasgadas: a vida deixa marcas e feridas na roupa e na gente, escondê-las (por exemplo, atrás de roupas novas) significaria esconder a maior riqueza que acumulamos, a dos percalços de nossa existência -que eles tenham sido bons ou ruins, tanto faz.
Um dia, 8 anos atrás, a manga de uma dessas camisas brigou com a maçaneta de uma porta, e o tecido foi rasgado, na forma de um sete -de cinco centímetros por oito.
Mandei consertar, sem dissimular o remendo. Afinal, o mundo me parecia maduro para isso: tanto eu quanto minha camisa (que se tornou a preferida das duas) podíamos mostrar sem vergonha as marcas dos anos e das batalhas.
Durante muito tempo, carreguei meu remendo na manga como o distintivo de uma honrada patente militar. Ou como uma declaração à la Neruda, feita por mim e por minha camisa: "confesso que eu vivi".
Como disse, minha confiança no espírito dos tempos era um pouco ingênua, e isso foi revelado nos últimos dias, quando, de repente, um menino de dez anos apontou o dedo para a manga de minha camisa e estranhou: "Mas este é um rasgo?".
Pensei que ele estivesse censurando o que talvez lhe aparecesse como desleixo: por que eu não compraria uma camisa nova e pararia de impor ao mundo a triste visão de um remendo? Mas logo percebi que ele estava usando uma calça jeans rasgada com afinco, de modo que era suficiente ele dobrar levemente as pernas para que seus joelhos estivessem ao ar livre.
Agora, a própria existência de calças rasgadas e desbotadas para crianças invalida meu entendimento de que os nossos tempos valorizariam a experiência. Pois, mesmo vivendo intensamente, uma criança não teria tempo para maltratar sua calça a ponto de lhe imprimir um "look" rasgado radical.
Conclusão: para o menino, meu rasgo e meu remendo eram ruins porque eram verdadeiros. Enquanto os rasgos da calça jeans dele eram bons porque eram de mentira. Ou seja, o que ele aprendera a valorizar não era a experiência real (pressuposto de eventuais acidentes com suas calças), mas os rasgos falsos, ou seja, a pura aparência da experiência.
Entendo que adolescentes e pré-adolescentes tentem aparentar "quilometragem". Alguns, aliás, fazem "besteiras" para acumular logo experiências que lhes permitam se comparar aos adultos. Outros (hoje mais numerosos, talvez?) fazem menos besteiras, porque escolhem um atalho (que os pais, em geral, adoram propor): eles descobrem que arriscar-se a viver é mais difícil e mais cansativo do que acumular e exibir as falsas aparências da experiência. Para eles, os rasgos falsos são propriamente melhores do que os verdadeiros. E brincar é sempre melhor do que viver.
Escrevo esta coluna no dia 31. Estou perto de Times Square. Ao longo da tarde, periodicamente, ouço uma "hola" das pessoas que já esperam para o fim do ano. A "hola" corresponde aos momentos em que as redes de televisão ligam as câmeras. Faz frio e ficar 12 ou 14 horas em Times Square é chato. À meia-noite, você dará um abraço e um beijo nos amigos que estão com você, mas isso você poderia ter feito em casa ou numa festa. A razão de estar em Times Square não é sua experiência, é a aparência de alegria que você talvez possa mostrar ao mundo, na televisão.
Para todos, os votos de um 2013 com rasgos e remendos reais, ou seja, de uma vida que não precise ser confundida com um reality show para convencer aos outros (e à gente) de que ela vale a pena.
ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/86777-experiencia-para-2013.shtml
-
Vinte anos atrás, fui ao casamento de uma amiga em Saratoga Springs, no norte do Estado de Nova York. Era o fim do inverno; a cidade ainda não recebera a turma das águas termais, que chega na primavera, e ainda menos a turma das corridas de cavalos, que acontecem no verão.
Na noite antes da festa, passeando pela rua principal (que, se não me engano, chama-se Broadway), entrei numa loja para fugir do vento. Num canto, estavam os restos dos restos das liquidações de inverno, descontados até não poder mais: as camisas custavam US$ 5 (R$ 10, mais ou menos). Adquiri duas camisas idênticas de sarja pesada, de um cinza escuro, quase preto. Eram as últimas duas no meu tamanho.
