Coluna do Augusto Nunes
04/04/2013
às 22:16Celso Arnaldo: As falas em dilmês são mais que um escândalo. São prova literal da grande farsa política de nosso tempo
Exatamente às 22h41 de 3 de junho de 2009, menos de três meses depois da inauguração do Sanatório Geral, Dilma Rousseff foi internada pela primeira vez na instituição da qual se tornaria a mais ilustre e assídua freguesa. A frase de estreia inspirou-se em outra leva de patifarias, denunciadas por senadores do DEM, protagonizadas por José Sarney. Convidada a comentar as denúncias, a então ministra-chefe da Casa Civil tentou explicar que aquilo era mais uma invencionice da oposição. Só conseguiu balbuciar o seguinte:
─ Então, eu acho que tem um modelo no Brasil que dá pizza, que é esconder a questão debaixo do tapete.
Em 15 de outubro de 2009, o post republicado na seção Vale Reprise marcou a estreia no Direto ao Ponto da coletânea de posts dedicados exclusivamente ao besteirol produzido em escala industrial pelo neurônio solitário. A coisa está feia, constatou o país que pensa. O texto de Celso Arnaldo reafirma que, no Brasil, o que está ruim demais sempre pode piorar. (AN)
O POLONÊS E O DILMÊS
Celso Arnaldo Araújo
O paciente claudicante, um imigrante polonês, vai fazer exame de vista e o oftalmologista projeta na parede a primeira sequência de letras para o teste de acuidade visual:
C J W K J Y Z K
O médico pergunta:
– O sr. consegue ler isso?
– Claro, esse é muito meu amigo.
Quem frequenta esta coluna com alguma assiduidade já se habilitou a bater o olho em qualquer frase de Dilma com a sintaxe original e afirmar, sem pestanejar, mesmo omitida a indicação de autoria: isso é Dilma.
O índice de identificação será de 100%, mesmo se a frase em dilmês estiver misturada a outras mil, de autores diversos. O dilmês, ao contrário dos exóticos Quimbumbo, Yoruba, Palaúngico, Miáquico e Mundurucu, é idioma que não pertence a nenhum tronco linguístico e é desprovido de canais comunicantes ─ já que falado por um único usuário, Dilma Rousseff. Por isso, é inconfundível. E é trágico.
As falas oficiais de Dilma, transcritas do dilmês sem nenhuma revisão e cerimônia pela própria Secretaria de Comunicação Social da Presidência no Portal do Planalto, só ganham senso e sentido lidas por alguém com o espírito do simplório polonês do teste de optometria. Para um brasileiro que ouve, lê direito e pensa, essa exposição sem pejo do despreparo de Dilma é mais do que um escândalo – é prova literal da grande farsa política de nosso tempo.
A presidente do Brasil – e sobre isso não existe a mais remota dúvida — é incapaz de formular um raciocínio minimamente inteligente sobre qualquer assunto que venha a abordar, num palanque ou entrevista, e é especialmente desastrosa ao reproduzir ideias de outrem, piorando muito o raciocínio até de um matuto.
É o caso da estranha definição de futuro que teria sido dada pelo suposto cangaceiro citado por Dilma dia 2 de abril, num discurso em Fortaleza sobre a seca no nordeste. Não se conhece o teor original da sábia fala do cangaceiro que inspirou Dilma — graças ao Portal do Planalto, conhece-se apenas a versão em dilmês, divulgada ao vivo pela porta-voz dos raciocínios mais desconexos já formulados por um ente público neste país:
“O futuro está em cima, em cima no sentido de que o futuro é sempre uma exigência maior que a gente se faz a nós mesmos”.
Se tivesse dito isso, exatamente assim, é provável que o poético tabaréu, arremedo de Riobaldo, recebesse severa punição dos chefes, por introduzir mais enigmas, completamente indecifráveis, no árido mistério da vida por aquelas bandas do sertão. Esse “a gente se faz a nós mesmos” foi forte, muito forte. Dilma é dose.
