sábado, 3 de dezembro de 2016

[Implicante] Desmascaramos uma pegadinha esquerdista (bem bocó) que está circulando na rede

Implicante, 02/12/2016

Quando se trata de esquerda, há sempre aquela dúvida quando aparece alguma nova polêmica: seria burrice ou má-fé? Talvez uma mistura de ambos? Nem sempre conseguimos decifrar. E a estupidez de alguns “dilemas” propostos, somada à simplicidade até rasteira com que são explicados, deixa claro o porquê de o esquerdismo estar cada dia perdendo mais adeptos.

Falamos dias atrás sobre as pessoas que são contrárias ao aborto mas favoráveis à pena de morte, e de como isso NÃO é um dilema lógico ou moral. Agora, a tarefa é ainda mais simples, já que o esquerdismo sempre baixa um pouco mais seu nível ao longo dos tempos.

Vejam a imagem abaixo, e em seguida a comentamos:

Mas há uma coerência na esquerda: ela nunca está do lado das vítimas.
Mas há uma coerência na esquerda: ela nunca está do lado das vítimas.

Pois é. Que coisa, não? Vamos por partes.

Em primeiro lugar, como sói, as premissas foram trocadas por outras frases, a fim de a coisa dar certo no raciocínio esquerdista. Vamos à correção, portanto.

Botão da esquerda: Fidel assassinou inocentes em Cuba

Botão da direita: A bandeira dos “direitos humanos” é usada por esquerdistas para defender bandidos (entre eles até os ditadores como Fidel), em vez de zelar pela vida das vítimas

Qual o dilema? Nenhum. Porque é bem isso. A ditadura genocida de Fidel Castro não pode ser resumida de forma genérica à violação de direitos humanos, mas sobretudo ao EXTERMÍNIO DE INOCENTES. Assim como também são inocentes aqueles vitimados por criminosos em qualquer lugar do mundo (Cuba, Brasil etc.)..

Há ao menos uma coerência aí: nos dois casos, a esquerda fica do mesmo lado. E não é o das vítimas.

Ao igualar as vítimas do genocídio cubano aos BANDIDOS que matam pessoas no Brasil, a esquerda revela sua cara. E isso ajuda a explicar o porquê de ser repudiada pelo povo (este sim, VÍTIMA da violência).



Fonte - http://www.implicante.org/blog/desmascaramos-uma-pegadinha-esquerdista-bem-boco-que-esta-circulando-na-rede/



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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Ocupações no IFBA e o MBL

Depois de escutar uma zorra destas acho que o dinheiro publico ta sendo jogado na lata do lixo. Não tá servindo para nada. 
Quero saber o que estes alunos vão fazer quando se formarem?



Depois de postar isso no FB (https://www.facebook.com/jlamartine/posts/10207735796332548) teve algumas curtidas e dois alunos fizeram questionamentos. As respostas foram adequadas aos interlocutores?


JM  (aluno)- Eu assisti o vídeo todo e só duvidei da capacidade (idoneidade, caráter e honestidade) do jornalista. Posição preconceituosa, realização de perguntas sem fundamento e edição do vídeo editado para favorecer um determinado ponto.
Muito interessante o processo militante do MBL de taxar como ilegítimas as ocupações estudantis e todos os demais atos contra um governo também ilegítimo e que ataca continuamente a comunidade estudantil -de forma mais ácida do que àquela já praticada pelo PT.

José Lamartine Neto - Por que as ocupações são legítimas?
Por que este governo é ilegítimo?
Qual posição do jornalista é preconceituosa?
Qual parte do vídeo editado para proteger as identidades favoreceu que ponto?
Que características de idoneidade, caráter e honestidade do jornalista fica evidente para vc duvidar?
Gostaria que explicasse qual o tamanho da comunidade estudantil que é atacada pelo MBL.
obrigado pela atenção

JM - As ocupações são legítimas pois constituem uma manifestação política (Protegida constitucionalmente).
O governo é ilegítimo pela deposição, sem crime de responsabilidade fiscal (na minha modesta opinião), de um presidente eleito e pela não deposição de um vice-presidente também eleito na mesma chapa (e, dessa vez, com crime eleitoral na prestação de conta dos valores da campanha).
Os cortes no vídeo, o sarcasmo, a imagem aleatória da maconha e a postura arrogante explicam o resto.
A comunidade estudantil não é atacada pelo MBL (Aliás, e sim!) mas pelo governo -desde os tempos do PT, que se deixe claro.

JLN - Se as ocupações são legítimas pois manifestação política é protegida constitucionalmente, que lei e artigo(s) garante(m) a ocupação de órgão publico?
Se este governo é ilegítimo, pois considera que houve uma deposição sem crime, como você explica o desejo de condenação de alguém (vice-presidente) que não foi acusado, julgado e condenado? É isso que fazem os regimes autoritários como as ditaduras passando por cima da lei? Você apoia esta conduta?
Seu comentário sobre os "cortes no vídeo, o sarcasmo, a imagem aleatória da maconha e a postura arrogante..." será que não faltam argumentos mais factuais ao invés de emocionais? O fato de não gostar do autor te predispõe a julgar coisas com uma coloração passional?
Volto a pergunta original lembrando que a comunidade estudantil é composta de uma colcha de retalhos (classe econômica, social, religiosa, política, ativistas de diversos naipes etc). Quanto da comunidade estudantil, ou que parte da comunidade estudantil é atacada pelo MBL?

JM - Ambos sabemos que não tenho domínio da constituição e por isso não poderia lhe citar artigos dela (assim como os estudantes não podem responder a quantidade de páginas de uma PEC). Não ter domínio completo dela no entanto, não me impede de conhecê-la um pouco (Assim como os alunos conhecem, por auto, a PEC).
Ambos sabemos que não é dessa forma que se constrói um debate político. Não se pode confundir embasamento e a utilização de referências com a citação de trechos de um grande texto.
Ambos sabemos que o sistema político nacional é extremamente protetor.
Não utilizei argumentos morais. Ambos sabemos que um debate político não se faz deles.
Sendo assim, não vejo mais motivos para o debate.

JLN - Esta estratégia é a maiêutica socrática, o parto das idéias. Estimulando a argumentação aqui e ali sem contradizer (coisa que Platão faz com a dialética) até um limite em que é impossível continuar logicamente. Não é um debate para ver quem é melhor ou pior. É uma técnica para verificar até que ponto são sólidas as bases para suportar uma tese. Neste ponto verifica-se se a solidez dos argumentos embasado nos fatos e na lógica não podem ser superados pelas paixões e pelo achismo. Estas paixões nos levam para caminhos duvidosos. Um forte abraço JM.


O outro aluno comentou sobre esta foto...


LP (aluno) - Apagou meu comentário, professor JLN?
JLN - Eu apaguei antes os nomes dos envolvidos no meu post (foto acima). Para o que queria, não tinha necessidade de aparecerem. Aí vem voce e revela. Quem disse que é jogo de adivinhação?? Se fizer de novo, bloqueio, tá bom? Abraço.
JLN - Comentei o nome dos envolvidos justamente para que apareçam e defendam-se sobre possíveis comentários sobre os próprios. Ou o senhor não está disposto a debates e prefere somente printar comentários e dizer: "olha o nível..."?
JLN - LP, debater o que???? Justificar mais o que????? Ouvir o cara dizer que é "Fora Temer", "usurpador", ou que é contra a PEC 241/55 ou contra a PEC 746 de Reforma do EM? NÃO obrigado. O que foi dito, foi dito.
LP - O senhor é mesmo extremista kkkkk, não da espaço para opinião alheia, e nem ao mesmo, pessoa em questão, vir aqui se defender dos comentários.
JLN - LP, Extremista é o caralho. Ta bloqueado.




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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A PEC 241 e a implantação do debate sobre prioridades



Com a PEC 241 do teto de gastos, deverá se estabelecer no Brasil um debate sobre prioridades como nunca existiu nestes 500 anos de descobrimento. Deve-se colocar na pauta a exposição de motivos e o legislativo, como nunca antes, deverá definir o que é a prioridade.

O que é mais importante, produzir carne ou fuzis? Em algum momento os fuzis podem ser prioridade. E aí, como fazer para hipoteticamente defender as fronteiras se a carne foi eleita prioridade, tendo seu quinhão “imexível”?



A história do Brasil é constituída por associações de empresas ou grupos, aos governantes numa tentativa de se protegerem no terreno da disputa. É o patrimonialismo que tanto dano nos tem trazido (conveniente para culpar o capitalismo).

