sexta-feira, 31 de maio de 2013

10 sinais de honestidade intelectual - por Mike Gene

10 sinais de honestidade intelectual - por Mike Gene

Quando se trata de praticamente qualquer assunto, parece que o discurso público sobre a internet é dominada pela retórica e propaganda. As pessoas ou estão vendendo produtos ou ideologia. Na verdade, só porque você pode se deparar alguém calmo e com conhecimento não significa que você deve baixar a guarda e confiar no que dizem. O que você precisa é olhar para um histórico de honestidade intelectual. Permitam-me, portanto, propor 10 sinais de honestidade intelectual.

1. Não exagere a importância dos seus argumentos. Seu senso de convicção deve ser proporcional ao nível de evidências claras à disposição de todos. Pintar seus oponentes como estúpidos ou desonestos apenas por discordar é um sinal de desonestidade intelectual. Honestidade intelectual é frequentemente associada com humildade, não arrogância.

2. Mostre a disposição em reconhecer publicamente que pontos de vista alternativos existem. Não precisam ser tratadas como igualmente válidas, mas raro é o caso em que um, e apenas um ponto de vista tem completo monopólio face à razão e evidência.

3. Esteja disposto a reconhecer publicamente suas próprias conjecturas e preconceitos. Todos nós dependemos de algumas suposições quando aplicamos nossa visão de mundo aos dados que dispomos, e todos trazemos alguma parcialidade a isso.

4. Esteja disposto a reconhecer onde seu argumento é fraco. Quase todos os argumentos têm seus pontos fracos, mas aqueles que tentam vendê-los como ideologia tem grande dificuldade em lidar com isso e preferem ocultar ou diminuir a importância dessas fraquezas.

5. Esteja disposto a reconhecer quando está errado. Aqueles tentando convencer de um argumento com retórica têm grande dificuldade em admitir estar errados, já que isso arruína a credibilidade e a eficácia da sua retórica. Você ganha alguns pontos por admitir estar errado em questões triviais, e muitos por admitir estar errado em algo importante. Em compensação você sempre perde muito por deixar de admitir estar errado em algo trivial.

6. Demonstre consistência. Um sinal claro de desonestidade intelectual é quando alguém usa de hipocrisia.

7. Dirija-se ao argumento, não à pessoa fazendo o argumento. Ad Hominem é outro sinal claro de desonestidade intelectual, mesmo quando dá-se de forma sutil ou aparentemente inocente.

8. Não distorça o argumento que está respondendo. Uma tática comum dos intelectualmente desonestos é apresentar o argumento do oponente de forma distorcida, usando de citações fora de contexto, paráfrases, etc. Ao responder um argumento, alguém deve mostrar sinais de ter feito um esforço sério para primeiro entendê-lo e representar acuradamente a intenção do autor.

9. Tenha pensamento crítico.

10. Esteja disposto a reconhecer publicamente quando um ponto ou crítica é válido. Se alguém mostra-se incapaz ou indisposto a admitir quando o oponente tem razão, isso demonstra uma indisposição em participar da troca que caracteriza um debate honesto.

fonte - http://designmatrix.wordpress.com/2010/03/04/ten-signs-of-intellectual-honesty/

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quinta-feira, 30 de maio de 2013

"Como Ler Livros" - Palestra de José Monir Nasser

A cultura brasileira ficou mais pobre neste mês de março de 2013.
Morreu em Curitiba, aos 56 anos, o professor José Monir Nasser, autor do livro “A Economia do Mais” e realizador do programa “Expedições ao Mundo da Cultura”.


Crônica em homenagem ao professor José Monir Nasser
25/03/2013
Por Paulo Briguet/Gazeta do Povo

José Monir Nasser, que morreu no dia 16 de março, em Curitiba, foi o pai intelectual de um sem-número de pessoas. Empresários, estudantes, professores, economistas, profissionais liberais, presidentes de entidades, jornalistas – todos se tornavam alunos diante dele. Era um educador no sentido verdadeiro da palavra, se pensarmos que a palavra educar vem do latim ex ducare, conduzir para fora. Suas aulas sobre literatura, filosofia e desenvolvimento econômico literalmente conduziam os ouvintes para fora da caverna da ignorância, mostrando-lhes a luz pura e espiritual do conhecimento. Luz que emanava dos grandes clássicos: Aristóteles, Platão, Santo Agostinho, Boécio, Dante, Shakespeare, Dostoievski, Kafka, Chesterton.

Virgílio de tantos pequenos Dantes, que antes de conhecê-lo não conheciam a comédia das próprias vidas, ele comprovou que o mundo da criação literária e o mundo da criação de riquezas não estão separados, mas fazem parte de um mesmo princípio, essencialmente espiritual. Uma de suas frases – e ele era um frasista genial – ilustra esse pensamento: “Uma sociedade não pode ser rica antes de ser inteligente. Não pode existir uma economia realmente sólida e desenvolvida sem que haja uma elite cultural voltada para os bens espirituais, capaz de guiar, julgar e interpretar os esforços da comunidade”.

Era um crítico impiedoso do sistema educacional brasileiro – esse mesmo sistema que dá nota máxima a redações com erros primários de ortografia e concordância. Em uma de suas palestras, sentenciou: “O que chamamos de educação é, na verdade, ensino. E esse ensino não passa de uma distribuição de promoções sociais em forma de diplomas, na qual ninguém acha que vai aprender coisa alguma”.

Um padre amigo costuma dizer que a vida humana é sustentada por dois pulmões: a fé e a cultura. Monir sabia muito bem disso. No sábado passado, uma empresária aluna (ele não tinha “ex-alunos”) lembrou-se de um episódio em que se queixava ao professor das dores e dramas da vida cotidiana. Monir respondera à empresária, com um sorriso: “Neste mundo não vamos encontrar a tranquilidade. A paz definitiva só existe no Céu”.

Minutos depois de a aluna ter recordado esse episódio, José Monir Nasser fez a sua passagem definitiva. Deixou muitos órfãos – inclusive o autor destas linhas, que nunca o encontrou pessoalmente, mas leu e ouviu suas palavras de mestre.

Obrigado, professor Monir.
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Palestra proferida por José Monir Nasser na É Realizações, marca a volta do livro de Mortimer J. Adler ao deficiente mercado editorial brasileiro.



Tem esta apresentação em http://fernandonogueiracosta.files.wordpress.com/2010/12/como-ler-livros.pdf que trata do tema também.

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Até que enfim, por Olavo de Carvalho

Até que enfim
Por Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 21 de setembro de 2011  

A mídia brasileira sempre acaba descobrindo as coisas. Basta esperar umas quantas décadas, e você, já maduro ou velhinho, recebe a informação vital que poderia ter mudado o seu destino se lhe chegasse na juventude.

Quem primeiro me falou de Roger Scruton, no início dos anos 90, foi Daniel Brilhante de Brito, o brasileiro mais culto que já conheci. Citei o filósofo inglês em 1993, em A Nova Era e a Revolução Cultural, antevendo – nada é mais fácil neste país – que sua obra dificilmente chegaria ao conhecimento dos nossos compatriotas. Decorridos sete anos, o Dicionário Crítico do Pensamento da Direita, pago com dinheiro do governo à fina flor da esquerda falante – 104 intelectuais que prometiam esgotar o assunto –, ainda exibia despudoradamente a total ignorância universitária de um autor que, àquela altura, já era tido no seu país e nos EUA como um dos mais vigorosos homens de idéias no campo conservador (v. http://www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm). Só se pode alegar como atenuante o fato de que não haviam excluído Roger Scruton por birra pessoal. Ao contrário, eram rigorosamente democráticos na distribuição da sua ignorância: desconheciam, por igual, Ludwig von Mises, Friedrich von Hayek, Murray Rothbard, Russel Kirk, Thomas Sowell, Bertrand de Jouvenel, Alain Peyrefitte e praticamente todos os demais autores sem os quais não existiria nenhum “pensamento da direita” para ser dicionarizado. Uma breve consulta ao popular Dictionary of American Conservatism, publicado três anos antes, teria bastado para dar àqueles cavalheiros a informação mínima que lhes faltava sobre o assunto em que pontificavam, mas provavelmente as verbas federais com que encheram os bolsos não bastaram para comprar um exemplar.

Voltei a falar de Scruton, à base de uma vez por ano, de 1999 até 2008. Em vão. Durante muito tempo vigorou nas redações de jornais e nas universidades o mandamento comunista de Milton Temer, “O Olavo de Carvalho não é para ser comentado” (v. http://www.fazendomedia.com/fm0023/entrevista0023.htm), que o zelo dos discípulos estendia aos autores citados nos meus artigos. Alguns, é claro, liam esses autores em segredo, como quem se escondesse no banheiro com um livreto de Carlos Zéfiro. Mas esperavam, para comentá-los, que o tempo apagasse toda associação entre aqueles nomes e a minha pessoa. Assim transcorreu o prazo de uma geração.