Mas pálidas tentativas de mostrar à opinião pública a extensão da farsa ainda esbarram na “Síndrome do exame de vista do polonês”, que aparentemente acomete os 80% de brasileiros que, segundo o IBOPE, acham Dilma um colosso.
Hoje, em seu blog n´O Globo, Ricardo Noblat reproduz, sem nenhum adendo pessoal, um dos sanatórios internados há pouco nesta coluna – extraído de outro discurso de Dilma no Ceará, no mesmo dia do anterior. O pensamento fala por si. O dilmês não é uma via de pensamento, mas um fim em si mesmo, um laudo definitivo:
“Eu queria dizer para vocês, nesta noite, aqui no Ceará, em Fortaleza e nessa escola, o compromisso forte, o compromisso que é um compromisso que eu diria o maior compromisso do meu governo. Porque é que o compromisso com a educação tem que ser o maior compromisso de um governo”.
Dos 300 comentários até este momento publicados no blog do Noblat sobre mais esse espanto do dilmês, pelo menos 60% não notaram nada de errado na redundância rudimentar da pensata de Dilma — própria de quem vive “defendendo” a educação como um cacoete de político, jamais com o menor conhecimento de causa. Seus seis “compromissos” num raciocínio oco de três linhas equivalem, na prática, a nenhum. E a repetição não pode ser confundida com recurso retórico – apenas com absoluta falta de recurso analítico. Dilma provavelmente não saberia ordenar, sem hesitação, os diferentes níveis de ensino do organograma da educação brasileira.
Mas a redundância tacanha não perturbou mais do que um punhado de comentaristas. Muitos outros, mesmo não gostando de Dilma, preferiram questionar o compromisso da presidente com a educação – não os seis compromissos. Estes passaram despercebidos. O dilmês parece já ter se amalgamado, numa versão linguística do roteiro do clássico “Vampiros de Almas”, ao nosso substrato instintivo da psique – aquilo que Freud e redatores de palavras cruzadas com duas letras chamam de Id.
Já um petralha subiu nas sandálias de dedo na seção de comentários do blog do Noblat:
“Não entendi. Qual é a aberração da oração?
É a repetissão (sic) da palavra compromisso?”
Está explicada a síndrome do velho polonês que só enxerga amizade e pureza numa sequência desconexa de letras à sua frente?
─ Então, eu acho que tem um modelo no Brasil que dá pizza, que é esconder a questão debaixo do tapete.
Em 15 de outubro de 2009, o post republicado na seção Vale Reprise marcou a estreia no Direto ao Ponto da coletânea de posts dedicados exclusivamente ao besteirol produzido em escala industrial pelo neurônio solitário. A coisa está feia, constatou o país que pensa. O texto de Celso Arnaldo reafirma que, no Brasil, o que está ruim demais sempre pode piorar. (AN)
O POLONÊS E O DILMÊS
Celso Arnaldo Araújo
O paciente claudicante, um imigrante polonês, vai fazer exame de vista e o oftalmologista projeta na parede a primeira sequência de letras para o teste de acuidade visual:
C J W K J Y Z K
O médico pergunta:
– O sr. consegue ler isso?
– Claro, esse é muito meu amigo.
Quem frequenta esta coluna com alguma assiduidade já se habilitou a bater o olho em qualquer frase de Dilma com a sintaxe original e afirmar, sem pestanejar, mesmo omitida a indicação de autoria: isso é Dilma.
O índice de identificação será de 100%, mesmo se a frase em dilmês estiver misturada a outras mil, de autores diversos. O dilmês, ao contrário dos exóticos Quimbumbo, Yoruba, Palaúngico, Miáquico e Mundurucu, é idioma que não pertence a nenhum tronco linguístico e é desprovido de canais comunicantes ─ já que falado por um único usuário, Dilma Rousseff. Por isso, é inconfundível. E é trágico.
