sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A desigualdade da distribuição da renda e o luxo dos ricos - por Ludwig von Mises

Ludwig von Mises escreveu este pequeno e elucidativo texto sobre a função dos bens de luxo.


"A desigualdade da distribuição da renda, contudo, tem ainda uma segunda função tão importante [..] : torna possível o luxo dos ricos.

Muitas bobagens se têm dito e escrito sobre o luxo. Contra o consumo dos bens de luxo tem sido posta a objeção de que é injusto que alguns gozem da enorme abundância, enquanto outros estão na penúria. Este argumento parece ter algum mérito. Mas apenas aparenta tê-lo. Pois, se demonstrarmos que o consumo de bens de luxo executa uma função útil no sistema de cooperação social, este argumento será, então, invalidado. É isto, portanto, o que procuraremos demonstrar.


A defesa do consumo de luxo não deve, naturalmente, ser feita com o argumento que se ouve algumas vezes, a saber: que esse tipo de consumo distribui dinheiro entre as pessoas. Se os ricos não se permitissem usufruir do luxo, assim se diz, o pobre não teria renda. Isto é uma bobagem, pois se não houvesse o consumo de bens de luxo, o capital e o trabalho neles empregados teriam sido aplicados à produção de outros bens: artigos de consumo de massa, artigos necessários, e não "supérfluos".

Para formar um conceito correto do significado social do consumo de luxo é necessário, acima de tudo, compreender que o conceito de luxo é inteiramente relativo. Luxo consiste em um modo de vida de alguém que se coloca em total contraste com o da grande massa de seus contemporâneos. O conceito de luxo é, por conseguinte, essencialmente histórico.

Muitas das coisas que nos parecem constituir necessidades hoje em dia foram, alguma vez, consideradas coisas de luxo. Quando, na Idade Média, uma senhora da aristocracia bizantina, casada com um doge veneziano, fazia uso de um objeto de ouro que poderia ser chamado de precursor do garfo em vez de utilizar seus próprios dedos para alimentar-se, os venezianos o considerariam um luxo ímpio, e considerariam muito justo se essa senhora fosse acometida de uma terrível doença. Isto devia ser, assim supunham, uma punição bem merecida, vinda de Deus, por esta extravagância antinatural.

Em meados do século XIX, considerava-se um luxo ter um banheiro dentro de casa, mesmo na Inglaterra. Hoje, a casa de todo trabalhador inglês, do melhor tipo, contém um. Ao final do século XIX, não havia automóveis; no início do século XX, a posse de um desses veículos era sinal de um modo de vida particularmente luxuoso. Hoje, até um operário possui o seu. Este é o curso da história econômica. O luxo de hoje é a necessidade de amanhã. Cada avanço, primeiro, surge como um luxo de poucos ricos, para, daí a pouco, tornar-se uma necessidade por todos julgada indispensável. O consumo de luxo dá à indústria o estímulo para descobrir e introduzir novas coisas. É um dos fatores dinâmicos da nossa economia. A ele devemos as progressivas inovações, por meio das quais o padrão de vida de todos os estratos da população se tem elevado gradativamente.

Havia um tempo em que somente os ricos podiam se dar ao luxo de visitar países estrangeiros. Schiller nunca viu as montanhas suíças que tornou célebres em William Tell, embora fizessem fronteira com sua terra natal, situada na Suábia. Goethe não conheceu Paris, nem Viena, nem Londres. Hoje, milhares de pessoas viajam por toda parte e, em breve, milhões farão o mesmo."



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