Imagino o que teria sido a vida de milhares de estudantes brasileiros se lessem, logo que publicado em 1985, o hoje clássico Thinkers of the New Left. Naquela época, o marxismo já estava cambaleante, mas as idéias da “Nova Esquerda”, que prometiam injetar-lhe vida nova, estavam acabando de aterrissar na taba. Se Antonio Gramsci e Louis Althusser já eram estrelas nos céus acadêmicos tabajaras, outros, como Michel Foucault e Jürgen Habermas, mal haviam desembarcado, e outros ainda, como Immanuel Wallerstein e E. P. Thompson, ainda eram vagas promessas de novos deslumbramentos que só na década de 90 iriam espoucar ante os olhos ávidos da estudantada devota. A cada um desses autores Scruton consagrava modestas oito ou dez páginas que os reduziam ao estado de múmias, fazendo jus àquilo que mais tarde se diria de outro filósofo conservador, o australiano David Stove (também desconhecido nestas plagas): “Ele não faz prisioneiros. Escreve para matar.”

Se alguma longínqua esperança na recuperação da dignidade intelectual marxista ainda restava na minha cabeça de esquerdista desencantado, foi sobretudo esse livro que a exorcizou. Uma tradução brasileira dele teria feito bem a muita gente. Talvez tivesse até debilitado a fé de Milton Temer no monopólio esquerdista da racionalidade, poupando-o do vexame de continuar carregando essa cruz nas suas costas vergadas de septuagenário.

Foi para impedir essa tragédia que a elite esquerdista dominante nos meios universitários e editoriais não só se absteve de ler livros conservadores como também tomou todas as providências para que ninguém mais os lesse. Não que agisse assim por um plano deliberado. Não: essa gente pratica a exclusão e a marginalização dos adversários com espontânea naturalidade. A regra leninista de que não se deve conviver com a oposição, mas eliminá-la, incorporou-se na sua mente como uma segunda natureza, e desde que a esquerda tomou o poder neste país tornou-se um hábito generalizado e corriqueiro suprimir as vozes discordantes para em seguida proclamar que elas não existem.

Por isso é que só agora o indispensável Roger Scruton chega ao conhecimento do público brasileiro, por iniciativa das páginas amarelas da Veja de 21 de setembro, onde ele diz o que todo mundo pensa mas não tem meios de dizer em voz alta. Exemplos:

1) Os arruaceiros de Londres não são pobres excluídos. São meninos mimados, sustentados pela previdência social, que se acostumaram à idéia de que têm todos os direitos e nenhuma obrigação.

2) Nenhum país pode suportar um fluxo ilimitado de imigrantes sem integrá-los na sua cultura nacional.

3) Toda a ideologia de esquerda é baseada na idéia imbecil da “soma zero”, onde alguém só pode ganhar alguma coisa se alguém perder outro tanto.

4) Marx, Lênin e Mao pregaram abertamente a liquidação violenta de populações inteiras, mas a esquerda fica indignada quando lhes imputamos a culpa moral pelas conseqüências óbvias da aplicação de suas idéias, mas se um conservador escreve uma palavrinha contra os excessos da imigração forçada, é imediatamente acusado de fomentar crimes contra os imigrantes.

5) A União Européia é inviável. O euro, paciente terminal, que o diga.

6) A esquerda sente a necessidade de sempre explicar tudo em termos de culpados e vítimas, mas, como cada explicação desse tipo logo se revela insustentável, é preciso buscar sempre novas vítimas para que as ondas de indignação se sucedam sem parar, alimentando a liderança revolucionária que sem isso não sobreviveria uma semana. A primeira vítima oficial foram os proletários, depois os índios, os negros, as mulheres, os jovens, os gays e agora, finalmente, a maior vítima de todas: o planeta. Em nome da salvação do planeta, supostamente ameaçado de extinção pelo capitalismo, é lícito matar, roubar, seqüestrar, incendiar, ludibriar, mentir sem parar e, sobretudo, gastar dinheiro extorquido dos malvados capitalistas por meio do Estado redentor.

Em todos esses casos, é historicamente comprovado que a situação das alegadas vítimas, sob o capitalismo, jamais parou de melhorar, na mesma medida em que piorava substancialmente nos países socialistas, mas a mentalidade esquerdista tem a tendência compulsiva de sentir-se tanto mais indignada com os outros quanto mais suas próprias culpas aumentam. É o velho preceito leninista: Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é.

A par da sua obra propriamente filosófica, de valor inestimável para os estudiosos, Scruton tem dito essas coisas, de uma verdade patente, há muitas décadas e com uma linguagem ao mesmo tempo elegante e ferina que desencoraja o mais inflamado dos contendores.

Espero que a entrevista da Veja desperte a atenção dos leitores para os livros desse autor imprescindível.

A respeito do item 6, convém acrescentar aqui uma informação de que talvez o próprio Scruton não disponha, mas que vem mostrar o quanto ele tem razão. Nos anos 50, grupos globalistas bilionários – os metacapitalistas, como os chamo, aqueles sujeitos que ganharam tanto dinheiro com o capitalismo que agora já não querem mais se submeter às oscilações do mercado e por isso se tornam aliados naturais do estatismo esquerdista – tomaram a iniciativa de contratar algumas dezenas de intelectuais de primeira ordem para que escolhessem a vítima das vítimas, alguém em cuja defesa, em caso de ameaça, a sociedade inteira correria com uma solicitude de mãe, lançando automaticamente sobre todas as objeções possíveis a suspeita de traição à espécie humana. Depois de conjeturar várias hipóteses, os estudiosos chegaram à conclusão de que ninguém se recusaria a lutar em favor da Terra, da Mãe-Natureza. Foi a partir de então que os subsídios começaram a jorrar para os bolsos de ecologistas que se dispusessem a colaborar na construção do mito do planeta ameaçado pela liberdade de mercado. As conclusões daquele estudo foram publicadas sob o título de Report from Iron Mountain – a prova viva de que o salvacionismo planetário é o maior engodo científico de todos os tempos. O escrito foi publicado anonimamente, mas o economista John Kenneth Galbraith, do qual não há razões para duvidar nesse ponto, confirmou a autenticidade do documento ao confessar que ele próprio fizera parte daquele grupo de estudos e ajudara a redigir as conclusões.

fonte - http://www.olavodecarvalho.org/semana/110921dc.html

Devotos de um vigarista, por Olavo de Carvalho


 

A Folha de S. Paulo perguntou, meses atrás, a quatro dos seus mais típicos mentores por que ainda é importante ler Karl Marx. Nenhum deles deu a resposta certa: porque ninguém pode ignorar, sem grave risco, as ideias que mataram mais seres humanos do que todos os terremotos, furacões, epidemias e desastres aéreos do último século, mais duas guerras mundiais. 
 
Infringindo a regra elementar do próprio Marx, de que a verdadeira substância de uma ideia é sua prática e não sua mera formulação conceitual, três deles mostraram enxergar o marxismo como pura teoria, separada da ação que exerceu no mundo, e incorreram no delito de "formalismo burguês", o mais abominável para um cérebro marxista. Eu não tomaria aulas de marxismo com esses sujeitos nem se eles me pagassem.
 
O quarto, prof. Delfim Netto, na ânsia de redimir-se ante a intelectualidade esquerdista do pecado de ter servido à ditadura militar, caprichou no hiperbolismo e atribuiu a Karl Marx o dom da eternidade, que numa perspectiva marxista não faz o menor sentido.
 
O prof. José Arthur Gianotti recomendou reler Marx cuidadosamente, porque "sua concepção da história foi adulterada, por ter sido colada, sem os cuidados necessários, a um darwinismo respingado de religiosidade."
 
Adulterada? Colada? Nenhum dos continuadores de Marx revelou tanta dívida intelectual para com Charles Darwin quanto o próprio Karl Marx, que declarou ser sua filosofia nada mais que a interpretação darwinista 
 
da História e só não dedicou O Capital ao autor de A Origem das Espécies porque este não permitiu. Quanto à tonalidade religiosa, ou pseudo-religiosa, ela é mais do que notável nos Manuscritos de 1944 e ressoa em cada linha das verberações proféticas anticapitalistas espalhadas ao longo de toda a obra de Marx. O prof. Gianotti é que quer separar artificialmente aquilo que nasceu junto. "Reler cuidadosamente"? Não é preciso. Bastaria ter lido.
 
Mas o mais cômico dos quatro foi o sr. Leandro Konder, que intelectualmente já saiu do mundo dos vivos há três décadas e não precisaria ter abandonado seu estado de animação suspensa para confirmar, na Folha, aquilo que ele já provou centenas de vezes: sua prodigiosa incultura, seu total desconhecimento dos assuntos em que opina.
 