Agora, grupos poderosos que ao longo das décadas foram convencendo parlamentares de que eram prioridades e com isso foram ficando fora da disputa com sua parte garantida, terão que arregaçar as mangas de dizer para que vieram. Me refiro aos grupos da educação e dos servidores públicos.


A educação, seus educadores e os alunos com resultados vergonhosos em testes internacionais, vem provando que aprendem menos do que deveriam. O sistema de ensino desperdiça muito dinheiro para resultados pífios. A pergunta é: Como continuar a manter uma parcela fixa garantida de repasse governamental para a educação? Por que este repasse não ficar atrelado a resultados?



Quem morrerá primeiro, eu ou minha escola?

No ritmo que estamos dando de despesas para o retorno que devolvemos para sociedade estamos nos tornando mais caros do que nunca. Imagine que um curso de engenharia com grande evasão chega no 3º ou 4º ano com 4 ou 5 alunos. Estes assistem aulas de 5 ou 6 professores doutores com salário bruto de R$ 15.000,00 resultando em uma despesa de quase cem mil reais por mês só com professores, fora água, energia  elétrica, terceirizados, Técnicos administrativos, etc.

Outro dia disse que nestes 34 anos de trabalho como professor no serviço público, já estando próximo de minha aposentadoria, vi muita coisa e fiz muita coisa no meu trabalho. Porém, não sabia se meu local de trabalho, minha escola, sobreviveria por mais 20 anos neste ritmo, o que coincidiria com o fim de minha expectativa de vida, daí a pergunta, quem vai primeiro.




Falar disso no meio de alguns colegas é quase um risco de vida.Quando dizemos da necessidade que temos que ser mais eficientes surge logo alguém para dizer que isso é uma palavra ridícula para ser dita por um educador. Esquecem que somos educadores regidos pela lei do Servidor Público, Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990. A própria Constituição Federal no seu Art. 37, cita:

"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência..."

Torço pela educação perder a prioridade, para o bem do país, e apresentar resultados mais convincentes de que fazem um bom trabalho. A questão não é trabalhar muito, mas trabalhar bem.

Outro grupo que deverá perder a prioridade é o dos servidores públicos, um poderoso grupo de pressão na esfera política sempre se colocando como detentores de qualidades superiores e merecedores de distinção representado nos salários acima da média do mercado (para as mesmas funções) e, principalmente na maldita estabilidade que beneficia muito mais o preguiçoso do que servidor dedicado, a um custo moral muito elevado para este ultimo.

Thomas DiLorenzo escreveu em 2011 o artigo "O funcionalismo público e seus sindicatos" publicado o site Mises Brasil. No fim do artigo a denuncia:

[...] o velho truque socialista sobre o qual Frédéric Bastiat escreveu em seu famoso ensaio, A Lei: os sindicatos veem os defensores da desestatização das escolas e do ensino não como críticos legítimos de um sistema falido e imoral, mas sim como pessoas que têm ódio das crianças.  Da mesma forma, os sindicatos tratam os críticos do assistencialismo não como pessoas preocupadas com a destruição da ética do trabalho e da família causada pelo assistencialismo, mas como inimigos dos pobres.


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Parte 2 - Roger Scruton sobre Slavoj Žižek: O Príncipe Palhaço da Revolução


Estado da Arte dá continuidade à publicação do ensaio do filósofo britânico Roger Scruton que avalia o fenômeno do stalinismo pop-psicanalítico de Slavoj Žižek. O texto foi publicado originalmente em setembro de 2016 no City Journal. (Parte 1)
O Príncipe Palhaço da Revolução
Sobre Slavoj Žižek, um novo tipo de pensador esquerdista
por Roger Scruton
Resumir a posição de Žižek não é fácil: ele desliza entre formas de argumentação filosóficas e psicanalíticas e é fascinado pelos aforismos de Lacan. É um amante do paradoxo e acredita fortemente no que Hegel chamou de “trabalho do negativo”, embora siga Lacan ao levar a negação ao extremo – não apenas como uma maneira de estabelecer limites a um conceito, mas como uma maneira de descartá-lo. Atingimos a autoconsciência através de um ato de total negação: aprendendo que não há sujeito. Em vez do sujeito, há um ato de subjetivização, que é a defesa contra o sujeito – uma maneira de evitar que eu me torne uma substância, uma identidade, um centro do ser. O sujeito não existe antes da subjetivização. Porém, através da subjetivização, eu retorno à condição que precedeu minha autoconsciência. Eu sou o que me tornei, e me tornei o que sou ao preencher o vazio do meu passado.

