01 Abr 2013
O México pronto para decolar
Internacional
O país conseguiu reverter a perda de investimentos para a China afastando-se do estatismo e do protecionismo
Tatiana Gianini, da Cidade do México
Em meio à terra vermelha e aos arbustos do semiárido mexicano, enormes galpões de três andares se espalham pela periferia do município de Querétaro, 200 quilômetros ao norte da capital, a Cidade do México. Os prédios pertencem a 32 companhias, entre fabricantes de aeronaves, de motores, prestadoras de serviços e empresas de manutenção. O complexo ganhou envergadura a partir de 2006, com a aterrissagem da canadense Bombardier, concorrente mundial da brasileira Embraer. Nessa região central do México, são produzidas as fuselagens traseiras dos jatos Global 5000 e Global 6000, que depois seguem para a linha de produção no Canadá. Em outras cidades, existem duas centenas de empresas do setor aeroespacial, que estão entre as principais razões por trás do crescimento de quase 4% registrado pela economia nacional em 2012 – mais que o quádruplo do brasileiro. Depois de perder durante anos para a China os investimentos de empresas globais, o México tornou-se uma opção vantajosa com o aumento dos salários no país asiático, atualmente apenas 20% mais baixos. Além disso, com outros governos latino-americanos aplicando políticas improvisadas, protecionistas e estatizantes, o país voltou a apimentar o paladar dos investidores. “Os mexicanos apostaram no longo prazo, enquanto o Brasil está tentando programas de alívio fiscal e de curta duração para estimular a economia”, diz a americana Lisa Schineller, diretora da agência de análise de risco Standard & Poor’s. “Essa volatilidade dos brasileiros tem um peso grande nas decisões dos investidores”, diz Lisa.
A sina mexicana começou a mudar com a assinatura do Nafta, o tratado de livre-comércio com os Estados Unidos e o Canadá, em 1994. De imediato, o país sofreu para adaptar a sua economia fechada e dominada por monopólios estatais ao cenário de maior concorrência. A sorte também não ajudou. Em 1995, a crise conhecida como “efeito tequila”, que levou o peso a se desvalorizar 50%, fez o PIB cair 6,2%. Seis anos depois, o ataque às Torres Gêmeas, em Nova York, arrefeceu a economia americana e, por extensão, a mexicana. Também em 2001, a China entrou na Organização Mundial do Comércio (OMC) e passou a competir ainda mais fortemente com o México. Naquele período, a maior pane dos investimentos na América Latina se concentrava no Brasil, que atraía por ser um exportador de commodities para a Ásia. A crise financeira de 2008 e 2009 afetou mais o México que o Brasil. Da mesma maneira, a recuperação por lá também foi mais intensa e, em 2010, ambos voltavam a crescer.
As duas nações então seguiram caminhos opostos. O Brasil tomou medidas estatizantes, que espantaram os investidores. Elevou os impostos sobre transações financeiras, forçou concessionárias de eletricidade a reduzir os lucros e sobretaxou os veículos importados. O governo mexicano, por outro lado, continuou abrindo a economia, com a aprovação dos empresários e do Poder Legislativo. Apenas um dia após tomar posse como presidente, em dezembro do ano passado, Enrique Pena Nieto conseguiu que os três principais partidos do país, o velho PRI, o católico PAN e o esquerdista PRD, assinassem um acordo para aprovar reformas essenciais, o denominado Pacto pelo México. Entre os 95 compromissos, estão o aumento da competitividade, o desmembramento dos monopólios e o fim da política de subsídios. Aos olhos dos mexicanos, os subsídios governamentais, como o que barateia o preço da gasolina, utilizam o dinheiro de todos os contribuintes para beneficiar a fatia mais rica da população, aquela que tem carro.