Disse ele: "Os grandes pensadores são grandes porque abordam problemas vastíssimos e o fazem com muita originalidade. 
 
A perspectiva burguesa, conservadora, evita discuti-los. E é isso o que caracteriza seu conservadorismo."
 
Os conhecimentos que não só ele pessoalmente, mas toda a corriola de mentecaptos marxistas deste País tem daquilo que ele chama "perspectiva burguesa" podem ser avaliados pelo Dicionário Crítico do Pensamento da Direita, em que 104 dessas criaturas ridículas se encheram de dinheiro público para dar um show de ignorância como nunca se viu no mundo. 
 
 
Essa gente simplesmente não estuda os pensadores que parecem antipáticos ao seu partido. Adivinha ou cria suas ideias à distância, partindo de fofocas, piadas, fantasias preconcebidas e lendas urbanas que constituem, no seu ambiente mental provinciano, a única bibliografia requerida para quem deseje pontificar a respeito. Se fazem isso comigo, que tenho uma obra publicada relativamente escassa, por que não o fariam com os autores de muitas dezenas de volumes, como Leibniz, Husserl, Voegelin ou o nosso Mário Ferreira dos Santos?
 
A um boboca que desconhece tudo aquilo que despreza, é forçoso que o horizonte de problemas pensado por Karl Marx pareça, em comparação com o nada, "vastíssimo". Mas Marx, em verdade, pensou num único problema: a luta de classes. Todos os outros conceitos da sua filosofia foram recebidos prontos, como os de dialética, de alienação ou de comunismo, ou são apenas afirmados sem discussão crítica, como o próprio "materialismo dialético", ou derivam da luta de classes por mero automatismo, como os de ideologia, superestrutura etc. 
 
Longe de ampliar o horizonte dos problemas filosóficos, o que Marx fez foi restringi-lo com um dogmatismo acachapante, instituindo aquilo que Eric Voegelin caracterizou como "proibição de perguntar".
 
Já nem falo dos grandes problemas clássicos como o fundamento do ser, o sentido da existência, o bem e o mal, etc. Nem o próprio conceito de "valor", essencial na sua economia, ele discute. Postula-o no começo de O Capital e segue adiante, sem notar que disse uma tremenda asneira.
 
Comparado ao de Leibniz, de Aristóteles ou de Platão, o horizonte de problemas de Marx é deploravelmente pobre. Sua cultura literária é a de um professor de ginásio, seus conhecimentos de história da pintura, da arquitetura e da música praticamente nulos, suas noções de teologia não fazem inveja a um seminarista. 
 
Pergunto-me, por exemplo, qual a relevância do pensamento de Karl Marx para as ciências biológicas, para a física, para as matemáticas. Zero. A breve incursão do seu amigo Engels nesses domínios foi um vexame espetacular.
 
Em matéria de ética, então, o tratamento que Marx dá ao problema da felicidade humana é decerto o mais besta, o mais grosseiro de todos os tempos: tomemos o dinheiro da burguesia e todos serão felizes. Enfeitado o quanto seja, o argumento é esse. 
 
Só por esse detalhe o homem já mereceria o adjetivo com que o resumiu Eric Voegelin: "Vigarista".
 
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
 
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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Professor da UFMS defende fim de cursos "formadores de bichonas"

Um professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) causou polêmica ao publicar, em seu perfil do Facebook, uma mensagem em que chama os homossexuais de "viados" e defende o fechamento de "cursos de gente colorida" e "formadores de bichonas".

http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/05/27/professor-da-ufms-defende-fim-de-cursos-formadores-de-bichonas.htm

Um amigo faz um comentário pelo facebook e daí até uma amiga da sua singela contribuição. Vejam a seguir:


JFAH - Triste, ainda mais vindo de um professor!!!!

Lamartine - Sem comentários... uns podem escrever o que quiserem mas... sem direito a revide. Grande democracia esta.

JFAH - Me poupe José Lamartine Neto.............

JFAH - Democracia não dá o direito a ninguém de usar de violência. Violência como deve ter estudado em psicologia também se manifesta de forma verbal. Teu radicalismo Lamartine me deixa ......

Lamartine - De que radicalismo voce tá falando JFAH? É disso que estou falando. Hoje não se pode mais ser contra às ditas minorias que logo é taxando logo de radical, homofóbico, machista, reacionário, etc. Você nunca se perguntou sobre o significado de liberdade de expressão? Como disse Henry J. Hyde "Liberdade de expressão não existe se não tolerar os discursos que odiamos". E isso serve aos dois lados.

CL - Acho engraçado que pessoas esclarecidas ainda acha que por estar em uma democracia é dado o direito de falar da vida do outro. Liberdade de expressão é poder falar a merda o que bem entender mesmo que seja para propagar o ódio, a segregação, o preconceito e a violência ? Realmente é cada um que leio que não me assusta mais nada. Um educador deveria se preocupar muito mais com o próximo e não com o CU alheio.

Lamartine - É isso... tomamos estas causas como nossas, somos responsáveis por tudo, somos os salvadores dos despossuídos, somos massa. E nos irritamos com nossos velhos amigos, nos indispomos e não percebemos que por dentro também somos tão intolerantes quanto àqueles a quem criticamos. E também porque não aprendemos a conviver com o diferente. Falamos da diversidade mas na prática, na real mesmo, o diferente tem que ser igual se não, não serve, principalmente no discurso. A opinião alheia e contrária deve ser destruída, humilhada, desmoralizada porque na prática gostamos é da igualdade homogeneizada num liquidificador de discursos. EU NÃO. EU NÃO GOSTO DA IGUALDADE. GOSTO É DA DIFERENÇA, MESMO NÃO CONCORDANDO COM ELA.

domingo, 26 de maio de 2013

Marcha das Vazias, por Mirian Macedo


quinta-feira, 31 de maio de 2012

   

     Quarenta nos atrás, revolucionário de esquerda chamava 'isto' aí de decadência burguesa. Na década de 70, desbunde como a Marcha das Vadias seria visto pelo pessoal engajado como coisa de burguesinha alienada, privilegiada, desocupada e condenada à extinção (física, em muitos casos) quando florescesse e se realizasse o reino da verdadeira liberdade: o socialismo.

     Quem não se lembra do escárnio com que os comunistas se referiam aos desbundados, aqueles pequenos ratos burgueses que abandonavam a luta pelo socialismo e se rendiam à alienação das drogas, do sexo livre e do rock'n roll?

     Hoje, é revolucionário pedir a legalização das drogas e praticar o sexo livre (promíscuo, é a palavra). Ou seja, para a mentalidade revolucionária as idéias não têm nenhuma importância. 




       Defender hoje o que combatiam ontem é mera conveniência do projeto de poder totalitário que os guerreiros pelo socialismo querem implantar no mundo (saibam ou não disto os 'companheiros de viagem' e inocentes (in)úteis da história).
  
     Vamos falar claro: não são as idéias que não prestam, quem não vale nada é o próprio revolucionário. Não se pode aceitar discutir 'idéias' com qualquer um deles, seria conceder-lhes o status de interlocutores. Não o são, revolucionário é um sujeito que não defende idéias, o seu projeto é destruir o mundo. Ele não aceita a realidade, qualquer uma.
     

     Antes, as feministas acusavam o 'sistema' de oprimir a mulher, que era obrigada a tornar-se vadia por rejeição da família e para servir de objeto sexual dos machistas chauvinistas. Agora, o must é ser vadia, prostituta virou profissional do sexo, tem registro do Ministério do Trabalho e grife Daspu.

     O que um revolucionário fala é desmentido pela realidade que está à sua frente, é negado pelo que ele está fazendo naquele momento. Não porque o revolucionário não perceba a incoerência, o desvio. Não! A intenção é exatamente esta, praticar a inversão para transformar o mundo em 'algo jamais visto', nas palavras do satânico chefe da seita, Karl Marx.




     Quer ver? Basta olhar a Marcha das Vadias: a passeata está coalhada de crianças. Mas, convenhamos, só por delírio uma pessoa que diz defender o direito da criança à inocência e que é contra a sua exploração como objeto sexual decide levar o próprio filho (filha, em sua maioria) à Marcha das Vadias, em que mulheres com roupa, atitude e discurso de vagabundas se orgulham de serem vadias, putas e sapatonas. Mulheres de vida fácil, isto sim.

     Agora, experimenta dizer a estas vagabundas (elas não se ofendem de serem assim chamadas, por supuesto)que criança pode, sim, levar palmadas dos pais, para sua educação e disciplina. Avançarão sobre quem o disser com unhas e dentes, berrando Violência! Mas consideram prova de amor pedagógico levar esta mesma criança ao circo de horrores, depravação, vulgaridade e indução à promiscuidade, exatamenteo o que é a Marcha das Vadias.