Para Žižek, como para Lacan, há o “pequeno outro”, que aparece como objeto da fantasia, e também do desejo, e o grande Outro, a principal imago, que domina a criança ao crescer, a ordem que traz autoridade, a “consistente e fechada totalidade” a que aspiramos, mas que sempre nos escapa, já que “o grande Outro não existe”. O mesmo que ocorre com o sujeito, ocorre com o objeto – ele não existe, e a não existência é seu modo de existir. Este é o aspecto de Lacan que Žižek considera mais empolgante – a varinha mágica que invoca visões e logo as dispensa ao nada.
Žižek usa essa visão mística para pegar atalhos para muitas de suas surpreendentes conclusões. É porque o stalinismo se baseia na figura do grande Outro que é muito moral – uma boa desculpa que ninguém está em posição de negar. Democracia não é a solução porque, embora implique um “grande Outro bloqueado”, como Jacques-Alain Miller aparentemente demonstrou, não há outro grande Outro – o “grande Outro processual” das leis eleitorais, que devem ser obedecidas, independentemente do resultado.
Mas talvez o verdadeiro perigo seja o populismo, no qual o grande Outro retorna disfarçado de Povo. Ou é certo invocar o Povo, se você o faz no espírito de Robespierre, cuja invocação de Virtude “redime o aparente conteúdo do terror de sua realização”?  Não há como saber, mas quem se importa? Certamente não Žižek, que se refugia entre as saias do grande Outro sempre que os pequenos outros surgem com suas dúvidas irritantes. Dessa maneira, ele pode se defender dos antitotalitários, cujos pensamentos são “um exercício sofístico inútil, uma pseudoteorização dos mais baixos e oportunistas temores e instintos de sobrevivência” – linguagem que tem toda a autenticidade daquelas denúncias em novilíngua que compuseram os editoriais de PravdaRudé Právo, e da eslovena Delo nos tempos de juventude de Žižek.
 De Lacan, Žižek também tira a ideia de que os processos mentais encaixam-se em três categorias distintas: fantasia, símbolo e busca do Real. O desejo vem através da fantasia, que propõe tanto o objeto = a (o objet petit a), e a primeira subjetivização: a fase do espelho, na qual o desejo (e a falta dele) entra na psique da criança. A noção de fantasia está conectada com aquele termo-chave da análise lacaniana – um termo que acabou entrando e dominando a teoria literária francesa sob influencia de Roland Barthes – a jouissance, a substituta de Lacan para o “princípio de prazer” freudiano. As fantasias entram em nossas vidas e persistem porque trazem prazer, e se revelam em sintomas, aqueles fragmentos aparentemente irracionais do comportamento por meio dos quais a psique protege seu terreno obtido de prazer das realidades ameaçadoras do mundo externo– do “invisitável” mundo do Real.
Esse pensamento gera uma emenda espetacular à ideia freudiana de superego, expressa em termos que unem Kant ao Marquês de Sade:
É lugar-comum da teoria lacaniana enfatizar como [o] imperativo moral kantiano esconde uma injunção obscena do superego: “Aproveite!” – a voz do Outro que nos leva a seguir o dever pelo dever é uma irrupção traumática de um apelo à impossíveljouissance, perturbando a homeostase do princípio do prazer e seu prolongamento, o princípio da realidade. É por isso que Lacan compreende Sade como a verdade de Kant.
Tendo levado a máquina de absurdos tão longe assim, identificando Kant e Sade, e consequentemente rejeitando, como uma forma de obscenidade, a moralidade Iluminista na qual a sociedade ocidental tem tentado por dois séculos se ancorar, Žižek é capaz de oferecer uma nova teoria da ideologia, que renova a crítica marxista do capitalismo.
Ideologia, na clássica análise marxista, é entendida em termos funcionais, como o sistema de ilusões por meio do qual o poder atinge legitimidade. O marxismo oferece um diagnóstico científico da ideologia, reduzindo-a a um sintoma, demonstrando como as coisas realmente são por trás dos fetiches. Ao fazer isso, ela “abre nossos olhos” para a verdade: vemos a exploração e a injustiça onde antes víamos contrato e livre troca. A tela ilusória das commodities, na qual relações entre pessoas aparecem como uma movimentação regrada das coisas, desmorona diante de nós e revela a realidade humana: dura, crua e mutável. Em suma, ao rasgar o véu da ideologia, preparamos o caminho para a revolução.
Mas, neste caso, Žižek sensatamente pergunta, por que a revolução não chega? Por que o capitalismo, chegando a essa autoconsciência, continua a afirmar seu crescente domínio, sugando cada vez mais a vida humana para dentro do redemoinho do comércio de commodities? A resposta de Žižek é que a ideologia é renovada por meio da fantasia. Agarramo-nos ao mundo do mercado como cena de nossa jouissancemais profunda, e evitamos a realidade externa, o Real que se recusa a ser conhecido. Passamos a entender que a ideologia não está a serviço da economia capitalista, mas a serviço de si mesma – é prazerosa por si só, assim como a arte e a música.
A ideologia se torna um brinquedo em nossas mãos – nós tanto a aceitamos como rimos dela, sabendo que tudo tem seu preço em nosso mundo de ilusões, mas que nada de valor aparecerá lá. É assim, ao menos, que eu entendo observações como esta, que é tão clara quanto Žižek consegue ser sobre este assunto:
Por que essa inversão da relação de fins e meios precisa permanecer escondida, por que sua revelação é contraproducente? Porque revelaria o prazer que se encontra na ideologia, na própria renúncia ideológica. Em outras palavras, revelaria que a ideologia serve apenas ao seu próprio objetivo, que não serve a nada – que é precisamente a definição lacaniana de jouissance.
 É nesse ponto, contudo, que a clareza é imperativa. Estaria Žižek nos dizendo que o mundo das commodities e dos mercados veio para ficar e que devemos aprender a aproveitá-lo da melhor maneira possível? O que significa ele ter chegado a essa posição utilizando aquelas estranhas categorias lacanianas que aparecem ao longo de sua prosa no lugar de fundamentos, mas que são completamente infundadas? Há um argumento real aqui, que seja convincente para uma pessoa que não teve a sorte de passar pela lavagem cerebral de Jacques-Alain Miller? Quase sempre, em momentos cruciais, quando um argumento claro é necessário, Žižek se refugia por trás de uma pergunta retórica, a qual ele enche de encantos misteriosos da liturgia lacaniana:
Não seria a topologia paradoxal do movimento de capital, o bloqueio fundamental que se resolve e se reproduz através de uma atividade frenética, um poder excessivo na forma aparente de umaimpotência fundamental – essa passagem imediata, essa coincidência de limite e excesso, de falta e sobra – precisamente aquela do objet petit a de Lacan, do resto que representa a falta fundamental e constitutiva?
A pressão sintática exercida por essas questões retóricas é direcionada para a resposta: “Claro, eu já deveria saber disso”. O objetivo é escapar à questão real, que é sobre o significado e a fundamentação dos termos. Darei outro exemplo espetacular, já que é relevante ao tema:
Não seria o domínio definitivo da psicanálise a conexão entre a Lei simbólica e o desejo? Não seria a multiplicidade de satisfações perversas a própria forma na qual ocorre a conexão entre a Lei e o desejo? Não seria a divisão lacaniana do sujeito a divisão que diz respeito precisamente à relação do sujeito com a Lei simbólica? E ainda, não seria a confirmação definitiva desse “Kant avec Sade” de Lacan, que coloca o universo sadiano de perversão mórbida como sendo a “verdade” da afirmação mais radical do peso moral da Lei simbólica na história humana (a ética kantiana)?
Se você respondeu “não” a qualquer uma dessas questões, a resposta seria “Não? Que raios você quer dizer com não?” Pois a questão real é: “O que exatamente você quer dizer?”.
 Mas isso me leva ao cerne do esquerdismo de Žižek. O Real, tocado pela varinha mágica de Lacan, desaparece. É a ausência inicial, a “verdade” que também é castração. A varinha apaga a realidade e, assim, dá uma nova vida ao sonho. É no mundo dos sonhos, portanto, que a moralidade e a política agora estão implantadas. O que importa não é o mundo desacreditado de eventos meramente empíricos, mas os acontecimentos do mundo onírico, o mundo dos intelectuais exaltados, para quem ideias e entusiasmos cancelam meras realidades.
Assim, em um ensaio particularmente repugnante sobre o “Terror Revolucionário”, Žižek exalta o “terror humanista” de Robespierre e Saint-Just (em oposição ao terror “anti-humanista, ou melhor, desumano” dos nazistas) não porque fosse particularmente bondoso com suas vítimas, mas porque expressava as “explosões utópicas da imaginação política” de seus perpetradores. Não importa que o terror levasse à prisão de centenas de milhares de pessoas inocentes e à morte de tantas mais. As estatísticas são irrelevantes, dispensadas pela varinha de Lacan, reduzidas à raiz quadrada do menos um – um número puramente imaginário. O que é relevante é a maneira como, por meio de discursos que Žižek reconheceria como grandiloquência autoexultante se suas faculdades críticas não o houvessem abandonado diante de um herói revolucionário, Robespierre “redimiu o aparente conteúdo de terror de sua realização”.
Dessa forma, para Žižek, o pensamento cancela a realidade, quando o pensamento está “à esquerda”. O que você faz importa menos do que o que você pensa estar fazendo, dado que o que você pensa estar fazendo tem o objetivo principal de emancipação – de égaliberté, como colocou o teórico marxista Étienne Balibar. O objetivo não é igualdade ou liberdade no sentido qualificado em que você ou eu entendemos esses termos. É a igualdade absoluta (com um pouquinho de liberdade, se você tiver sorte), que, por sua natureza, só poderá ser atingida por meio de um ato de total destruição. Buscar esse objetivo também pode significar reconhecer sua impossibilidade – não é a isso que equivalem esses projetos “totais”? Não importa. É precisamente a impossibilidade da utopia que nos prende a ela: nada pode macular a pureza absoluta do que jamais será testado.
Não devemos nos surpreender, portanto, quando Žižek escreve que “a pequena diferença entre o Gulag stalinista e o campo de extermínio nazista também era, naquele momento, a diferença entre civilização e barbárie”. Seu único interesse está no estado de espírito dos perpetradores: Eram eles movidos, mesmo que de maneira indireta, por entusiasmos utópicos, ou eram, pelo contrário, movidos por algum apego desacreditado? Se você se afasta das palavras de Žižek e se pergunta onde a linha entre civilização e barbárie se encontra, no momento em que conjuntos rivais de campos de extermínio estavam competindo na contagem de corpos, você certamente colocará a Rússia comunista e a Alemanha nazista de um lado da linha, e alguns outros lugares – Grã-Bretanha e Estados Unidos, por exemplo – do outro. Para Žižek, isso seria um absurdo, uma traição, uma recusa patética de reconhecer o que realmente está em jogo. O que importa é o que as pessoas dizem, não o que fazem, e o que dizem é redimido por suas teorias, por mais idiota e imprudente que seja sua busca, e independentemente do quanto desprezar as pessoas reais. Resgatamos o virtual do real por meio de nossas palavras, e os atos não têm nada a ver com isso.
 Ao ler Žižek, lembro-me de uma visita que fiz, certa vez, ao cemitério de Devichye Pole, em Moscou, nos tempos de Gorbachev. Meu guia, um intelectual dissidente semelhante a Žižek em aparência e comportamento, me levou ao túmulo de Khrushchev, onde havia um monumento criado por Ernst Neizvestny. O escultor se destacara devido a uma denúncia particular de Khrushchev, quando, após uma visita a uma exposição de arte moderna, o líder soviético decidiu atacar toda a comunidade artística. Meu guia considerava essa birra de Khrushchev como muito mais séria do que sua destruição de 25 mil igrejas e não via nada de errado em seu enterro ali, no que outrora era solo consagrado.
O monumento mostra a cabeça de Krushchev, sobre dois troncos de pedra, um preto e outro branco, simbolizando as contradições no caráter do líder. Afinal, meu guia insistiu, foi ele quem denunciou Stálin e, assim, mostrou-se amigo dos intelectuais, bem como foi ele quem denunciou o modernismo artístico e, então, declarou-se inimigo dos intelectuais. Ficou dolorosamente claro para mim que o povo russo nada contou na história intelectual do comunismo russo, seja na mente de seus defensores ou de seus críticos, com quem todo o período moderno tem estabelecido uma espécie de diálogo – conduzido em alto tom e com todas as armas disponíveis – entre o Partido e a intelligentsia. Milhões de servos foram silenciosamente para o túmulo apenas para ilustrar uma conclusão intelectual e dar aos argumentos de poder a prova decisiva do sofrimento desamparado de um outro.
Essa redução da realidade nos faz lembrar um fato crucial: que o objetivo de uma emancipação suprema, que também será o reino da igualdade total, é uma questão de fé, não de previsão. Expressa uma necessidade religiosa que não pode ser descartada e que não sobreviverá a toda prova apresentada para sua refutação. Por um tempo, no despertar de 1989, parecia que a agenda comunista havia sido derrotada e que as evidências levavam à rejeição das ideias que haviam escravizado pessoas do Leste Europeu desde a guerra. Mas a máquina de absurdos foi preparada para obliterar os disparos de argumentos fundamentados, para cobrir tudo em uma névoa de incerteza e reviver a ideia de que a revolução real ainda está por vir, e que será uma revolução de pensamento, uma liberação interna, da qual os argumentos fundamentados (mera “ideologia burguesa”) não podem se defender. O reino do absurdo enterrou a questão da revolução tão abaixo da possibilidade de questionamento racional que ela não podia mais ser diretamente mencionada.
 Ao mesmo tempo, os alquimistas nunca deixaram de propor a revolução como objetivo, como aquilo que devem invocar das trevas criadas por seus feitiços. O que exatamente eles estavam esperando? Voltemos ao mundo da análise racional para entender que há pelo menos dois tipos de revolução e que é importante, quando fazemos dessa palavra um ídolo, nos perguntarmos a qual das duas nos referimos. Há o tipo exemplificado pela Revolução Gloriosa de 1688 na Inglaterra e pela Guerra de Independência dos Estados Unidos de 1783, nas quais cumpridores da lei tentaram definir e proteger seus direitos de serem usurpados. E há o tipo exemplificado pela Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Russa de 1917, nas quais uma elite toma o poder de outra e, então, se estabelece por meio de um reino de terror.
A diferença entre esses dois tipos de revolução é enorme e tem um vasto significado para nós, se observarmos o curso da história moderna. Mas Žižek e outros esquerdistas pós-mordernos rejeitam tal distinção com desdém. Para eles, as revoluções inglesa e americana não emergiram de um brilho na imaginação dos intelectuais exultantes, apenas os forçou a experimentar as necessidades das pessoas reais. Em vez de examinar o que essas revoluções atingiram, se foram ou não suficientes, e se foram, de qualquer forma, o melhor que se poderia esperar, pensadores como Žižek preferem se enterrar em disputas acadêmicas com companheiros de esquerda, trocando frases de uma formidável novilíngua em torno do santuário onde o ídolo foi escondido.
Aqueles que pensavam, em 1989, que nunca mais um intelectual seria pego defendendo o partido leninista ou os métodos de Stálin, não contavam com o poder esmagador do absurdo. Na necessidade urgente de acreditar, de achar um mistério central que seja o verdadeiro significado das coisas e para o qual a vida de uma pessoa possa ser dedicada, o absurdo é muito preferível ao bom senso. Ele constrói um estilo de vida em torno de algo que não pode ser questionado. Nenhum ataque fundamentado é possível contra o que nega a possibilidade do ataque fundamentado. Assim, aquela utopia é introduzida no lugar que a teologia deixou vago, para erguer seu própriomysterium tremendum et fascinans no centro da vida intelectual. Uma nova geração redescobriu a voz autêntica do proletariado, que fala na língua da máquina de absurdos. E apesar de todas as decepções, estavam convencidos de que a “ditadura do proletariado” permanecia sendo uma opção – na verdade, a única opção. A prova disso está na prosa de Žižek; você tem a palavra dele.
Em Žižek, encontramos provas surpreendentes do fato de que a “hipótese comunista”, como Badiou a chama, nunca desaparecerá. Apesar da tentativa de Marx de apresentá-la como conclusão de uma ciência, a “hipótese” não pode ser testada nem refutada, pois ela não é uma previsão nem, em qualquer caso real, uma hipótese. É uma afirmação de fé no desconhecido. Žižek concede seu peso, sem hesitar, a toda causa que for contra, de qualquer forma, à ordem estabelecida das democracias ocidentais. Ele inclusive se define contrário à democracia parlamentar e não tem escrúpulos ao defender o terror (adequadamente estetizado) como parte de seu glamoroso desapego. Mas suas poucas invocações vazias da alternativa igualitária não vão muito além dos clichês da Revolução Francesa e logo são envoltas pelos feitiços lacanianos como forma de se proteger dos questionamentos. Quando se trata da política real, ele escreve como se a negação fosse suficiente. Seja a intifada palestina, o IRA, os chavistas venezuelanos, os sans-papiers franceses ou o movimento Occupy – tanto faz a causa radical, o que importa é o ataque ao “Sistema”.
Assim como em 1789, como em 1917, como na Grande Marcha de Mao, no Grande Salto para Frente e na Revolução Cultural, o trabalho de destruição se auto-alimenta. A lengalenga de Žižek serve a um propósito: desviar a atenção do mundo real, das pessoas reais e do raciocínio moral e político comum. Ela existe para promover uma causa única e absoluta, a causa que não admite críticas nem compromissos e que oferece redenção àqueles que a abraçam. E que causa é essa? A resposta está em todas as páginas escritas por Žižek: Nada.
Tradução: Ana Beatriz Fiori