As falas oficiais de Dilma, transcritas do dilmês sem nenhuma revisão e cerimônia pela própria Secretaria de Comunicação Social da Presidência no Portal do Planalto, só ganham senso e sentido lidas por alguém com o espírito do simplório polonês do teste de optometria. Para um brasileiro que ouve, lê direito e pensa, essa exposição sem pejo do despreparo de Dilma é mais do que um escândalo – é prova literal da grande farsa política de nosso tempo.
A presidente do Brasil – e sobre isso não existe a mais remota dúvida — é incapaz de formular um raciocínio minimamente inteligente sobre qualquer assunto que venha a abordar, num palanque ou entrevista, e é especialmente desastrosa ao reproduzir ideias de outrem, piorando muito o raciocínio até de um matuto.
É o caso da estranha definição de futuro que teria sido dada pelo suposto cangaceiro citado por Dilma dia 2 de abril, num discurso em Fortaleza sobre a seca no nordeste. Não se conhece o teor original da sábia fala do cangaceiro que inspirou Dilma — graças ao Portal do Planalto, conhece-se apenas a versão em dilmês, divulgada ao vivo pela porta-voz dos raciocínios mais desconexos já formulados por um ente público neste país:
“O futuro está em cima, em cima no sentido de que o futuro é sempre uma exigência maior que a gente se faz a nós mesmos”.
Se tivesse dito isso, exatamente assim, é provável que o poético tabaréu, arremedo de Riobaldo, recebesse severa punição dos chefes, por introduzir mais enigmas, completamente indecifráveis, no árido mistério da vida por aquelas bandas do sertão. Esse “a gente se faz a nós mesmos” foi forte, muito forte. Dilma é dose.
Mas pálidas tentativas de mostrar à opinião pública a extensão da farsa ainda esbarram na “Síndrome do exame de vista do polonês”, que aparentemente acomete os 80% de brasileiros que, segundo o IBOPE, acham Dilma um colosso.
Hoje, em seu blog n´O Globo, Ricardo Noblat reproduz, sem nenhum adendo pessoal, um dos sanatórios internados há pouco nesta coluna – extraído de outro discurso de Dilma no Ceará, no mesmo dia do anterior. O pensamento fala por si. O dilmês não é uma via de pensamento, mas um fim em si mesmo, um laudo definitivo:
“Eu queria dizer para vocês, nesta noite, aqui no Ceará, em Fortaleza e nessa escola, o compromisso forte, o compromisso que é um compromisso que eu diria o maior compromisso do meu governo. Porque é que o compromisso com a educação tem que ser o maior compromisso de um governo”.
Dos 300 comentários até este momento publicados no blog do Noblat sobre mais esse espanto do dilmês, pelo menos 60% não notaram nada de errado na redundância rudimentar da pensata de Dilma — própria de quem vive “defendendo” a educação como um cacoete de político, jamais com o menor conhecimento de causa. Seus seis “compromissos” num raciocínio oco de três linhas equivalem, na prática, a nenhum. E a repetição não pode ser confundida com recurso retórico – apenas com absoluta falta de recurso analítico. Dilma provavelmente não saberia ordenar, sem hesitação, os diferentes níveis de ensino do organograma da educação brasileira.
Mas a redundância tacanha não perturbou mais do que um punhado de comentaristas. Muitos outros, mesmo não gostando de Dilma, preferiram questionar o compromisso da presidente com a educação – não os seis compromissos. Estes passaram despercebidos. O dilmês parece já ter se amalgamado, numa versão linguística do roteiro do clássico “Vampiros de Almas”, ao nosso substrato instintivo da psique – aquilo que Freud e redatores de palavras cruzadas com duas letras chamam de Id.
Já um petralha subiu nas sandálias de dedo na seção de comentários do blog do Noblat:
“Não entendi. Qual é a aberração da oração?
É a repetissão (sic) da palavra compromisso?”
Está explicada a síndrome do velho polonês que só enxerga amizade e pureza numa sequência desconexa de letras à sua frente?
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