     Hoje, a inversão é norma. Todo mundo sabe que mulher 'vadia' não é coisa que preste. E ficamos todas nós a gritar que somos vadias? Ninguém mais acredita nos seus próprios olhos.

     É assim que funciona a mente revolucionária, Hoje e ontem, aqui e em Cuba. Quando tomou o poder, Fidel Castro pôs na cadeia e mandou para el paredón dezenas de centenas de homossexuais, porque o seu comportamento era 'anti-revolucionário'. Cinquenta anos depois, o mesmo comportamento é aceito, até louvado. 

     Fidel pediu desculpas: "eu errei". Lorota, ele não acha que errou, acha que estava certo lá atrás e acha que está certo agora. Se for do interesse do projeto revolucionário voltar a perseguir, encarcerar e matar homossexuais, isto será feito. Se, daqui a algum tempo, as 'vadias' não mais interessarem elas serão 'oprimidas' e 'reprimidas'.




     Esta mulherada (a maioria é canhão, doida que alguém lhe jogue pelo menos um gracejo na rua) faria melhor se ficasse em casa estudando, lendo, se instruindo. Ainda nos pouparia deste espetáculo grotesco e bizarro de banhas explodindo, peitos caídos, celulite e pneus. 

     Uma amiga de muitos anos, mulher sensível, culta, criativa, nascida em berço aristocrático de tradicional família mineira e hoje uma distinta senhora e avó de muitos netos, cobra de mim ter mudado, de não ser a mesma pessoa que ela conheceu na juventude. Ela lamenta que eu não apóie a Marcha das Vadias.




 
     Eu lhe perguntei se ela se orgulharia de ver suas filhas e netas ao lado de gente que porta cartazes onde se lê "A porra da buceta é minha". Ela não respondeu. Eu respondo: as minhas filhas eu quero em outras companhias. 

     Ter feito e defendido coisa semelhante no passado só aumenta a minha obrigação de lutar contra isto agora. Mudar é próprio de quem pensa, de quem busca a verdade. Hoje, eu prefiro ficar com as palavras de São Paulo: "Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra".

     Marcha das Vadias? Eu e minhas filhas não vamos. Porque não somos.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Classe operária não quer revolução, quer emprego - por Mario Tonocchi

Publicado em Segunda, 13 Maio 2013 22:38
Escrito por Mario Tonocchi


O populismo que domina a América Latina, hoje, é a expressão do fracasso do movimento comunista no mundo. Com o fim do socialismo e da União Soviética, a sobrevivência do radicalismo dos jovens que lutaram contra as ditaduras nos países abaixo do equador, apoiou-se na fórmula de dar à massa de necessitados o que eles precisam para formar sua base eleitoral. Foi o que afirmou ontem o escritor, poeta  e jornalista Ferreira Gullar na palestra O Neopopulismo no Brasil e na América Latina, ontem na  Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Para ele, essa tendência deve acabar no Brasil. 
Para o poeta, não existe, na vida cotidiana brasileira, espaço para ditadura de esquerda como o chavismo, na Venezuela, que tende a acabar com a morte de Hugo Chaves.

"O PT radical não sobreviverá. Terminado o período da ditadura no Brasil, o poder foi disputado por duas correntes de esquerda: a moderada de Fernando Henrique Cardoso e a radical de Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto pregou o radicalismo, Lula sempre perdeu a eleição presidencial. Só ganhou quando se apropriou do discurso moderado de FHC. O povo escolheu a esquerda moderada depois da ditadura. Com o fim do governo Dilma Rousseff, que encampou o populismo da ala radical montado no governo Lula, deve-se fechar um ciclo. O que vem de novo, como o provável candidato à Presidência Eduardo Campos, é a nova geração não ideológica", disse Gullar.

Ele também criticou os apoios que o governo Dilma dá aos governos populistas de esquerda e especialmente ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. "Ele é inqualificável. Mas o fundamental é: o que temos a ver com ele? A Dilma nem sabe quem ele é. O que acontece nessa rede de apoios entre os ditos governos de esquerda, hoje ditaduras ou populistas, é uma tentativa de manter uma tendência comunista que não existe mais no mundo." 

"Essa ligação é a expressão do esquerdismo de araque. A teoria de colocar a classe operária contra a burguesia acabou em colocar o pobre contra o rico", afirmou Gullar.
Ele classificou o capitalismo como algo natural do ser humano. Para ele, a tendência política capitalista é uma criação da humanidade gestada através das gerações. 

O socialismo, por outro lado, é uma criação intelectual e somente por isso durou apenas 100 anos. "Não se pode propor mudar radicalmente tudo o que foi criado pelo homem por centenas de anos." 

Ferreira Gullar lembrou de costumes como, por exemplo, tomar o café da manhã. Para que o consumidor tenha isso em casa, deve existir uma infraestrutura de produção, distribuição e transformação que foi gestada ao longo do tempo.

Para o poeta, estabelecer  lutas entre a classe operária e a burguesia ou os pobres contra os ricos como no Brasil atual, desvia o foco do debate. 

"Uma sociedade justa nunca acontecerá. Não acontecerá porque a natureza não é justa, mas sempre é possível uma sociedade melhor", afirmou o poeta. Também não é justo, segundo o escritor, condenar a classe empresarial como somente um elemento explorador do trabalho das classes trabalhadoras. 

"A classe operária não quer a revolução, quer manter o emprego. O empresário é um intelectual que em vez de fazer poesia faz empresas."



Bichinhos assustados por Olavo de Carvalho

Bichinhos assustados
 
 
Publicado em Quarta, 08 Maio 2013 19:37
 

SXC
De fosse preciso alguma prova suplementar daquilo que escrevi no artigo "A animalização da linguagem", os srs. Nirlando Beirão, Luís Antonio Giron, Paulo Ghiraldelli e mais meia dúzia se apressaram gentilmente a fornecê-la antes mesmo de que o artigo fosse publicado.
Não li ainda o livro do Lobão, O Manifesto do Nada na Terra do Nunca. Mas, por si mesmas, as reações que essas criaturas lhe ofereceram ilustram de maneira exemplar a animalização da linguagem.
A desenvoltura ingênua com que imaginam que basta carimbar um autor como "direitista" para sepultá-lo sob dez toneladas de irrelevância mostra que não usam a linguagem como seres humanos, para representar e analisar o mundo, mas como cães que cheiram os órgãos genitais uns dos outros e, ali reconhecendo instantaneamente o membro do grupo ou o estranho, dão o assunto por encerrado.
 
Isso é a mais alta atividade cerebral de que são capazes.
 
Não se trata, sequer, de catalogação ideológica no sentido em que a praticavam os velhos marxistas, a qual exigia ir além das meras aparências partidárias e investigar se a intenção profunda de uma obra ia na direção do realismo – "humanismo", no sentido de Lukács – ou da negação idealista do processo histórico. 
 
Nessa operação, o direitismo ou o esquerdismo imediatos já não contavam como provas suficientes de uma identidade ideológica, de maneira  que reacionários de marca como Aristóteles, Shakespeare, Dostoiévski e Balzac podiam até ser absorvidos no corpus da doutrina marxista como  seus antecessores e parceiros.
 
Uma vez o poeta Bruno Tolentino sugeriu que os "intelectuais de esquerda" – na época ainda existiam alguns – deveriam ler meus livros com esse espírito. Se o fizessem, teriam algumas surpresas e algum ganho. Mas eles todos já morreram. O que sobrou foram os farejadores de genitais, que ao primeiro sinal de uma presença hostil já saem correndo para dar o alarma ao resto da matilha e, feito isso, julgam que cumpriram o mais sublime dos deveres intelectuais.
 
As categorias interpretativas em que baseiam seus diagnósticos não têm nada a ver com teoria marxista ou com qualquer tipo de pensamento filosófico reconhecível. São estereótipos de histórias em quadrinhos, filmes de aventuras e conversas de botequim. 
 
O sr. Giron, por exemplo, cataloga-me "à direita de Átila, o Huno" e sai todo pimpão, congratulando-se do símile originalíssimo. Nada mais significativo da mentalidade de um falante do que a fonte de onde extrai suas figuras de linguagem. Átila, historicamente, foi o líder das massas bárbaras que, por onde passavam, desmantelavam a ordem social imperial. Um revolucionário em toda a linha. No imaginário infantil, porém, ele simboliza apenas o malvadão, donde o sr. Giron, sentindo o cheiro de coisa ruim e espremendo suas cadeias sinápticas até à potência máxima, conclui que deve ter sido um direitista. Dizem que o estilo é o homem. Mas às vezes não chega a ser um homem: é apenas um cãozinho amedrontado.
 