Enquanto o Brasil está amarrado pelo Mercosul e passa por apuros constantes com seu principal parceiro comercial na região, a Argentina, o México tem tratados de livre-comércio com 44 países. A dependência em relação à economia dos Estados Unidos, que era destino de 89% das exportações em 2000, diminuiu. Agora está em 79%. Para as empresas, os tratados significam ter acesso aos melhores in-sumos e aos maiores mercados consumidores. Da linha de montagem da montadora americana GM, localizada na cidade de Ramos Arizpe, saem os modelos Captiva, Sonic e Cadillac SRX. Colado no vidro de cada um deles, há um adesivo com o destino dos automóveis, que pode ser Ontário, no Canadá, Xangai, na China, Nova Jersey, nos Estados Unidos, e Gravataí, no Brasil. Os preços são 45% mais baixos que os cobrados aqui, uma vez que um carro mexicano é formado com peças do mundo todo. “Os clientes que visitam as concessionárias no México não querem comprar carros brasileiros. Eles sabem que no Brasil há uma exigência de que determinada proporção das peças seja nacional, o que afeta a qualidade e infla o preço”, diz o economista Luis de la Calle. A diferença nos valores levou o governo brasileiro a impor uma cota de importação aos carros mexicanos em 2012. “Esses limites, ao mesmo tempo em que protegem as empresas do setor, são um fardo para os compradores brasileiros”, diz La Calle.
Além dos galpões das fábricas, instalaram-se no país escritórios de publicidade, telecomunicações e informática. O México é hoje um dos principais centros da América Latina para o setor de serviços. Só a área de tecnologia da informação concentra mais de 700 empresas. Um estudo da consultoria Jones Lang La-Salle mostrou que a Cidade do México tem mais metros quadrados de escritórios do que São Paulo ou Miami. “Tudo aqui é mais barato, e as universidades são tão boas quanto as brasileiras”, diz a paulistana Ana Carolina Hevia, de 37 anos, que se mudou para a capital mexicana para instalar na cidade uma agência de publicidade especializada em internet e plataformas digitais.
As transformações da economia mexicana reverberaram na política e na sociedade. A tolerância com os monopólios estatais diminuiu da mesma maneira que a aceitação de grupos autoritários no poder. O PRI, que governou por sete décadas e voltou à Presidência no ano passado, não é mais dominante e disputa as eleições em igualdade com os demais partidos. Os principais indicadores sociais melhoraram consideravelmente. O relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado no mês passado pelas Nações Unidas na Cidade do México mostrou que os mexicanos vivem mais e dedicam mais horas aos estudos que os brasileiros (leia o quadro ao lado). Os graduados em engenharia, em geral os profissionais mais requisitados por uma economia em desenvolvimento, passaram de 114000 em 2010. No Brasil, que tem quase o dobro da população mexicana, o total de formandos na área no mesmo ano foi de 41000, menos da metade do necessário para o país sustentar um crescimento expressivo, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Mesmo com diplomados em maior número, a demanda mexicana absorve rapidamente a todos. Os trinta alunos de engenharia mecânica que se graduam por ano na Universidade Iberoamericana, na Cidade do México, têm uma taxa de contratação de 100%. Melhor de tudo, esses jovens já não dependem do governo para amimar um emprego, como ocorria durante o governo anterior, do PRI.
Na condição ainda de país emergente, o México tem desafios importantes pela frente. Na área econômica, o governo precisará aprovar as reformas fiscal e energética, incluídas nas propostas do Pacto pelo México. A estatal do petróleo Pemex é uma das menos competitivas do setor. Sem investimentos suficientes em exploração, a produção caiu de 3 milhões de barris diários em 2000 para 2,5 milhões em 2012. Ao mesmo tempo, o número de empregados da empresa passou de 132000 para mais de 150000. “Perto da Pemex, a Petrobras parece o melhor dos mundos. Claro que não é assim. Deveríamos ter a colombiana Ecopetrol, que não é monopolista, como modelo”, diz Juan Pardinas, diretor do Instituto Mexicano para a Competitividade. O narcotráfico também está na lista de problemas, mas um pouco apagado. Ao contrário do presidente Felipe Calderón, do PAN, que entre 2006 e 2012 centrou sua política nesse tema, Peña Nieto optou por fazer menos barulho em torno do assunto, sem deixar de combater as gangues. Como a questão não será resolvida em seis anos, dar ênfase a ela seria um tiro no pé.