Fonte - http://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/roger-scruton-sobre-slavoj-zizek-o-principe-palhaco-da-revolucao-parte-2/











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Parte 1 - Roger Scruton sobre Slavoj Žižek: O Príncipe Palhaço da Revolução


Estado da Arte publica com exclusividade no Brasil um ensaio do filósofo britânico Roger Scruton que avalia o fenômeno do stalinismo pop-psicanalítico de Slavoj Žižek. O texto foi publicado originalmente em setembro de 2016 no City Journal.
O Príncipe Palhaço da Revolução (Parte 1)
Sobre Slavoj Žižek, um novo tipo de pensador esquerdista
por Roger Scruton
Nas décadas de 1960 e 1970, o consenso, nas instituições acadêmicas e intelectuais ocidentais, caia muito para a esquerda. Escritores como Michel Foucault e Pierre Bourdieu ganharam destaque ao atacarem a civilização que eles rejeitavam como “bourgeois”. Os textos de teoria crítica escritos por Jürgen Habermas dominavam o currículo das ciências sociais, apesar de serem extremamente tediosos. A reescrita da história nacional como um conto de “luta de classes”, realizada por Eric Hobsbawm na Grã-Bretanha e Howard Zinn nos Estados Unidos, quase se tornou uma ortodoxia não só nos departamentos de História universitários, mas também nas escolas de ensino médio. Para nós, dissidentes, era um tempo desalentador, e raramente eu acordava pela manhã sem me perguntar se dar aula na Universidade de Londres era a carreira certa. Então o comunismo entrou em colapso no Leste Europeu, e me permiti ter esperança.