Quanto aos demais, nada tenho a acrescentar à nota que coloquei no Facebook: "Estou impressionado com o número de pessoas que atacam o Lobão por ter lido Olavo de Carvalho – um pecado que elas jamais cometeram e cuja mera possibilidade lhes inspira um horror sacrossanto. No mundo inteiro, quem critica um autor gaba-se de conhecer seus escritos melhor que ninguém. No Brasil, a autoridade de julgá-lo e condená-lo nasce da perfeita e intransigente recusa de ler o que ele escreve. Tento explicar esse fenômeno aos americanos, mas eles acham que estou com gozação."
 
A aliança de uma deprimente inferioridade mental com o instinto exacerbado de autodefesa grupal produziu esse resultado: a absoluta impossibilidade de um debate, de um confronto polêmico, mesmo feroz, entre essas pessoas e um intelecto cujo conteúdo lhes escapa e do qual só podem ter notícia, quando muito, pelos insultos com que o grupo o designa de longe, entre zunzuns cavernosos, risos forçados e juramentos de morte que jamais serão cumpridos.
 
A condição de todo debate, com efeito, é alguma intimidade com a mente do adversário, alguma compreensão das percepções que o levaram à sua visão do mundo. Isso pressupõe a disposição e a coragem de deixar-se permear pela sua influência, confiando na própria força de superá-la depois.
 
Mas quem sobrou vivo entre os "intelectuais públicos" deste país para absorver e, se possível, superar ou contestar o que ensinei em O Jardim das Aflições, em Aristóteles em Nova Perspectiva, em O Futuro do Pensamento Brasileiro, em A Filosofia e seu Inverso e em nada menos de quarenta mil páginas de aulas e conferências transcritas, sem contar uns quinhentos artigos publicados na mídia desde 1998 e os trezentos e tantos  programas de rádio em que traduzi (ou talvez deformei) um pouco do meu pensamento na linguagem do mais acessível esculacho popular?
 
Pode até parecer inacreditável, mas a hipótese de estudar a obra inteira de um autor, mesmo na esperança de demoli-la impiedosamente, já está fora do alcance e da capacidade não só de cada um desses indivíduos, mas até deles todos em conjunto. 
No Brasil a vida intelectual superior, mesmo na sua expressão mais tosca, que é o debate ideológico, acabou. Se nos testes internacionais os nossos estudantes tiram sempre os últimos lugares, não é sem razão: o exemplo vem de cima.
 
Portanto, o conteúdo da minha obra, ou de qualquer outra que pareça detestável, não interessa mais. Basta a rotulagem superficial, passada de pata em pata entre bichinhos assustados para mantê-los a uma profilática distância de uma influência ameaçadora.
 
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia
 
 

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A Economia do céu e do Inferno por Diogo Costa

Por Diogo Costa   
Golden Rule
 
Talvez você já tenha ouvido alguma versão da seguinte parábola:
Um homem é transportado até o inferno e o inferno é um imenso banquete. Carnes e frutas e massas e doces cobrem uma longa mesa de ponta a ponta. Mas espera! Como é que as pessoas sentadas ao redor da mesa estão gemendo de fome? O visitante então repara que todos têm seus cotovelos dobrados para fora de maneira que não conseguem levar os talheres até a boca. Tanta abundância e, ainda assim, tanta aflição, lamenta.
O homem é então levado até o céu. Lá está outra mesa com os mesmos alimentos, e lá estão outras pessoas com os mesmos cotovelos invertidos. Mas no céu todos comem com satisfação, porque cada pessoa alimenta quem está ao seu lado.
Ouvi essa alegoria pela primeira vez da boca de um cantor brasileiro. Caetano, ou Gil talvez Chico, contava essa estória em um dos comerciais da campanha Natal Sem Fome, que passavam na TV em 1994. A mensagem ficou comigo: o abismo entre o paraíso e a danação pode estar numa pequena diferença na forma como as pessoas reagem às mesmas circunstâncias. O inferno é o egoísmo dos outros, o céu é o altruísmo para com os outros.

Quando comecei a estudar economia e liberalismo, passei a rejeitar a parábola como representando o lado negro da ética altruísta. Perdidos na beleza da metáfora, nos esquecemos que aqui na terra os seres humanos foram feitos com cotovelos que se voltam para dentro. Dobrá-los para fora não melhora a vida das pessoas. Os humanitários de TV pareciam querer construir seu céu quebrando nossos cotovelos até que todos sejamos obrigados a servir aos demais sem que ninguém sirva a si mesmo. O cotovelo humano voltado para dentro era apenas mais uma evidência que o ser humano foi feito para servir a si próprio.

O significado parábola só se esclareceu quando fui ler Alexis de Tocqueville. O segundo livro de Democracia na América chama atenção para uma curiosa distinção americana. Enquanto na Europa aristocrática se falava das virtudes do sacrifício desinteressado, nos Estados Unidos democrático, as pessoas combatiam o egoísmo falando da utilidade de doses diárias de pequenos sacrifícios. ”O amor esclarecido por si mesmos”, dizia Tocqueville sobre os americanos, “os leva sem cessar a se ajudar uns aos outros”. Ele chamava essa interseção entre caridade e utilidade de interesse corretamente compreendido. Percebi que céu e inferno na parábola do cotovelo não contrastava altruísmo e egoísmo, mas interesse esclarecido e interesse emburrecido.

Se as pessoas entenderem que o bem estar de seus vizinhos é contrário ao seu próprio bem estar, o interesse próprio pode lhes fazer mergulhar em “vergonhosas misérias”, dizia Tocqueville “com medo de sacrificar algo de seu bem estar à prosperidade de seus semelhantes”. Entender que servir ao próximo constitui parte do seu próprio bem estar firma a sociedade nas bases da cooperação humana.
Em linguagem de escolha racional, podemos dizer que os jogadores do inferno acham que estão em um dilema do prisioneiro. Aos seus olhos, o custo de servir ao próximo parece superar o benefício de ser servido. Uma mera mudança de percepção seria capaz de transformar o equilíbrio da fome infernal no equilíbrio da satisfação celeste. Basta esclarecermos nosso interesse próprio para que um dilema do prisioneiro passe a ser percebido como  um jogo de cooperação.

Ao conjugá-la com o interesse esclarecido de Tocqueville, fui percebendo a profundidade econômica da parábola dos cotovelos. De certa maneira, todos nós humanos temos nossos cotovelos econômicos enrijecidos. Sozinhos, somos capazes de nada. Nem mesmo de fazer um lápis ou uma torradeira. Se tivéssemos que sobreviver em auto-suficiência, a maior parte da população mundial pereceria mais rapidamente que o menino do Into The Wild. É a cooperação econômica com outras pessoas que nos veste, alimenta, educa, e nos permite ver a vida como uma jornada em vez de uma curta agonia.

O fundamento econômico de toda a civilização, de qualquer sociedade humana, é a possibilidade de cooperação, “o fato de que o trabalho efetuado valendo-se da divisão do trabalho é mais produtivo que o trabalho solitário”, como escreveu Ludwig von Mises, “e o fato de que a razão humana é capaz de perceber esta verdade.”

Assim como a efetividade da cooperação não conseguiria existir se houvesse uma inimizade inata, uma inveja insuperável entre as pessoas, também os laços de amizade e o sentimento de empatia que imaginamos existir entre os habitantes do céu metafórico dependiam da possibilidade dos ganhos mútuos da cooperação. Se a escravidão fosse mais produtiva que o trabalho voluntário, as ineficientes sociedades abolicionistas iriam se tornar cada vez vulneráveis à dominação externa. Os abolicionistas de hoje se tornariam os escravos de amahã. A história tem demonstrado o contrário, que a vitória do abolicionismo é em parte uma vitória dos ganhos mútuos da cooperação humana.

A biologia chega às mesmas conclusões quando percebe que a evolução das espécies não é apenas um exercício de competição, como também um alargamento da cooperação. Desde a cooperação entre bactérias que se unem dentro de uma mesma membrana até a cooperação entre vespas que dividem o trabalho entre a rainha e os operário. Os insetos que passaram a cooperar em colônias obtiveram mais sucesso que o resto. O psicólogo Jonathan Haidt explica que apesar dos “insetos coloniais representarem apenas 2% de todas as espécies de insetos, em um curto período de tempo eles dominaram os melhores locais para a alimentação e reprodução, empurraram seus competidores para a margem e mudaram a maioria dos ecossistemas terrestres.”

Da mesma maneira, foram as nações mais cooperativas da terra que acabaram atingindo grau mais alto de prosperidade e influência. Diferente “das sociedades de formigas, abelhas e vespas”, dizia Mises, “o traço característico da sociedade humana é a cooperação propositada.” Nós cooperamos de maneira consciente e deliberada para atingir determinados fins. O progresso econômico depende da expansão de nossa percepção empática e de nossa prática cooperativa. Por isso a expansão cosmopolita da cooperação humana trazida pela globalização é algo tão maravilhoso.