O aumento da renda, que no México não foi acompanhado pela alta no custo de vida, levou mais da metade da população a integrar a classe média. É um público menos propenso ao discurso da vitimização, em que os pobres são usados como justificativa para minar as qualidades do mercado. A adesão a essas ideias ainda é grande nas cidades do sul, distantes dos Estados Unidos e, portanto, menos desenvolvidas. Em 2006, o candidato de esquerda Andrés Manuel López Obrador, do PRD, popular no sul, ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais. No último pleito, viu seu apoio cair 4 pontos porcentuais. Os movimentos armados no sul também silenciaram. Em 1994, o autointitulado subcomandante Marcos liderou o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), da região de Chiapas, num levante contra o Nafta, o acordo de livre-comércio da América do Norte. Na confusão, o EZLN chegou a tomar a cidade histórica de San Cristóbal de las Casas. O mascarado foi identificado como Rafael Sebastián Guillén Vicente, de Tamaulipas, um estado desenvolvido do norte, que estudou filosofia na universidade e migrou para o sul. Mais por marketing revolucionário do que por necessidade, ele continua usando a balaclava preta e virou uma figura mais folclórica do que influente. Marcos e seus mascarados tornaram-se obsoletos. No início deste ano, ele disse que divulgará uma “série de iniciativas de caráter civil e pacífico”. Os mexicanos, animados com as promessas da economia de mercado, não aceitariam outra coisa.
Feliz em casa
A estudante mexicana de desenho industrial Alejandra Rion, de 20 anos (à direita, na frente), com as amigas de curso na Universidade Iberoamericana, na Cidade do México. A nova geração não pensa em cruzar a fronteira em busca de trabalho nos Estados Unidos. Animadas com a expansão da indústria nacional, elas querem trabalhar em solo mexicano. A demanda pelo curso de design aumentou 30% nos últimos dois anos. Alejandra interessou-se pela versatilidade da profissão. “É uma carreira que nos permite atuar numa infinidade de setores da economia, e tem muitas ofertas de emprego”, diz.
Para a inveja do Brasil
No dia 14 de março, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgou na Cidade do México a edição de 2013 de seu Relatório de Desenvolvimento Humano. O México conquistou a 61ª posição no ranking que calcula a qualidade de vida em 187 países. Com um índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,775 – sendo 1 o máximo –, o país está 24 posições à frente do Brasil, com um IDH de 0,730. O Pnud citou entre os méritos mexicanos a elevada expectativa de vida (77 anos, contra 73 dos brasileiros), o aproveitamento dos mercados mundiais e a inovação nas políticas sociais. “Nosso país teve melhoras nas três dimensões básicas do desenvolvimento humano: uma vida longa e saudável, acesso ao conhecimento e um nível de vida digno”, disse o presidente mexicano Enrique Peña Nieto, que esteve presente e discursou no evento.
Para não passar vergonha em escala global, o governo brasileiro imediatamente contestou o relatório. Alegou que as estatísticas usadas para a definição do IDH estavam defasadas. O órgão da ONU refez docilmente as contas e divulgou que o novo índice, usando outros valores, seria de 0,754, o que permitiria ao Brasil avançar dezesseis posições, ficando no mesmo patamar do Cazaquistão (690), mas ainda longe do México. A manobra de última hora, contudo, não alterará o ranking. Para que isso fosse feito de forma justa, os dados de todos os demais países também teriam de ser atualizados. Melhor é acreditar que não há mesmo razão para socorrer o ego dos nossos funcionários. No IDH, o Brasil está na mesma posição da Jamaica, logo acima da ex-soviética Armênia e do Equador. Resta-nos invejar os mexicanos.
-------------------------------
Faltou um detalhe na reportagem
No endereço da internet do HDR (Human Development Report), percebe-se que o México possui IDH bastante superior ao Brasil desde 1980, e que o Brasil melhorou o índice mais que o México de lá para cá.
Em 1980, o México tinha IDH de 0,598 e do Brasil 0,522 diferença de 0,076
Em 2000, o México tinha IDH de 0,723 e do Brasil 0,669 diferença de 0,054
Em 2012, o México tinha IDH de 0,775 e do Brasil 0,730 diferença de 0,045
De 1980 até 2000:
- O México avançou o IDH 0,177
- O Brasil avançou a IDH 0,208
Como se percebe, o Brasil está se aproximando do México e continua se desenvolvendo um pouco mais rápido que os mexicanos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário