Ao ler e-mails, normalmente busco sempre coisas que me enriqueçam, quando não, outro olhar. Na verdade faço isso com a grande maioria das mensagens que recebo, quando o relógio permite, é claro. Este, particularmente me traz lembranças e pensamentos que gostaria de compartilhar, se me permitirem.
Acredito que este momento é bem propício uma vez que comportamentos e sentimentos diversos têm surgido e devem se intensificar. Então, o que os movem?
Quando agimos ou nos manifestamos motivados por fortes emoções ou sentimentos, ficamos temporariamente cegos, impedidos de ver as coisas como elas podem ser, não quero com isso dizer “ver a verdade”, porque aí estaríamos no plano mais para o ideal platônico, do que do nosso real do dia-a-dia, com nossas próprias “lentes”.
O titulo de um livro de Hannah Arendt "Entre o passado e o futuro", remete muitas vezes ao esquecimento (ou desfocalização) do presente, podendo ser associado a vários sentimentos bons, bem como a outros nem tanto.
Para o passado, o presente e o futuro temos, respectivamente, o ressentimento, a raiva e o medo. Do outro lado estão os mais nobres e elevados como perdão, amor e fé. Estes acabam sendo as antíteses dos outros, e um trabalho de auto-conhecimento com alguma dedicação, ajudaria a distinguir o que em algumas vezes nem tentamos disfarçar.
Comecemos então pelo perdão que é um sentimento que traz paz ao passado. Longe de ser esquecimento é uma resolução interior, não buscando sentir novamente (re-sentimento) o fato passado, ou seja, sem querer revivê-lo. No tribunal de nossas consciências, conseguimos algumas vezes, perdoar as nossas faltas, mas deverámos nos lembrar também, que todos nós erramos. Por vezes tomamos a espada da justiça, e com ela julgamos, condenamos e sentenciamos.
O perdão desarma as nossas intenções, mas não nos idiotiza.
Quando falamos do passado corremos alguns riscos. Nossa memória não guarda como uma fotografia os fatos do passado, em vez disso, ela tem interpretações destes fatos. Ao longo do tempo, as novas experiências vão acrescentando novos valores, novos paradigmas e corrigindo velhos pontos de vista. Isso faz com que o passado seja continuamente re-interpretado com o nosso olhar de hoje. Logo, nossa memória não é tão fidedigna assim.
Outro sentimento tem inicio nas frustrações ou expectativas não realizadas. É quando esperamos com tanta certeza que um resultado ocorra, ou que alguém faça algo que achamos que seja o certo, porém algo sai diferente, o resultado não ocorre do jeito que devia ser (para nós). Neste momento somos, muitas vezes, tomados pelo sentimento de raiva. Enquanto ela não for resolvida, ou seja, perdoado, estará indo cada vez mais para o passado, se transformando em ressentimento, uma espécie de mágoa, uma ferida pronta a ser “descascada” e voltar a incomodar.
O amor nasce quando conseguimos nos colocar no lugar do outro, nas razões, motivos, dores e amores, empaticamente. Quando nós o estendemos.
Se prevalece só um lado defendendo-o com unhas e dentes, ou só um ponto de vista, implica que todos os outros estão em desacordo, estão errados. O mais importante não é só reconhecer que todos têm o direito de ser, pensar e agir de forma diferente. O mais importante é aceitar que são diferentes (aí só outro e-mail pra tratar disso).
Por fim, em se tratando do futuro e da incerteza do que pode acontecer, ou da possibilidade de algo dar certo ou errado, está normalmente associado a algum desconforto. O futuro é algo sempre provável, mas que se vivencia muito no presente com uma forma ansiosa, nervosa, rápida de agir ou com muitos afazeres e responsabilidades, etc.
É evidente que nesta nossa sociedade agitada refletindo-se aqui dentro (IFBA) uma das coisas que mais se busca é ter algum controle, não o controle sobre o presente, mas o controle sobre o futuro. Criamos ciências estatísticas, cultos adivinatórios, promessas a divindades, acordos, casamentos, compromissos, convênios, contratos e tudo mais que dê certa garantia a este futuro incerto. Quantas vezes estas coisas falham? Muitas. O futuro nunca é uma certeza, está mais para uma probabilidade como dizem os matemáticos. Fazemos projeção de cenários futuros, nunca vemos as fotografias do futuro, senão deixaria de sê-lo
Tem vezes que assumimos o papel de divindade controladora do futuro nos cercando de elementos garantidores. Mas o futuro sempre nos diz que somos mortais e com pouquíssimo controle sobre nossa própria vida, quanto mais o resto...