Quanto a assuntos da pauta do dia, a parábola dos cotovelos pode servir para explicar a mentalidade protecionista de uma forma geral, e, em específico, os entraves das tentativas de cooperação multilateral da OMC na rodada de Doha. Nas negociações de abertura econômica internacional, políticos tratam acordos de cooperação internacional como a matriz do dilema do prisioneiro. Não importa se os países estrangeiros abrem ou fecham suas fronteiras à circulação de mercadorias; os governos nacionais sugerem que ‘o meu país sempre se dará melhor se mantiver as barreiras protecionistas’. O Brasil chega até a decidir rever os termos do comércio com o México a partir do momento que as exportações das montadoras mexicanas ultrapassam as nossas. A diplomacia comercial é tão avessa à ideia de permitir que seus países sirvam aos demais que sequer percebem que a única forma para cada país prosperar é receber dos outros aquilo que eles não conseguem produzir a tão baixo custo. Tome Suíça e Chile por exemplo. Os cotovelos suíços não conseguem produzir vinho e os cotovelos chilenos não conseguem produzir relógios. Mas os braços chilenos podem dar vinho aos suíços que lhes recompensam oferecendo-lhes relógios.

Assim como um marxista que vê seu trabalho intelectual como a formação de consciência de classe, o liberal também pode se achar num projeto socrático, de esclarecer às pessoas qual o seu verdadeiro interesse próprio. O mal político vem da ignorância dos que acreditam que seu interesse enquanto indivíduo ou membro de um grupo é irreconciliável aos dos outros indivíduos ou grupos da sociedade. Cabe ao liberal fazê-las perceber que, ao servir aos demais, ela está servindo a si própria; que a bifurcação que separa céu da prosperidade do inferno da pobreza está na diferença que Tocqueville encontrava entre a América e a Europa do seu tempo:
“Não creio, tudo bem pesado, que haja mais egoísmo entre nós do que na América; a única diferença é que lá ele é esclarecido e aqui não. Cada americano sabe quando sacrificar parte de seus interesses particulares para salvar os demais; nós queremos salvar tudo e com frequência pomos tudo a perder.”
Em vez de repetir os clichês daqueles liberais de egoísmo mesquinho, Capitalismo Para Os Pobres propõe expandir a abrangência da empatia e da cooperação humana para que alcancem os mais pobres da sociedade. Os ricos brasileiros não percebem que é do seu interesse que os pobres tenham acesso a trabalho, crédito, comércio, empreendedorismo e consumo. O Capitalismo Para Os Pobres se posiciona contra a atitude exclusivista do brasileiro em acreditar que os imigrantes do nordeste empobrecem as capitais do sudeste, que a inflação é causada pelo maior consumo da classe C, ou que o problema da infraestrutura  brasileira são os pobres comprando carros e passagens aéreas para engarrafar a rua e transformar o aeroporto numa rodoviária.

Enquanto pensarmos na estreiteza desse interesse emburrecido, os pobres continuarão reservados a uma segunda mesa abastecida com as migalhas que caem da mesa dos ricos. Realizar o Capitalismo Para Os Pobres é aumentar o número de cadeiras para que todos, pobres e ricos, alimentem-se do grande banquete da cooperação humana.

fonte  - http://www.capitalismoparaospobres.com/?p=819
 

Santos entre taças de vinho - por Luis Felipe Pondé

Pondé: 'Sem a tensão do pecado, esquerda é pior que o cristianismo'
entrevista de Luiz Felipe Pondé a Jerônimo Teixeira, de Veja

Luiz Felipe Pondé (foto), 52, é um raro exemplo de filósofo brasileiro que consegue conversar com o mundo para além dos muros da academia. Seja na sua coluna semanal na Folha de S.Paulo, seja em livros como o recém-lançado O Catolicismo Hoje (Benvirá), ele sabe se comunicar como o grande público sem baratear suas ideias. Mais rara ainda é sua disposição para criticar certezas e lugares-comuns bem estabelecidos entre seus pares. Pondé é um crítico da dominância burra que a esquerda assumiu sobre a cultura brasileira. Professor da Faap e da PUC, em São Paulo, Pondé, em seus ensaios, conseguiu definir ironicamente o espírito dos tempos descrevendo um cenário comum na classe média intelectualizada: o jantar inteligente, no qual os comensais, entre uma e outra taça de vinho chileno, se cumprimentam mutuamente por sua “consciência social”. Diz Pondé: “Sou filósofo casado com psicanalista. Somos convidados para muitos jantares assim. Há até jantares inteligentes para falar mal de jantares inteligentes. Estudioso de teologia, Pondé considera o ateísmo filosoficamente raso, mas não é seguidor de nenhuma religião em particular. Eis um pensador capaz de surpreender quem valoriza o rigor na troca de ideias.

Em seus ensaios, o senhor delineou um cenário exemplar do mundo atual: o jantar inteligente. O que vem a ser isso?

É uma reunião na qual há uma adesão geral a pacotes de ideias e comportamentos. Pode ser visto como a versão contemporânea das festas luteranas nas Dinamarca do Século 19, que o filósofo Soren Kierkegaard criticava por sua hipocrisia. Esse vício migor de um cenário no qual o cristianismo era base da hipocrisia para uma falsa espiritualidade de esquerda. Como a esquerda não tem a tensão do pecado, ela é pior do que o cristianismo.

Como assim?

A esquerda é menos completa como ferramenta cultural para produzir uma visão de si mesma. A espiritualidade de esquerda é rasa. Aloca toda a responsabilidade do mal fora de você: o mal está na classe social, no capital, no estado, na elite. Isso infantiliza o ser humano. Ninguém sai de um jantar inteligente para se olhar no espelho e ver um demônio. Não: todos se veem como heróis que estão salvando o mundo por andar de bicicleta.

Quais são os temas mais comuns da conversa em um jantar desses?

Filhos são um tema recorrente. Todos falam de como seus filhos são diferentes dos outros porque frequentam uma escola que cobra R$ 2.000 por mês, mas é de esquerda e estuda a sério o inviável modelo econômico cubano. Ou dizem que a filha já tem consciência ambiental e trabalha e uma ong que ajuda as crianças da África. Também se fala sempre de algum filme chatíssimo de que todos fingem ter gostado para mostrar como têm repertório. Mais timidamente, há certa preocupação com a saúde e o corpo. Reciclar lixo, e mais recentemente, andar de bicicleta também são temas valorizados. Sempre se fala mal dos Estados Unidos, mas Barack Obama é um deus. Fala-se mal de Israel, sem conhecer patativa da história do conflito israelo-palestino. Mas, claro, é obrigatório enfatizar que você é antissionista, mas não antissemita, pois em jantar inteligente muito provavelmente haverá um judeu – apesar de serem muitas vezes judeus em crise consigo mesmos, o que é bem típico dos judeus.

Que assuntos são tabus?

Imagine dizer em uma reunião na Dinamarca luterana de Kierkegaard que algumas mulheres são infelizes porque não chegam ao orgasmo. Seria um escândalo. Simetricamente, hoje é um escândalo dizer que as mulheres emancipadas e donas de seu nariz estão mesmo é loucas de solidão. No jantar inteligente, você tem sempre de dizer que a emancipação feminina criou problemas para as mulheres, que os homens aprenderam a ser sensíveis e que uma mulher nunca vai dar um pé no homem que se mostre sensível demais. Os jantares inteligentes misturam cardápios interessantes -- pratos peruanos ou, sei lá, vietnamitas – como papo-cabeça, mas servem à mesma função que os jantares dos pais dessas pessoas cumpriam: passar o tempo. Os problemas amorosos, sexuais e profissionais são os mesmos, mas todos se acham bem resolvidos. Costumo provocar dizendo que há 100 anos se fazia sexo melhor. Tinha mais culpa e pecado, o que deve ser uma excitação tremenda. Hoje, todos mundo diz que tem um desempenho maravilhoso, e que vive uma relação de troca plena com o seu parceiro ou parceira. Eu considero a revolução sexual um dos maiores engodos da história recente. Criou uma dimensão de indústria, no sentido da quantidade, das relações sexuais – mas na maioria elas são muito ruins, porque as pessoas são complicadas.

Quando começaram os jantares inteligentes?

A matriz histórica são os filósofos da França pré-revolucionária. Os saraus, os jantares em casa de condessas e marquesas eram então uma atividade da burguesia, ou de uma aristocracia falida, aburguesada. Eram uma das formas que a burguesia usava para constituir sua identidade, para mostrar que tinha cultura e opiniões. Mas era um grupo de vanguarda, que discutia a fratura e crises do pensamento. Nos jantares de hoje, a inteligência tem a mesma função do vinho chileno.

