sábado, 26 de maio de 2012

Idiotas - Luiz Felipe Pondé

Idiotas

“Uma coisa que o nosso conde (Tocqueville) percebeu é que o homem da democracia, quando quer saber algo, pergunta para a pessoa do seu lado, e o que a maioria disser ele assume como verdade. Daí que, no lugar do conhecimento, a democracia criou a opinião pública. Mas talvez a pior coisa da democracia seja o fato de que ela deu aos idiotas a consciência de seu poder numérico, como dizia o sábio Nelson Rodrigues. Em suas colunas de jornais, Nelson costumava dizer que os idiotas, antes do advento da revolução francesa, viviam comendo, reproduzindo e babando na gravata. Com a revolução francesa e a democracia (que a primeira não criou exatamente porque foi muito mais um regime de terror autoritário), os idiotas perceberam que são em maior número, e de lá para cá todo mundo passou a ter de agradá-los, a fim de ter a possibilidade de existir (principalmente intelectualmente). O nome disso é marketing. Todo mundo que pensa um pouco vive com medo da força democrática (numérica) dos idiotas. O politicamente correto é uma das faces iradas desses idiotas.”

Pág 51 do "Guia Politicamente Incorreto da Filosofia", de Luiz Felipe Pondé.




E NÃO ADIANTA XINGAR

Podem-se prever vitupérios ressentidos contra a crítica devastadora que Luiz Felipe Pondé faz da cultura “politicamente correta”. Bem mais difícil será responder a ela

“O mundo virou um churrasco na laje.” A blague aparece como subtítulo do capítulo intitulado Viajar Jamais, diatribe contra a devastação cultural promovida pelas “hordas de turistas” que invadem catedrais com suas câmeras. A referência a um hábito festivo comum dos subúrbios brasileiros vai eriçar aquelas almas sensíveis que costumam oferecer sua abstrata solidariedade aos oprimidos.

Podem-se prever os xingamentos que se erguerão contra o autor: “elitista, conservador”. Professor da Faap e da PUC de São Paulo, filósofo com formação nas universidades de Paris e de Tel-Aviv, Luiz Felipe Pondé é talvez o mais sardônico crítico dos clichês da intelectualidade esquerdista contemporânea.

Para esclarecer que sua referência nada lisonjeira a hábitos suburbanos não se deve confundir com discriminação social, ele atiça ainda mais os ânimos: diz que se refere apenas aos “pobres de espírito”, porque “você pode ter dinheiro e ainda assim ter espírito de churrasco na laje” (já se ouve a grita: “preconceituoso, direitista”).

Um dos prazeres de seu Guia Politicamente Incorreto da Filosofia (Leya; 224 páginas; 39,90 reais) está nesta verve ácida, despida do jargão que se costuma ouvir dos filósofos, digamos, profissionais.

Mas não se confunda estilo claro e direto com leviandade. Enquanto seus inimigos vociferam adjetivos cada vez mais esvaziados de sentido (“reacionário, fascista”), Pondé constrói seus argumentos com rigor.

O título pode sugerir uma revisão da história da filosofia pautada pela “incorreção”. Mas, na verdade, este é um devastador exame filosófico do próprio politicamente correto, de suas origens e vícios. Pondé recorre a um eclético elenco de filósofos — Maquiavel, Burke, Hume, Nietzsche — para desmontar as ilusões queridas da tribo PC.

Também busca instrumentos fora da tradição filosófica, em escritores como Nelson Rodrigues e Philip Roth e até na teoria evolucionista de Charles Darwin (o que desconcertará os inimigos que tentam grudar em Pondé, conhecedor profundo do pensamento religioso, a pecha de carola).

O Guia denuncia a vacuidade conceitual do receituário PC, contestando, por exemplo, a noção romântica de que índios são moralmente superiores aos civilizados, ou o contrassenso segundo o qual as diferenças entre homens e mulheres são “construções sociais” sem base biológica.

Mas, sobretudo, este é um ataque moral à santimônia hipócrita da correção política, à falsidade de todos que se julgam paladinos da justiça social. Poderia ser um convite à autocrítica, se esta fosse possível ao politicamente correto. Seus cultores preferem sempre vituperar contra a inteligência.

(Publicado em VEJA de 25 de abril de 2012, por Jerônimo Teixeira)

Nenhum comentário:

O anúncio de Olavo Bilac

O anúncio de Olavo Bilac Autoria desconhecida Certa vez, um grande amigo do poeta Olavo Bilac queria muito vender uma propriedade rural, um ...