Então, quem controla o futuro?
Esta exige uma resposta pessoal, não só pensada, mas principalmente sentida. Em quem confio meu futuro a ponto de abrir mão da tentativa de controlá-lo? Quando tivermos a resposta, paramos de nos preocupar e passando a nos ocupar em fazer o que é necessário para o dia de hoje, o tal do Carpe Diem do poeta romano Horácio, com a certeza de que o futuro vai chegar.
Logo, não é a certeza de um futuro merecido, mas a fé de que o terei é que traz a tranqüilidade no meio do caos. É a fé que alimenta o amor, e este o perdão.
Então, o que os movem?
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José Lamartine Neto
Prof. de Controle e Automação
IFBA - DTEE - Coordenação de Automação
Um comentário:
Data: Dom, Novembro 15, 2009
Para: José Lamartine Neto
Caro Prof. Lamartine,
Interessantíssima e oportuna a tua reflexão. Na Condição Humana, Hannah Arendt tem um capítulo que trata do perdão e da promessa como condições da ação (política), algo que só é possível no universo da pluralidade, que, por sua vez, traz como exigência a existência e a aceitação do “diferente”. No capítulo 33, “A Irreversibilidade e o Poder de Perdoar”, ela discute sobre o problema da irreversibilidade e da imprevisibilidade das nossas ações, elementos que afastam as pessoas da esfera pública, do
campo da ação, talvez, por não desejarem correr nenhum tipo de risco. O texto fala por si mesmo:
“A única solução possível para o problema da irreversibilidade – a
impossibilidade de se desfazer o que se fez, embora não se soubesse nem se pudesse saber o que se fazia – é a faculdade de perdoar. A solução para o problema da imprevisibilidade, da caótica incerteza do futuro, está contida na faculdade de prometer e cumprir promessas” (2004, p. 248).
Mais adiante ela continua:
“Se não fôssemos perdoados, eximidos daquilo que fizemos, nossa capacidade de agir ficaria, por assim dizer, limitada a um único ato do qual jamais nos recuperaríamos; seríamos para sempre as vítimas de suas conseqüências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço” (idem, p. 249).
Quem se dispõe a ocupar-se da política deve ter a consciência de que pode errar, mas ela não pode ser um impedimento para a ação. Não agir, pura e simplesmente, pode não ser a melhor opção. Concordo com idéia de que “perdoar” não o mesmo que “esquecer”. Não se pode esquecer o passado, mas a vida precisa continuar. Por sua vez, o perdão não exime ninguém da responsabilidade pelo não cumprimento dos acordos firmados:
“Se não nos obrigássemos a cumprir nossas promessas, jamais seríamos
capazes de conservar nossa identidade; seríamos condenados a errar, desamparados e desnorteados, nas trevas do coração de cada homem, enredados em suas contradições e equívocos – trevas que só a luz derramada
na esfera pública pela presença de outros, que confirmam a identidade
entre o que promete e o que cumpre, poderia dissipar. Ambas as faculdades (perdoar e prometer), portanto, dependem da pluralidade; na solidão e no isolamento, o perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são, no máximo, um papel que a pessoa encena para si mesma” (idem, p. 249).
Minha opinião, neste caso, é sobre o perdão "em si mesmo", porque, como já afirmei anteriormente, "não conheço" a HISTÓRIA recente do IFBA. A não ser por algumas narrativas (de pontos de vista diferentes e divergentes) que
chegaram até mim. Portanto, apenas faço alguns apontamentos sobre o perdão em Hannah Arendt, a autora objeto de minha pesquisa no doutorado. Se há "promessas não cumpridas" e algo a ser "perdoado", eu já não posso
afirmar.
Acredito que, pelo fato de nós todos pertencermos ao IFBA e termos o “nosso lugar” assegurado dentro da instituição, precisamos, sim, aprender a conviver com as diferenças. Não somos iguais, não precisamos e nem devemos sê-lo. A diferença enriquece a nossa condição naquilo que Arendt chama de “pluralidade”. Podemos e devemos divergir, mas não podemos,
simplesmente, negar o direito do outro “existir” e de, no mínimo,
participar de um debate, concordemos ou não com ele. Perdoar, somente, não redime o passado. Mas acredito que alimentar o rancor representa um grande empecilho para nos “com-prometermos” com o futuro. E, creio eu, é com o futuro que a política deve se ocupar.
Um abraço,
Wanderley José Deina
http://lattes.cnpq.br/9939082398957513
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