Eduardo Italo Pesce
Especialista
Iberê Mariano da Silva
General-de-brigada engenheiro militar do Exército Brasileiro, na reserva.
Publicado no Monitor Mercantil 31/08, 01/09 e 02/09/07
O termo "guerra de quarta geração" vem sendo empregado para designar o conflito multidimensional, envolvendo ações em terra, no mar, no ar, no espaço exterior, no espectro eletromagnético e no ciberespaço. Nesse novo contexto estratégico, o "inimigo" pode não ser um Estado organizado, mas um grupo terrorista ou outra organização criminosa qualquer.
Mas o que significa exatamente guerra de quarta geração, e quais foram (ou são) as três primeiras gerações da guerra? Em última análise, a guerra de quarta geração (G4G) significa a perda, pelo Estado, do monopólio dos conflitos armados. Este monopólio resultou do Tratado de Westfália de 1648, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos.
A partir daquele tratado, que também marcou o fim das guerras privadas e o declínio das tropas de mercenários, desenvolveram-se os modernos Estados nacionais soberanos - com seus Exércitos e suas Marinhas permanentes - e as várias gerações de conflitos interestatais, assim como as relações internacionais na forma que conhecemos.
A guerra de primeira geração (G1G), que perdurou da segunda metade do século XVII até meados do século XIX, caracterizou-se pela rigidez das táticas e formações lineares, em terra ou no mar.
A Revolução Industrial tornaria tais métodos de combate obsoletos, dando origem à guerra de segunda geração (G2G), a qual incorporou o poder de fogo dos novos armamentos, produzidos em massa pelas indústrias.
A evolução da G2G culminou com a Primeira Guerra Mundial. Durante aquele conflito, foram empregados os instrumentos que permitiriam o desenvolvimento da guerra de terceira geração (G3G), como o carro de combate, o submarino e a aviação. A G3G mudaria a orientação das táticas militares, do poder de fogo para a combinação de movimento e fogo - isto é, do atrito para a manobra.
Desde a Segunda Guerra Mundial, as táticas e doutrinas da G2G e da G3G coexistem nas Forças Armadas de quase todos os países do mundo. O Brasil também assimilou tais ensinamentos, por influência estrangeira (inicialmente francesa e posteriormente norte-americana) e pela experiência de combate das Forças Armadas brasileiras durante aquele conflito.
Os conflitos periféricos do período da Guerra Fria levariam ao desenvolvimento da guerra de quarta geração (G4G). O surgimento das armas nucleares em 1945 contribuiu para tornar a guerra entre grandes potências demasiadamente perigosa. Desde então, os conflitos locais ou regionais (envolvendo inclusive atores não-estatais) vêm proliferando e tendem a ser cada vez mais comuns.
O terrorismo dito "fundamentalista" é uma das manifestações de tal fenômeno. Os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001, constituem um ponto de virada fundamental, na trajetória dos conflitos de quarta geração. Desde então, o mundo tem vivido uma espécie de "conflito de baixa intensidade permanente", sujeito a surtos periódicos de média ou alta intensidade.
O terrorismo internacional é uma ameaça a ser combatida pelos órgãos de inteligência e segurança dos Estados, e não pelo emprego de força militar convencional. As invasões do Afeganistão e do Iraque, por coalizões lideradas pelos Estados Unidos, são dois exemplos de emprego mal-sucedido das Forças Armadas contra ameaças terroristas (reais ou não), que resultaram num agravamento do problema.
Ao invadir países periféricos e destruir seu Estado, eliminando o precário equilíbrio de forças interno, a superpotência hegemônica e seus aliados estabelecem o caos no território desses países e criam condições propícias à proliferação de grupos insurgentes de quarta geração. O Estado, ainda que em condições precárias de funcionamento, deve ser preservado - pois é uma barreira entre a civilização e a barbárie.
A destruição de um Estado pode ser conseguida - intencionalmente ou não - por outros meios que não os militares. A fim de "conquistar" um país, é possível destruir sua economia e seu sistema político, assim como sua coesão interna e sua identidade cultural, sem necessidade de empregar força militar.
No contexto da G4G, os ataques à segurança de um Estado podem partir de outros Estados, mas também de conglomerados multinacionais, organizações terroristas ou cartéis de narcotraficantes. Desse modo, uma coalizão de facções ideológicas ou criminosas - com ramificações internas e externas - poderia "declarar guerra" ao Estado brasileiro. Será que o Brasil estaria preparado para tal possibilidade?
Este tipo de conflito é uma guerra sem escrúpulos - na qual o alvo pode ser qualquer um, não importando as consequências. Consequentemente, é uma guerra sem ética e sem honra, baseada frequentemente na covardia. É também uma guerra sem "critério de parada" - pois nela não existe convicção de derrota, nem há ninguém para capitular.
Finalmente, a G4G é uma guerra sem limites - na qual perdem validade prática as Convenções de Genebra e as normas da Organização das Nações Unidas (ONU), e não há ninguém (leia-se, nenhum Estado) para assumir a responsabilidade pelos excessos cometidos. Como diria Hobbes, é a "guerra de todos contra todos".
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