Não há lugar para um pensamento alternativo nem na hora da sobremesa?

Não. A gente anos de ditadura no Brasil. Mas, quando ela acabou, a esquerda estava em sua plenitude. Tomou conta das universidades, dos institutos culturais, das redações de jornal. Você pode ver nas universidades, por exemplo, cartazes de um ciclo de palestras sobre o pensamento de Trotsky e sua atualidade, mas não se veem cartazes anunciando conferência sobre a crítica à Revolução Francesa de Edmund Burke, filósofo irlandês fundamental para entender as origens do conservadorismo. Não há um pensamento alternativo à tradição de Rousseau, de Hegel e de Marx. Tenho um amigo que é dono de uma grande indústria e cuja filha estuda em um colégio de São Paulo que nem é desses chiques de esquerda. É uma escola bastante tradicional. Um dia, uma professora falava da Revolução Cubana, como se esse fosse um grande tema. Ela citou Che Guevara, e a menina perguntou: “Ele não matou muita gente?” A professora se vira para a menina e responde: “O seu pai também mata muita gente de fome”. O que autorizou uma professora usar esse tipo de argumento é o status quo que se instalou também nas escolas, e não só na universidade. O infantilismo político dá vazão e legitima esse tipo de julgamento moral sumário.

Como essa tendência se manifesta na universidade?

O mundo das ciências humanos, em que há pouco dinheiro e se faz pouca coisa, é dominado pela esquerda aguada. Há muitos corporativismo e a tendência geral de excluir, por manobras institucionais, aqueles que não se identificam com a esquerda. Existe ainda a nova esquerda, para a qual não é mais o proletariado que carrega o sentido da história, como queria Marx. Os novos esquerdistas acreditam que esse papel hoje cabe às mulheres oprimidas, aos índios, aos aborígenes, aos imigrantes ilegais. Esses segmentos formariam a nova classe sobre a qual estaria depositada a graça redentora. Eu detesto política como redenção.

Por que a política não pode ser redentora?

O cristianismo, que é uma religião hegemônica no Ocidente, fala do pecador, de sua busca e de seu conflito interior. É uma espiritualidade riquíssima, pouco conhecida por causa do estrago feito pelo secularismo extremado. Al lado de sua vocação repressora institucional, o cristianismo reconhece que o homem é fraco, é frágil. As redenções políticas não têm isso. Esse é um aspecto do pensamento de esquerda que eu acho brega. Essa visão do homem se responsabilidade moral. O mal está sempre na classe social, na relação econômica, na opressão do poder. Na visão medieval, é a graça de Deus que redime o mundo. É um conceito complexo e fugidio. Não se sabe se alguém é capaz de ganhar a graça por seus próprios méritos, ou se é Deus na sua perfeição que concede a graça. Em qualquer hipótese, a graça não depende de um movimento positivo de um grupo. Na redenção política, é sempre o coletivo, o grupo, que assume o papel de redentor. O grupo, como a história do século 20 nos mostrou, é sempre opressivo.

Em que o cristianismo é superior ao pensamento de esquerda?

Pegue a ideia de santidade. Ninguém, em nenhuma teologia da tradição cristã – nem da judaica ou islâmica --, pode dizer-se santo. Nunca. Isso na verdade vem desde Aristóteles: ninguém pode enunciar a própria virtude. A virtude de um homem é anunciada pelos outros homens. Na tradição católica – o protestantismo não tem santos --, o santo é sempre alguém que, o tempo todo, reconhece o mal em si mesmo. O clero da esquerda, ao contrário, é movido por um sentimento de pureza. Considera sempre o outro como o porco capitalista, o burguês. Ele próprio não. Ele está salvo, porque reclica lixo, porque vota no PT, ou em algum partido que se acha mais puro ainda, como o PSOL, até porque o PT já está meio melado. Não há contradição interior na moral esquerdista. As pessoas se autointitulam santas e ficam indignadas com o mal do outro.

Quando o cristianismo cruza o pensamento de esquerda, como no caso da Teologia da Libertação, a humildade se perde?

Sim. Eu vejo isso empiricamente em colegas da Teologia da Libertação. Eles se acham puros. Tecnicamente, a Teologia da Libertação é, por um lado, uma fiel herdeira da tradição cristã. Ela vem da crítica social que está nos profetas de Israel, no Antigo Testamento. Esses profetas falam mal do rei, mas em idealizar o povo. O cristianismo é descendente principalmente desse viés do judaísmo. Também o cristianismo nasceu questionando a estrutura social. Até aqui, isso não me parece um erro teológico. Só que a Teologia da Libertação toma como ferramenta o marxismo, e isso sim é um erro. Um cristão que recorre a Marx, ou a Nietzsche – a quem admiro --, é como uma criança que entra na jaula do leão e faz bilu-bilu na cara dele. É natural que a Teologia da Libertação, no Brasil, tenha evoluído para Leonardo Boff, que já não tem nada de cristão. Boff evoluiu para um certo paganismo Nova Era – e já nem é marxista tampouco. A Teologia da Libertação é ruim de marketing. É como já se disse: enquanto a Teologia da Libertação fez a opção pelo pobre, o pobre fez a opção pelo pentecostalismo.

O senhor acredita em Deus?

Sim. Mas já fui ateu por muito tempo. Quando digo que acredito em Deus, é porque acho essa uma das hipóteses mais elegantes em relação, por exemplo, à origem do universo. Não é que eu rejeite o acaso ou a violência implícitos no darwinismo – pelo contrário. Mas considero que o conceito de Deus na tradição ocidental é, em termos filosóficos, muito sofisticado. Lembro-me sempre de algo que o escritor inglês Chesterton dizia: não há problema em não acreditar em Deus; o problema é que quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra bobagem, seja na história, na ciência ou sem si mesmo, que é a coisa mais brega de todas. Só alguém muito alienado pode acreditar em si mesmo. Minha posição teológica não é óbvia e confunde muito as pessoas. Opero no debate público assumindo os riscos do niilista. Quase nunca lanço a hipótese de Deus no debate moral, filosófico ou político. Do ponto de vista político, a importância que vejo na religião é outra. Para mim, ela é uma fonte de hábitos morais, e historicamente oferece resistência à tendência do Estado moderno de querer fazer a cura das almas, como se dizia na Idade Média – querer se meter na vida moral das pessoas.

Por que o senhor deixou de ser ateu?

Comecei a achar o ateísmo aborrecido, do ponto de vista filosófico. A hipótese de Deus bíblico, na qual estamos ligados a um enredo e um drama morais muito maiores do que o átomo, me atraiu. Sou basicamente pessimista, cético, descrente, quase na fronteira da melancolia. Mas tenho sorte sem merecê-la. Percebo uma certa beleza, uma certa misericórdia no mundo, que não consigo deduzir a partir dos seres humanos, tampouco de mim mesmo. Tenho a clara sensação de que às vezes acontecem milagres. Só encontro isso na tradição teológica.

> Artigos de Luiz Felipe Pondé  http://integras.blogspot.com/2009/06/artigos-de-luiz-felipe-ponde-para-folha.html

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Uma missionária da educação - Veja entrevista

Entrevista com: WENDY KOPP

André Petry de Nova York

Ela nunca deu aula nem estudou pedagogia, mas lidera uma revolução nas escolas que começou há mais de duas décadas nos EUA e está agora em outros 25 países
 
WENDY KOPP

Quando estava no último ano da Universidade Princeton, Wendy Kopp teve uma ideia que a todos pareceu maluca. Ela se propôs a recrutar alguns dos mais brilhantes universitários recém-formados e colocá-los para dar aula nas escolas mais miseráveis dos Estados Unidos. Apostou-se que ela conseguiria convencer algumas dezenas. Wendy queria 500. Conseguiu 2500. Assim começou o Teach for America, que hoje tem 10.400 professores lecionando para 750.000 crianças americanas.

Com o nome de Ensina!, o programa chegou a outros 25 países, entre os quais Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru. No Brasil, ele emperrou. Na sala onde deu entrevista a VEJA, há uma mensagem na parede: "Acredite nas suas ideias malucas".

A senhora já disse que, se tivesse experiência em educação, não teria criado o Teach for America. Por quê? 
Wendy Kopp: Quando estava me formando em Princeton, no fim dos anos 80, sentia uma urgência em criar algo como o Teach for America. Acho que esse sentimento era nutrido pela minha ingenuidade e inexperiência. Eu não sabia o que era impossível, e toquei em frente. Se soubesse, talvez não tivesse feito o que fiz.