Durante um tempo, parecia estar por vir um pedido de desculpas daqueles que haviam dedicado seus esforços intelectuais e políticos a encobrir os crimes da União Soviética ou enaltecer as “repúblicas do povo” da China e do Vietnã. Mas esse momento durou pouco. Em uma década, o establishment da esquerda retomou o controle, com Zinn e Noam Chomsky renovando suas denúncias descontroladas contra os Estados Unidos, a esquerda europeia se reagrupando contra o “neoliberalismo” (o novo nome para o livre mercado) como se este é que fosse o problema desde o começo, Habermas e Ronald Dworkin colecionando prestigiosos prêmios por suas defesas quase ininteligíveis dos principais lugares-comuns da esquerda, e o veterano marxista Hobsbawm sendo recompensado por uma vida inteira de lealdade inabalável à União Soviética ao ser condecorado “Companheiro de Honra” pela rainha.
Realmente, o inimigo não era mais descrito como antes: o modelo marxista não cabia muito bem às novas condições, e parecia um pouquinho insensato defender a causa da classe operária quando seus últimos membros estavam se juntando às fileiras dos não empregáveis ou dos autônomos. Mas uma coisa permaneceu inalterada no despertar do colapso comunista: a convicção de que era inaceitável ir para a “direita”. Você pode ter dúvidas quanto a certas doutrinas ou políticas de esquerda; você pode cogitar que esse ou aquele pensador ou político esquerdista cometeu “erros”. Mas isso era o mais longe que a autocrítica conseguia chegar. Em contrapartida, simplesmente contemplar um pensamento de direita equivalia a entrar no território do diabo.
Assim, em poucos anos, a visão maniqueísta da política moderna, como uma luta até a morte entre a boa esquerda e a cruel direita, retomou seu domínio. Assegurando ao mundo que não haviam sido enganados pela propaganda comunista, os pensadores de esquerda renovaram seus ataques à civilização ocidental e sua economia “neoliberal” como sendo a principal ameaça à humanidade em um mundo globalizado. O termo “de direita” ainda é um xingamento hoje em dia, assim como era antes da queda do muro de Berlim, e as atitudes da esquerda se adaptaram às novas condições com pouca moderação de seu zelo oposicionista.
Houve, no entanto, uma mudança importante. Um novo tipo de pensador de esquerda surgiu – um que veste seu zelo revolucionário com uma camada de ironia, parcialmente rejeitando seu próprio idealismo impraticável como se falasse através da máscara de um palhaço. Se você resolveu estudar no departamento de humanas de alguma universidade americana, logo vai se deparar com o nome de Slavoj Žižek, o filósofo que cresceu no regime relativamente moderado da Iugoslávia comunista, classificado como “dissidente” durante o declínio do comunismo na sua Eslovênia natal, mas que agora está fazendo onda como crítico radical do Ocidente, ainda que sempre com certa ironia.
É prova da leniência do regime iugoslavo o fato de Žižek ter podido passar um tempo em Paris no início dos anos 1980. Lá, ele encontrou o psicanalista Jacques-Alain Miller, que estava promovendo um seminário do qual ele participou, e que também se tornou seu analista. Miller é genro de Jacques Lacan, o inescrupuloso maníaco pelo poder que Raymond Tallis descreveu como “o analista do inferno”, e este é um preço infeliz que se paga ao tentar entender Žižek: você tem que entender Lacan, também.
Os Écrits de Lacan, publicados em 1966, foram uma das fontes que embasaram os estudantes revolucionários em maio de 1968. Trinta e quatro volumes dos seus seminários se seguiram, publicados por seus discípulos e, posteriormente, traduzidos para o inglês – ou ao menos uma língua que se parecia com inglês tanto quanto o original se parecia com francês. A influência desses seminários é um dos mistérios profundos da vida intelectual moderna. Sua regurgitação truncada de teorias que Lacan não explorou nem entendeu é, por pura falta de vergonha intelectual, sem precedente na literatura. Tecnicidades inexplicadas, tiradas da teoria dos conjuntos, da física de partículas, da linguística, da topologia, e seja o que mais pudesse conferir poder ao feiticeiro que as invocou, são usadas para provar teoremas espetaculares como o de que um pênis ereto em condições burguesas é equivalente à raiz quadrada de menos um, ou que você não (até ser convencido por Lacan) “ex-siste”.
Outro conceito lacaniano – o do grande Outro – é crucial para entender Žižek. Após as famosas palestras sobre Hegel de Alexandre Kojève, realizadas no Institut des Hautes Études antes da II Guerra Mundial e assistida por todo mundo que era alguém no mundo literário parisiense (inclusive Lacan), a ideia do Outro se tornou uma fixação do pensamento filosófico francês. O grande e sutil argumento da Fenomenologia do Espírito de Hegel, de que atingimos a autoconsciência e a liberdade por meio do reconhecimento do Outro, tem sido reciclado repetitivamente por aqueles que assistiram às palestras de Kojève. Você o encontra em Jean-Paul Sartre, Emmanuel Levinas e Georges Bataille. E você o encontra, de maneira horrivelmente truncada, em Lacan.
Para Lacan, o grande Outro (A maiúsculo em Autre) é o desafio apresentado ao self pelo não self. Esse grande Outro assombra a percepção de mundo com o pensamento de um poder dominador e controlador – um poder que buscamos e do qual fugimos. Há também o pequeno outro (a minúsculo em autre), que não é muito diferente do self, mas é o que se vê no espelho durante o estágio de desenvolvimento que Lacan chama de “fase do espelho”, quando a criança supostamente vê seu reflexo e diz “Aha!”. Este é o ponto de reconhecimento, quando a criança encontra pela primeira vez o “objeto = a”, que, de alguma forma para mim impossível de decifrar, indica tanto o desejo como a ausência dele.
A fase do espelho dá à criança uma ideia ilusória (e breve) do self, como um outro todo-poderoso no mundo dos outros. Mas esse self logo é esmagado pelo grande Outro, um personagem baseado no contexto de seio bom/seio mau, amigo/inimigo criado pela psicanalista Melanie Klein. Ao expor as trágicas consequências desse encontro, Lacan traz surpreendentes insights, frequentemente repetidos sem explicação por seus discípulos como se tivessem mudado o curso da história intelectual. Um é particularmente repetido: “não há relação sexual” – uma observação interessante vindo de um sedutor em série, de quem nenhuma mulher, nem mesmo as analisandas, escapava.
Além disso, é atribuída a Lacan a ideia de que o sujeito não existe além da fase do espelho até que seja trazido à existência por um ato de “subjetivização”. Você se torna um sujeito autoconsciente ao tomar posse do seu mundo e incorporar sua alteridade em seu self. Dessa maneira, você começa a “ex-sistir” – existir para fora, em uma comunidade de outros.
As ruminações de Lacan sobre o Outro aparecem constantemente nos textos de Žižek, que provam um aspecto em que o sistema comunista tinha vantagem sobre seus rivais ocidentais: são produtos de uma mente seriamente educada. Žižek escreve com perspicácia sobre arte, literatura, cinema e música, e quando está tratando dos eventos de sua época – sejam as eleições presidenciais americanas ou o extremismo islâmico no Oriente Médio –, sempre tem algo interessante e desafiador a dizer. Ele aprendeu o marxismo não como uma busca exibicionista de uma classe ociosa acadêmica, mas como uma tentativa de descobrir a verdade sobre nosso mundo. Estudou Hegel com profundidade, e no que certamente são seus dois textos de mais fôlego – The Sublime Object of Ideology (1989) e a Parte I de The Ticklish Subject (1999) –, Žižek mostra como aplicar tal estudo aos tempos confusos em que vivemos. Ele responde tanto à poesia quando à metafísica de Hegel, e preserva o anseio hegeliano por uma perspectiva total, na qual o ser e o nada, a afirmação e a negação, são relacionados e reconciliados.
Se tivesse permanecido na Eslovênia, e se a Eslovênia tivesse permanecido comunista, Žižek não seria o estorvo que se tornou desde então. De fato, a introdução de Žižek no mundo acadêmico ocidental é quase suficiente para lamentar o colapso do comunismo no Leste Europeu. Ao adotar a visão psicanalítica de Lacan como base transcendental para sua nova filosofia socialista, Žižek eleva a empolgação a um nível que nenhum daqueles monótonos socialistas geralmente produzidos pela academia ocidental conseguiu atingir. E seu estilo astuto e abrangente dá indícios constantes de argumentação persuasiva. Às vezes, pode ser lido com facilidade por muitas páginas seguidas, com uma plena sensação de que está compartilhando questões que podem produzir um entendimento entre ele e seu leitor.  Ao mesmo tempo, passa rapidamente por afirmações absurdas que parecem, a princípio, lapsos de escrita, mas que o leitor descobre, com o passar do tempo, serem o verdadeiro conteúdo de sua mensagem.
Como exemplo do estilo de Žižek, eis aqui alguns dos assuntos tratados em três páginas consecutivas, escolhidos mais ou menos ao acaso, de seu envolvente livro de 2008, In Defense of Lost Causes: o Sudário de Turim; o Corão e a visão de mundo científica; o Tao da física; o humanismo secularista; a teoria lacaniana da função paterna; a verdade na política; o capitalismo e a ciência; a arte e a religião segundo Hegel; a pós-modernidade e o fim das grandes narrativas; a psicanálise e a modernidade; o solipsismo e o ciberespaço; a masturbação; Hegel e o espírito objetivo; o pragmatismo de Richard Rorty; e há ou não há um grande Outro?
O tiroteio de assuntos e conceitos torna fácil, para Žižek, introduzir suas pequenas doses de veneno, que o leitor, acompanhando o ritmo da prosa, pode acabar engolindo facilmente sem perceber. Assim, não devemos “rejeitar o terror in toto, mas reinventá-lo”; devemos reconhecer que o problema de Hitler, e de Stálin também, é “não serem violentos o suficiente”; devemos aceitar a “perspectiva cósmica” de Mao e considerar a Revolução Cultural um evento positivo. Em vez de criticar o stalinismo como imoral, devemos louvá-lo por sua humanidade, já que resgatou o experimento soviético da “biopolítica”; além disso, o stalinismo não era imoral, mas muitomoral, pois baseava-se na figura do grande Outro, que, como os lacanianos sabem, é o erro primordial do moralista. Também devemos reconhecer que a “ditadura do proletariado” é “a única escolha verdadeira hoje”.
A defesa que Žižek faz do terror e da violência, seu apelo por um novo Partido baseado nos princípios leninistas, sua celebração da Revolução Cultural de Mao, apesar das incontáveis mortes que foram, ainda, louvadas como parte do significado da política de ação – tudo isso pode ter servido para difamar Žižek entre os leitores esquerdistas mais moderados, não fosse pelo fato de que nunca é possível saber se ele está falando sério. Talvez ele esteja rindo – não só de si mesmo e de seus leitores, mas do establishmentacadêmico que o inclui, a sério, ao lado de Kant e Hegel no currículo de filosofia, com um Journal of Žižek Studies agora já em seu quarto ano de publicação. Talvez ele esteja nos incentivando a dar férias para o cérebro, zombando dos idiotas que acreditam haver algo mais a se fazer com ele além de escapar dos pensamentos:
Aqui, no entanto, é preciso evitar a armadilha fatal de pensar no sujeito como o ato, o gesto, que depois intervém para preencher a lacuna ontológica, e insistir no ciclo vicioso irredutível da subjetividade: “a ferida só é curada pela lança que a causou”, isto é, o sujeito “é” a própria lacuna preenchida pelo gesto da subjetivização (o que, para Laclau, estabelece uma nova hegemonia; para Rancière, dá voz ao “parte sem parte”; para Badiou, assume fidelidade ao evento-verdade; etc.). Em suma, a resposta lacaniana para a questão posta (e respondida de maneira negativa) por filósofos tão diferentes como Althusser, Derrida e Badiou – “Pode a lacuna, a abertura, o Vazio que precede o gesto de subjetivização ainda ser chamado de ‘sujeito’?” – é um enfático “Sim!” – o sujeito é, ao mesmo tempo, a lacuna ontológica (a “noite do mundo”, a loucura do autoisolamento radical) bem como o gesto de subjetivização que, por meio de um curto circuito entre o Universal e o Particular, cura a ferida de sua lacuna (em lacanês: o gesto do Mestre que estabelece uma “nova harmonia”).“Subjetividade” é um nome para essa circularidade irredutível, para um poder que não combate uma força resistente externa (diga-se, a inércia de dada ordem substancial), mas um obstáculo que é absolutamente inerente, que, em última instância, “é” o próprio sujeito. Em outras palavras, o próprio esforço do sujeito para preencher a lacuna retroativamente sustenta e gera essa lacuna.
Perceba a súbita intromissão, na logorreia, de uma longa frase em itálico, em nada mais clara que as outras, como se Žižek houvesse parado para tirar uma conclusão antes de passar, de maneira exultante, para o próximo conceito malformado.
A passagem é parte de uma contribuição para a teoria lacaniana da “subjetivização”. Mas seu significado principal é deixar claro para o leitor que, seja o que for dito sobre outros autores de absurdos em voga, Žižek também o disse, e que todas as verdades, todas as contribuições, todos os fragmentos úteis de bobagens esquerdistas, são afluentes que correm na incontrolável onda de sua abrangente negatividade. A prosa é um convite: mergulhe, leitor, para lavar sua mancha de argumentação fundamentada, e aproveite, enfim, as refrescantes águas da mente, que correm de assunto em assunto, de lugar em lugar, desimpedidas das realidades, sempre fluindo para a esquerda.
Žižek publica cerca de dois ou três livros por ano. Ele escreve com uma distância irônica de si mesmo, consciente de que não é possível obter aceitação de outra forma. Mas também se preocupa em criticar a plausibilidade superficial da sociedade de consumo que substituiu a antiga ordem da Iugoslávia comunista e descobrir a causa espiritual profunda de seus males. Quando não escreve alusivamente, pulando como um gafanhoto de assunto em assunto, ele tenta desmascarar o que considera serem os autoenganos da ordem capitalista global.  Como seu outro mestre, o filósofo francês de extrema-esquerda Alain Badiou, Žižek não consegue oferecer uma alternativa precisa. Sem esta, porém, uma alternativa imprecisa – até mesmo puramente imaginária – servirá, sejam quais forem as suas consequências. Nas palavras dele, com a linguagem de Badiou: “É melhor um desastre de fidelidade ao Evento do que uma não existência de indiferença ao Evento.” (O Evento é a sempre esperada, e sempre adiada, Revolução.)[Continua]
Tradução: Ana Beatriz Fiori


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domingo, 25 de setembro de 2016

Nelson Rodrigues, você é ou não é reacionário? (4 de junho de 1969)

Entrevista com Nelson Rodrigues, em VEJA de 4 de junho de 1969



As páginas amarelas surgiram em junho de 1969, menos de um ano após o nascimento de VEJA, e tomaram forma próxima da atual ao longo de 1970. 

O primeiro entrevistado da seção, pela qual já passaram os maiores nomes da política, economia, ciência, arte e espetáculos, foi o dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues. À época com 56 anos, o autor de Vestido de Noiva, Álbum de Família e Anjo Negro era apresentado como “o mais amado, o mais odiado e o mais discutido comentarista político do Brasil”. Na conversa, Nelson critica: a esquerda, o jovem, o carnaval, o cinema, o Maracanã (que leva o nome de seu irmão, Mário Filho), São Paulo, Piauí, o arcebispo Dom Hélder Câmara, o intelectual católico Alceu Amoroso Lima… E explica sua aversão ao biquíni: “O biquíni é a degradação da nudez. A nudez, para que tenha um valor plástico, para que tenha um interesse visual, na pior das hipóteses, exige o desejo. Mas eu vou além: a nudez exige o amor. Portanto, a nudez sem o desejo e, pior ainda, a nudez sem o amor é o que há de mais feio”. 

Confira trecho da entrevista:



Quem é você, Nelson Rodrigues? 
Eu sou um pierrô, sou um romântico. Mas o romântico piegas. Não o romântico de grande estilo, não o wagneriano. E aí me veio essa vergonha de ser romântico e uma certa tendência para negar essa emotividade fácil e vagamente burlesca.

Dizem que você é obsessivo… 
Eu sou uma flor de obsessão.

Você é reacionário, Nelson Rodrigues? 
Na televisão, sempre que me lembro, eu digo que sou reacionário, só pra chatear.

Mas você é ou não é reacionário? 
Se a Rússia – onde não existe o direito de greve, onde uma vez o Stálin, de uma só cajadada, matou 12 milhões de camponeses de fome punitiva, onde toda a experiência socialista tem 100 milhões de mortos a pauladas –, se a Rússia se considera libertária, se acha que está trabalhando para o futuro, que é o futuro, então, nesse caso, eu sou reacionário, sou o passado, sou a Idade Média. E prefiro ser a Idade Média, pois a Rússia é a pré-Idade Média. E, então, assim mesmo, estou na frente da Rússia.

Como é que sua coluna passou a ser política? 
Passei à ação política simplesmente porque deixei de ser covarde. Sou um ex-covarde.

Mas, na política, o que você é exatamente? 
Eu sou um anticomunista que se declara anticomunista. Geralmente, o anticomunista diz que não é. Mas eu sou e o confesso.

Por quê? 
Porque a experiência comunista inventou a antipessoa, ou o anti-homem. Conhecíamos o canalha, o mentiroso, o vampiro de Düsseldorf. Mas, todos os pulhas de todos os tempos e de todos os idiomas, ainda assim, homens. O comunismo, porém, inventou alguém que não é homem. Para o comunista, o que nós chamamos de dignidade é um preconceito burguês. Para o comunista, o pequeno burguês é um idiota absoluto justamente porque tem escrúpulos.

Sua fúria anticomunista não é hidrófoba? 
Não, o comunismo é que é hidrófobo. Minha fúria é a de um homem que ama a liberdade. Eu sou um homem que põe a liberdade acima do pão.



Fonte - http://veja.abril.com.br/blog/reveja/quem-e-voce-nelson-rodrigues/

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A árvore genealógica dos partidos políticos do Brasil







Quem nunca teve a curiosidade de desenhar a árvore genealógica de sua família? Ainda mais sendo oriundo de uma família de imigrantes (alemã, italiana, etc). Aquela ‘pontinha’ de curiosidade, que ajuda a pensar “de onde venho e para onde vou”? Pois nestes últimos dias, resolvi me debruçar sobre a história dos partidos políticos brasileiros e fazer o mesmo. Como não sou historiador, nem cientista político, o desenho pode apresentar falhas. No entanto, ajudou-me a organizar as ideias e reconhecer melhor em qual terreno e contexto se inserem alguns partidos atuais. Na dúvida, veja o quadro acima.
– Brasil Império e República Velha
Para começo de conversa, durante o Brasil Império (1822-1889), dois partidos “de direita”, que defendiam a manutenção da escravatura, bipolarizaram o poder: Partido Liberal e Partido Conservador. O cenário só começou a mudar com a aparição dos Partidos Republicanos. Não existia uma união nacional nesta época, com os quadros sendo formados dentro dos Estados (o Partido Republicano Paulista, o Mineiro, e o Riograndense, de Júlio de Castilhos, por exemplo). Estes dominaram o palco principalmente a partir da Proclamação da República e estabelecendo a política do ‘café com leite‘, com paulistas e mineiros se revezando no poder. É preciso compreender que neste período não havia o sufrágio universal. Ou seja, mulheres e pobres não iam às urnas. Portanto, as referências políticas eram pessoas da elite social.
– Era Vargas
Oriundo do PRR (Partido Republicano Riograndense), o gaúcho Getúlio Vargas chegou à presidência em 1930 graças a um golpe de Estado que interrompeu o revezamento de paulistas e mineiros. Quatro anos depois, promulgou uma nova Constituição, impondo entre outras coisas o voto secreto, o voto às mulheres e direitos trabalhistas. Com a implantação do Estado Novo (nada mais do que uma ditadura populista), viu as oposições se radicalizarem entre extrema-direita e extrema-esquerda: Ação Integralista Brasileira (AIB), que defendia um governo fascista; e Aliança Nacional Libertadora (ANL), formada por integrantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro). Aliás, este último, conhecido como ‘Partidão’, foi o primeiro viés de esquerda na política nacional, fundado ainda em 1922, acabou sendo tornado ilegal por muitos dos governos que assumiram o país. Apesar de fortes revoluções organizadas por essas duas frentes, Vargas manteve-se na presidência até 1945. Voltaria eleito cinco anos depois, mas antes ainda foi o avalizador de dois partidos que seriam fundados: PSD (Partido Social Democrático) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) – pelo qual se filiou. No espectro oposto, surgiria a UDN (União Democrática Nacional), uma herdeira dos Partidos Conservador e Liberal. Seria a principal oposição ao governo getulista até seu suicídio em 1954.
– Ditadura Militar
Com o golpe militar de 1964, apoiado inicialmente pela UDN para derrubar o governo trabalhista de João Goulart (‘filho político’ de Getúlio), todos os partidos – da esquerda à direita – entraram na ilegalidade. Do PCdoB (Partido Comunista do Brasil, herdeiro do PCB), passando pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro, encontro de ideologias entre PCB e PTB), PDC (Partido Democrata Cristão) e alcançando até a própria UDN. Permitia-se apenas a adesão a duas vertentes: MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e ARENA (Aliança Renovadora Nacional). Era como se, de uma hora para outra, a política nacional voltasse ao período do Brasil Império, onde vigoravam apenas os liberais e conservadores. Os quadros da centro-esquerda foram forçados ao exílio (como o petebista Leonel Brizola), enquanto os da extrema-esquerda assumiram a ilegalidade para criar grupos armados – ALN (Aliança Libertadora Nacional), MR8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), entre outros.
– Reabertura política
Diante das manifestações populares pelo fim dos governos militares, foram surgindo novos partidos. Com o DNA getulista, Brizola fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Este ainda recebeu alguns componentes dos grupos revolucionários, enquanto a maioria acabou migrando para o recém fundado Partido dos Trabalhadores (PT), encontrando-se com líderes de movimentos sindicais. Com o desprestígio da ARENA, surgiu o PDS (Partido Democrático Social), que passaria a abrigar aqueles políticos que governaram sob o guarda-chuva militar, como José Sarney. O MDB, por sua vez, foi quem surfou a onda da abertura política, sendo a cara da recente democracia brasileira. Velhos partidos, como PCdoB, PSB e PTB também foram reativados, mas já desvirtuados das ideologias que os havia fundado.
– Coligações e fisiologismo
A partir da década de 90, os partidos foram se multiplicando. Da direita, saíram do PDS o PFL (Partido da Frente Liberal, hoje DEM), PPB (Partido Progressista Brasileiro, hoje apenas PP) e PRN (Partido da Reconstrução Nacional, hoje PTC) – que elegeria Fernando Collor nas primeiras eleições diretas. Do gigantesco PMDB, surgiria principalmente o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Do PT, acabariam migrando vertentes radicais de esquerda, como PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), PCO (Partido da Causa Operária) e mais recentemente PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). O impeachment de Collor em 1992, no entanto, influenciaria ainda mais o fisiologismo na vida democrática brasileira. A troca constante de partidos – como do então vice-presidente Itamar Franco, que chegaria ao seu 5º partido ao assumir a presidência (PTB, MDB, PL, PRN e PMDB) – denunciava a falta de fidelidade a uma raiz ideológica. Além disso, o sistema presidencialista de coalizão insuflou as coligações antes inimagináveis. O ‘tucano’ Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, ex-MDB, coligou com o PFL (dissidência do PDS e ARENA) para vencer as eleições de 1994 e 1998. Já o petista Lula uniu-se com o PL para fazer o mesmo em 2002 e 2006. Quando que os liberais do Brasil Império imaginariam que seus herdeiros políticos um dia uniriam forças com trabalhadores de movimentos sindicais? Da fusão dessa coligação improvável, por exemplo, saiu o atual SD (Solidariedade), que tem como presidente o deputado Paulinho da Força Sindical – um ex-petista, que se tornou uma das principais bases de apoio ao recente impeachment de Dilma Rousseff. Outra obra do fisiologismo é o recém criado Rede Sustentabilidade, capaz de abrigar a fundadora Marina Silva, ex-PT e PV (Partido Verde); Randolfe Rodrigues, ex-PSOL; Miro Teixeira, ex-PP, PDT e PROS (Partido Republicano da Ordem Social); e João Derly, ex-PCdoB. Isso sem falar no PSC (Partido Social Cristão), herdeiro do antigo PDC extinto pela ditadura militar, mas que já lançou a pré-candidatura de Jair Bolsonaro, um entusiasta do regime militar. Mas talvez o ‘filho mais bastardo’ da política brasileira seja o PR (Partido da República), nascido da fusão entre PL e PRONA (Partido da Reedificação da Ordem Nacional) – pensado e criado pelo ultranacionalista Enéas Carneiro, primo distante do integralista Plínio Salgado. Mesmo assim, não exitou em coligar com o PT nas eleições de Dilma. Sendo assim, à esta altura, onde ninguém mais sabe quem é o inimigo ou amigo na trincheira, urge uma reforma na política brasileira. Ou sigam degustando essa sopa de letrinhas promíscuas e indigestas.









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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

11 erros fatais que fariam Dilma ser demitida de qualquer empresa séria no mundo - por Marc Tawil

Marc Tawil é Sócio-diretor na Tawil Comunicação
27 de ago de 2016


Dilma Rousseff sobreviveria ao mercado corporativo apenas sendo... Dilma Rousseff? A resposta é: jamais




Demitir um CEO parece improvável, mas acontece com mais frequência do que supõe nossa vã filosofia de rede social. CEOs ou presidentes, o topo da cadeia – ou da cadeira – sofrem, sim, sanções pesadas por terem a língua solta demais, serem arrogantes demais, tranquilos demais ou até ousados demais.

Neste milênio mesmo, vieram à tona casos bizarros de demissão, como a do CEO histórico do Yahoo!, Scott Thompson, acusado de maquiar o próprio currículo com uma faculdade de Ciências da Computação quando, na verdade, só tinha um curso de contabilidade.

O desligamento de Andrew Mason, fundador e CEO do Groupon, foi ainda mais estranho: saiu por excesso de otimismo – ele acreditava tanto na plataforma do Groupon, que ignorava a queda do número de cupons vendidos.

