domingo, 7 de março de 2010

PSol, linha auxiliar do PT

07 de março de 2010

Por Roberto Romano da Silva (*)

Um escritor francês publicou, em data recente, certa análise perfeita sobre a noção (e a prática) da militância política. (“Le militant et le politique, hommage à Max Weber” no site Décroissances). Ao redigir minha palestra para o Fórum sobre Liberdade de Expressão (01/03/2010), passei por todos os itens abordados por ele. Imperativo ético, citei seu trabalho, indicando as nossas diferenças. Breve as minhas considerações serão publicadas e o leitor confrontará as teses. Será possível notar concordâncias e discórdias. A fenomenologia do militante coincide perfeitamente, nele e no que apresentei durante o referido Fórum.


O que é um “militante”? A palavra vem do latim e significa “guerreiro”, “soldado”. Militar quer dizer perseguir inimigos para matá-los ou atenuar a sua potência. O militante tem como alvo destruir o adversário e, para tal, ele deve aumentar o número dos companheiros. Donde o caráter virulento do seu proselitismo. O militante, anuímos eu e nosso autor, para angariar seguidores usa um imaginário, uma fala, um modo de agir religiosos. Na sua boca surgem, a cada instante, termos sacrificiais como “devotamento”, “empenho”, “fiéis”, “mensagem”. Como oposto necessário, ele usa termos como “suspeita”, “desvio”, “acusação”, “inquisição”, “revisionismo”.

Quando evoca o próprio múnus, o militante julga a si mesmo uma pessoa extraordinária, herói. Ele aceita toda e qualquer missão para o bem do Partido ou do organismo social e político a que pertence. Mesmo que a missão seja fétida moralmente. Ao militante, diz meu colega da França, “não é pedido que pense, reflita de modo a concretizar um plano estratégico. Outros o fazem em seu lugar”. Trata-se da onisciente “direção”, a liderança. Acrescento: se militante, o indivíduo não pensa. Ele segue, de maneira pavloviana, palavras de ordem. E morde. Outro elemento que marca o militante é que, sendo destinado a matar (física ou moralmente) quem não pensa com o seu Partido, ele tem a missão de produzir inimigos indicados pelos líderes que, por definição, nunca erram. Aí começam os propósitos com “anti”. Eles sempre são “anti” algo: imperialismo, capitalismo, mídia dos patrões, etc.

Quando atacam indivíduos, são precisos porque não passam pelas idéias, mas reduzem os outros ao que de mais sórdido diz a fala leviana. Se chamados a discutir idéias e conceitos, tombam nas generalidades, nas palavras embreagem. Este termo, cunhado por E. Benveniste, designa enunciados que servem apenas para manter o discurso, como as embreagens permitem mudar a marcha do carro, se os obstáculos são árduos. Termos embreagem: “consciência crítica”, “luta”, “neoliberalismo”, “justiça”, “injustiça”, ”golpe”, etc.

O militante se proclama libertário ou revolucionário, mas está submetido às ordens tirânicas da sua direção partidária. Pouco importa se o partido é grande ou pequeno. A dominação dos líderes tem a mesma lógica do servilismo. Democracia, para o militante, significa que a sua ideologia deve mandar em tudo. O resto é fala pequeno-burguesa (ou burguesa) idealista. Existem tendências nos partidos militantes, minoritárias dado o seu exacerbado fanatismo. Mas a maioria manda sobre elas, não pode ser questionada. Todos devem obedecer calados, ajudando a linha principal a se efetivar na ordem pública.

O PSOL é um micro partido com tendências em seu interior. Todas elas se aninharam até ontem sob as asas do PT. E a sua maioria guarda relações familiares com a alma mater petista. Nelas, no entanto, se exacerba, além da hipocrisia moralista, o vezo da militância. Na seita, todos estão dispostos a destruir os adversários da “luta”, os que não rezam pelo catecismo das lideranças e pensam com sua própria mente. Nas próximas eleições o gropúsculo estará de novo a serviço do petismo, fazendo o trabalho sujo de caluniar, atacar, vilipendiar os cérebros autônomos. Conheço pessoas éticas naquele cenáculo, entre elas o deputado Carlos Gianazzi. Mas o seu número diminui, na exata medida em a seita busca agradar o PT, atacando os “inimigos”. O PSOL não passa de linha auxiliar da militância petista. Sua gênese é a mesma, está no seu caráter. Ou na ausência de caráter dos que, alí, não distinguem pensar diferente e manter o respeito civil.

(*) Roberto Romano da Silva é Professor titular de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor de Ética, também pela Unicamp. Doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e membro do Instituto de Filosofia e de Ciências Humanas da Unicamp).

Fonte: http://ucho.info/psol-linha-auxiliar-do-pt-2

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