Desde então, com o uso, a sarja se tornou mais macia e a cor desbotou um pouco. Por sorte minha e das camisas, isso aconteceu ao longo de uma época que me parecia valorizar, digamos assim, as marcas da experiência. É dessa forma que sempre entendi a moda do brim desbotado, das bainhas desfeitas e desfiadas ou das calças jeans furadas e rasgadas: a vida deixa marcas e feridas na roupa e na gente, escondê-las (por exemplo, atrás de roupas novas) significaria esconder a maior riqueza que acumulamos, a dos percalços de nossa existência -que eles tenham sido bons ou ruins, tanto faz.
Um dia, 8 anos atrás, a manga de uma dessas camisas brigou com a maçaneta de uma porta, e o tecido foi rasgado, na forma de um sete -de cinco centímetros por oito.
Mandei consertar, sem dissimular o remendo. Afinal, o mundo me parecia maduro para isso: tanto eu quanto minha camisa (que se tornou a preferida das duas) podíamos mostrar sem vergonha as marcas dos anos e das batalhas.
Durante muito tempo, carreguei meu remendo na manga como o distintivo de uma honrada patente militar. Ou como uma declaração à la Neruda, feita por mim e por minha camisa: "confesso que eu vivi".
Como disse, minha confiança no espírito dos tempos era um pouco ingênua, e isso foi revelado nos últimos dias, quando, de repente, um menino de dez anos apontou o dedo para a manga de minha camisa e estranhou: "Mas este é um rasgo?".
Pensei que ele estivesse censurando o que talvez lhe aparecesse como desleixo: por que eu não compraria uma camisa nova e pararia de impor ao mundo a triste visão de um remendo? Mas logo percebi que ele estava usando uma calça jeans rasgada com afinco, de modo que era suficiente ele dobrar levemente as pernas para que seus joelhos estivessem ao ar livre.
Agora, a própria existência de calças rasgadas e desbotadas para crianças invalida meu entendimento de que os nossos tempos valorizariam a experiência. Pois, mesmo vivendo intensamente, uma criança não teria tempo para maltratar sua calça a ponto de lhe imprimir um "look" rasgado radical.
Conclusão: para o menino, meu rasgo e meu remendo eram ruins porque eram verdadeiros. Enquanto os rasgos da calça jeans dele eram bons porque eram de mentira. Ou seja, o que ele aprendera a valorizar não era a experiência real (pressuposto de eventuais acidentes com suas calças), mas os rasgos falsos, ou seja, a pura aparência da experiência.
Entendo que adolescentes e pré-adolescentes tentem aparentar "quilometragem". Alguns, aliás, fazem "besteiras" para acumular logo experiências que lhes permitam se comparar aos adultos. Outros (hoje mais numerosos, talvez?) fazem menos besteiras, porque escolhem um atalho (que os pais, em geral, adoram propor): eles descobrem que arriscar-se a viver é mais difícil e mais cansativo do que acumular e exibir as falsas aparências da experiência. Para eles, os rasgos falsos são propriamente melhores do que os verdadeiros. E brincar é sempre melhor do que viver.
Escrevo esta coluna no dia 31. Estou perto de Times Square. Ao longo da tarde, periodicamente, ouço uma "hola" das pessoas que já esperam para o fim do ano. A "hola" corresponde aos momentos em que as redes de televisão ligam as câmeras. Faz frio e ficar 12 ou 14 horas em Times Square é chato. À meia-noite, você dará um abraço e um beijo nos amigos que estão com você, mas isso você poderia ter feito em casa ou numa festa. A razão de estar em Times Square não é sua experiência, é a aparência de alegria que você talvez possa mostrar ao mundo, na televisão.
Para todos, os votos de um 2013 com rasgos e remendos reais, ou seja, de uma vida que não precise ser confundida com um reality show para convencer aos outros (e à gente) de que ela vale a pena.
ccalligari@uol.com.br
@ccalligaris
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