Já a demissão do CEO da HP, Mark Hurd, teve ares cinematográficos: Jodie Fisher, ex-atriz de filmes eróticos nos anos 1990, foi o pivô de um escândalo de assédio sexual e falsificação de relatórios de despesas por parte dele.

Estar no topo da cadeia não é fácil e isso só explica os altos salários e benefícios compatíveis com tantas responsabilidades. Cabe ao presidente, líder ou CEO colocar todos acomodados confortavelmente em seus assentos e pilotar esse Boeing sem solavancos e acima de nuvens e tempestades.

E se?


Governo não é empresa e o Brasil não é a Coca-Cola, Ambev ou Johnson & Johnson. Mesmo assim, muitos governantes valem-se de sua “experiência de mercado” na hora de se candidatar a esse ou aquele cargo.

E se o exercício fosse o contrário? Se o governante se candidatasse ao cargo de CEO de uma grande empresa, seus skills e estilo de liderança fariam a diferença? E se esse governante em questão fosse Dilma Rousseff, presidente cujo destino político será traçado nessa semana pelo Senado federal?

Sobreviveria ela ao mercado corporativo apenas sendo... ela mesma?

A resposta é não. A presidente da República, eleita em 2010 e reeleita em 2014, peca em 11 posturas essenciais que, juntas ou em separado, jamais seriam toleradas em nenhuma organização séria do Brasil ou do mundo. A elas:

1. Não delegar

Marca dos dois governos Dilma Rousseff, a centralização de poder não apenas afastou a presidente de ministros e aliados, como a isolou em momentos-chave de sua caminhada no Palácio do Planalto, fosse em votações importantes no Congresso, nas disputas com a oposição e, na reta final de seu segundo mandato, durante os pedidos de apoio dentro e fora do PT.

2. Não dialogar

Dilma sempre deixou claro sua abordagem top-down, isto é, de cima para baixo, no pior estilo “eu mando, vocês obedecem”. Um estilo de liderança ultrapassado, isolacionista e comprovadamente ineficaz. Além disso, vai de encontro ao ideal de diálogo democrático pregado por ela. A presidente ignorou parlamentares pró e contra o governo e todos aqueles se se mostravam contra sua gestão. Chegou ao cúmulo de isolar (com grades) os opositores em comícios e contar com barulhentas claques para seus discursos e inaugurações.

3. Não admitir erros

Demorou alguns anos para ver a presidente reconhecer alguma falha em seus fraquíssimos governos. Quando o fez, e dá para contar esses episódios nos dedos de uma mão, as lambanças creditadas à “contabilidade criativa” e dezenas de benesses a correligionários nunca vieram acompanhadas de um pedido sincero de desculpas. Nenhum ao menos que convencesse a população. Será lembrada por não saber ganhar sem tripudiar nem saber perder.

4. Descumprir promessas públicas

Apenas para citar duas delas: a volta da CPMF e o aumento descontrolado da tarifa de energia elétrica. Menos de um ano depois de ser reeleita, Dilma acenou com a volta de um imposto detestado pelos brasileiros. E até com possíveis outros impostos – algo amplamente combatido por ela em seus discursos pró-reeleição de 2013 e 2014. A decepção generalizada também ficou evidente durante o aumento vertiginoso da conta de luz – que baixou meses antes, pré-eleição – para depois ressurgir cara como nunca.

5. Expor-se voluntariamente ao ridículo

Por que seguir roteiros? Para quê ouvir assessores? São tantos os exemplos de discursos disconexos, respostas atravessadas a jornalistas, fotos sem contexto e outros comportamentos bizarros, que não caberiam nesse texto. Mas fiquemos com uma frase, apenas: “Temos a mandioca e aqui nós estamos e, certamente, nós teremos uma série de outros produtos que foram essenciais para o desenvolvimento de toda a civilização humana ao longo dos séculos. Então, aqui, hoje, eu tô saudando a mandioca, uma das maiores conquistas do Brasil”.

6. Faltar com transparência

Controladora, centralizadora e pouco afeita a ser contrariada, Dilma sempre alegou que a incompetência administrativa, corrupção e a formação e organização criminosa em tantos setores ocorreram sob seu nariz sem que ela jamais se desse conta. Quando identificou, bilhões e bilhões de reais desviados depois, perseguiu os envolvidos – ou quase isso. Pergunta: teria sido Dilma, a primeira presidente mulher do Brasil, mãe do PAC, brava lutadora contra a ditadura, enganada por tantos e por tanto tempo? Para refletir.

7. Faltar com ética

Dilma é produto de Lula e, apesar do discurso contrário, ela nunca negou nem escondeu isso. Reuniões secretas e, com o tempo, escancaradas, foram realizadas para salvaguardar o pouco crédito que ainda restava à presidente no primeiro e segundo mandatos. Quando, a pedido do juiz paranaense Sergio Moro, Lula foi levado para depor coercitivamente, em março, após suspeita de envolvimento em crimes da Operação Lava Jato, Dilma não só foi a São Bernardo prestar solidariedade (??), como ainda o reconduziu à Casa Civil. A manobra quase circense, negada pela Justiça, custou caro aos dois.

8. Tomar decisões equivocadas em série

A condução equivocada da política econômica brasileira já havia sido evidenciada no primeiro mandato pelo empresariado – uma classe que, incrivelmente, não era considerada por Dilma. E mesmo com as portas fechadas para o comércio exterior, a perda de graus de investimento sucessivas, a indústria nacional ruindo e todas as tendências econômicas em queda, Dilma preferiu seguir culpando, literalmente, o mundo. Quando acordou para a realidade, sem apoio algum, era tarde.

9.  Comunicar-se mal e menosprezar as vozes contrárias

Dilma será lembrada como uma oradora ruim. Mais ainda: uma oradora ruim e prepotente. Desprezava opositores, em vez de combate-los com argumentos, e rebatia críticas com ironias e frases grosseiras. Também foram necessárias algumas manifestações, black blocs e panelaços para que ela se posicionasse ante a voz das ruas. No início, a presidente simplesmente ignorou os protestos. Em junho de 2013, ainda em seu primeiro mandato, limitou-se a enviar ministros como mensageiros para acalmar os ânimos e a imprensa, em vez de assumir aquilo para que foi eleita: as rédeas da nação. A Dilma forte, que pegou em armas para encarar os militares na ditadura, estava acuada, para decepção inclusive dos eleitores dela. Postura semelhante aos últimos meses, quando elegeu o advogado José Eduardo Martins Cardozo como sua segunda voz.

10. Atacar os inimigos certos de forma errada

A última briga de Dilma foi também aquela que sepultou o seu mandato. A pá de cal foi justamente contra uma das biografias mais sujas da política nacional: Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Sem apoio dos congressistas, traquejo político e estratégias acertadas, Dilma, ao se posicionar contra a candidatura de Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, em fevereiro do ano passado, assumiu um embate mortal, afinal, o nefasto Cunha era estratégico no encaminhamento das pautas do governo federal no Congresso. O peemedebista anunciou o rompimento com o governo, contaminou a base, aliou-se ao vice Michel Temer – velha raposa do Congresso, um verdadeiro animal político – e, como acompanhamos, o resto é história viva – gostemos ou não.

11. Mentir

Não foi apenas a contabilidade destrutiva e as fraudes fiscais que pairam sobre a figura da presidente. Basta dar um rasante pela imprensa para verificar que as acusações contra ela, baseadas em fatos e datas, estão na boca de jornalistas, delatores e até, pasme, do mentor maior Luiz Inácio Lula da Silva.


A herança dos anos Dilma, em números


Quando Dilma Rousseff tomou posse, em janeiro de 2011, o Brasil crescia 7,5%, a maior taxa desde 1986.

Passados cinco anos, o País amarga queda de 3,8% no PIB, contas públicas deterioradas, desemprego em 8,5% (já são 11,5 milhões de desocupados) e uma inflação de dois dígitos, que penaliza os mais pobres.

O governo caminha oficialmente para fechar 2016 com o terceiro rombo anual seguido em suas contas e um deficit primário recorde, de R$ 170,5 bilhões.

As expectativas indicam que, no final deste ano, a economia terá encolhido quase 8% desde 2014. A última vez que isso aconteceu foi em 1931, em meio à Grande Depressão. A dívida pública pode chegar a 80% do PIB em 2018.

E você, contrataria Dilma Rousseff para comandar a sua empresa?






Fonte - https://www.linkedin.com/pulse/10-erros-fatais-que-fariam-dilma-ser-demitida-de-qualquer-marc-tawil


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