Os universitários que aderem ao programa também são movidos por certa ingenuidade? 
Wendy Kopp: Sempre digo que precisamos deles agora, já, quando ainda são capazes de fazer, entre aspas, perguntas malucas, quando ainda são capazes de perseguir aquilo que outros julgam impossível. É ilusão achar que eles podem pegar o diploma, fazer carreira e depois voltar para dar aula aos pobres. Não é assim que funciona.

De onde veio o modelo de recrutar os melhores formandos e despachá-Ios para as escolas pobres por dois anos? 
Wendy Kopp: Na minha época de faculdade, o pessoal de Wall Street [centro financeiro dos Estados Unidos] batia à porta dos universitários mais brilhantes para convencê-los a trabalhar por dois anos no mercado financeiro. Eram agressivos no recrutamento. Talvez por isso nossa geração era chamada de "geração eu", porque, aparentemente, só estávamos preocupados em enriquecer. Eu percebia que essa caracterização era equivocada. O clima nas universidades era outro, as pessoas estavam em busca de algo significativo, transformador. Então, pensei em recrutar os melhores, exatamente como Wall Street, e convidá-los a passar os primeiros dois anos fora da universidade dando aula nas comunidades mais pobres do país. Muitos imaginavam que ninguém se interessaria. Deu-se o contrário. Na verdade, o interesse também é imenso em outros países.

Inclusive no Brasil? 
Wendy Kopp: Sim. O Ensina! começou no Rio de Janeiro com a ideia de selecionar trinta jovens. Apareceram 2400 candidatos, número retumbante. Conversei com os selecionados. São jovens incríveis, bem formados e talentosas, à altura dos melhores universitários americanos que recrutamos.

Por que o Ensina! foi interrompido? 
Wendy Kopp: Logo no começo do trabalho, as circunstâncias mudaram. A prefeitura do Rio não conseguiu garantir que nossos professores dessem aula no horário regular da escola. Então, eles passaram a lecionar depois do horário normal, como se fosse um reforço escolar. Mas esse não é o nosso modelo. Nos Estados Unidos e nos outros 25 países onde atuamos, nossos professores estão na sala de aula regular, assumindo integral responsabilidade pelo sucesso de seus alunos. Por isso, depois de dois anos, o trabalho foi suspenso. Agora o Ensina! está em busca de novas parcerias com estados e prefeituras. Tenho certeza de que o Ensina! será um sucesso no Brasil. É só uma questão de acertar os ponteiros.

Os professores tradicionais ficam incomodados com a chegada de gente sem formação pedagógica para dar aula? 
Wendy Kopp: Cada país tem suas peculiaridades. Nos Estados Unidos, quando começamos, em 1989, o primeiro passo foi colocar professores do Teach for America em escolas onde havia falta de professores tradicionais. Agora, temos gente em todos os tipos de escola. Em geral, nossos professores são recrutados através de um processo altamente seletivo, passam cinco semanas em treinamento intensivo e são então colocados nas escolas, contratados pelos governos, São professores assim como os demais.

Entre os recrutados, há formandos em pedagogia? 
Wendy Kopp: Qualquer um pode se candidatar, mas não gastamos nossa energia procurando formandos em pedagogia. De todos os nossos professores, cerca de 3% se formaram em pedagogia.

Por que tão poucos? 
Wendy Kopp: É evidente que há estudantes fantásticos de pedagogia, mas, na média, eles não representam os universitários academicamente mais promissores. Nosso processo é muito seletivo. Procuramos jovens capazes de exercer liderança excepcional dentro da sala de aula, não importa a faculdade que tenham cursado. Nem sempre esses critérios nos levam ao pessoal da pedagogia. Além disso, o problema é que muitos dos estudantes de pedagogia não querem dar aula nas comunidades pobres, que são o nosso alvo.

A senhora acha que o Congresso americano deveria acabar, ou ser mais flexível, com a obrigatoriedade de certificação de professores? 
Wendy Kopp: É uma questão delicada. Por um lado, devemos nos preocupar em aumentar a qualidade dos professores. Por outro, não há correlação entre a exigência de certificação e a qualidade dos professores. Ou seja: gastamos bilhões de dólares em um sistema ineficiente, que exclui muita gente boa da sala de aula. Se estivéssemos criando nosso sistema agora, acho que não optaríamos pelo modelo atual. Deveríamos, em vez de pedir a certificação, apenas exigir que os professores fossem inteiramente responsáveis pelo sucesso dos alunos. Ponto.

Um bom professor nasce ou é criado? 
Wendy Kopp: É criado. Procuramos selecionar universitários com certas características. Escolhemos aqueles que acreditam no potencial de todas as crianças, que são incansáveis na busca dos objetivos, que perseveram diante dos desafios, que são capazes de influenciar e motivar os alunos. Mas, além dessas qualidades, eles precisam aprender a trabalhar com crianças e adquirir habilidades e conhecimentos para virar professores mais eficazes, mais decisivos. E tudo isso é ensinado.
Professora ANAM PALLA - Paquistão
O que define um bom professor? 
Wendy Kopp: No contexto em que trabalhamos, de escolas em comunidades desfavorecidas, o bom professor é o bom líder. Em nossa rede no Paquistão, há o caso exemplar da professora Anam Palla. Ela recebeu uma turma de sessenta meninas que estavam estudando na cidade para depois voltar para sua comunidade, casar e ter filhos. As garotas cursavam o 1º ano do ensino médio, mas tinham um atraso acadêmico de quatro a cinco anos. Estavam no caminho do fracasso. Anam Palla definiu que seu objetivo seria preparar todas elas para entrar nas melhores universidades, se quisessem. Ela foi incansável. Encontrou-se com os pais das meninas, estabeleceu um regime de trabalho duro. Algumas meninas voltaram para sua comunidade para casar e ter filhos, mas se tornaram defensoras da educação, convencendo outras famílias a mandar as filhas à escola. Outras acabaram nas melhores universidades. O que fez a diferença? Só tenho uma resposta: Anam Palla é uma grande líder.

Qual é a melhor estratégia pedagógica? 
Wendy Kopp: Vi tantas que deram certo e tantas que deram errado que hoje acredito no seguinte: é preciso oferecer meios para que professores e diretores assumam responsabilidade integral pelo sucesso acadêmico dos alunos. Eles precisam ter poder, flexibilidade para definir o currículo, decidir como o dinheiro será gasto. Numa situação precária, faz sentido impor um currículo, mas tudo depende de como ele é implementado.

O que acontece com os professores depois de dois anos dando aula? 
Wendy Kopp: A experiência de ensinar em comunidades de baixa renda não tem impacto apenas nas crianças, mas também nos professores. Depois dos dois anos regulares, entre 60% e 70% dos professores estabeleceram-se na área da educação como professores, diretores de escola, formuladores de políticas de educação. Na Índia, ninguém acreditava que os universitários se interessariam pelo programa. Tivemos 11.000 candidatos no primeiro ano, em 2008, e 70% seguiram na área da educação. Nos Estados Unidos, em pouco mais de vinte anos, 37000 deram aula e 80% têm hoje empregos relacionados à educação. Lembre-se: a quase totalidade desses jovens brilhantes não era da área de educação.

A taxa de retenção também é alta no meio rural? 
Wendy Kopp: É menor, mas significativa. Há pouco, visitei o Delta do Mississippi,  onde atuamos há duas décadas. Helena, uma comunidade muito pobre no Arkansas, além da tradicional escola de ensino médio que sempre teve, hoje conta com mais quatro escolas, todas dirigidas por ex-membros do Teach for America. Antes, 5% das crianças de Helena iam para a universidade. Hoje, todas estão no caminho do ensino superior. Perguntei à comunidade o que havia mudado nesses vinte anos. As pessoas disseram: a expectativa em relação às crianças. Um jovem contou que, em 1994, eram raros os estudantes que faziam o teste para a universidade e, quando tiravam 17, 18 ou 19, era uma festa. Agora, o sobrinho dele, que ainda está no 2° ano do ensino médio, fez o teste, tirou 24 e eles querem saber como fazer para que ele chegue a 28 e possa entrar em qualquer universidade. Seis crianças de Helena entraram na Universidade Vanderbilt neste ano.

Onde a presença do Teach for America fez mais diferença? 
Wendy Kopp: Por muitos anos, Nova Orleans foi considerada a cidade mais complicada do país. Nada parecia funcionar. Depois do furacão Katrina, veio à tona a dramática realidade das escolas. Crianças do 8° ano tinham o mesmo nível das do 2° ano. Um desastre. Em cinco anos, o porcentual de crianças que atingem o padrão exigido pelo estado mais do que dobrou. Cerca de 40% dos diretores de escola são ex-membros do Teach for America. O atual secretário de Educação de Louisiana também pertenceu ao nosso programa.

Já é possível avaliar o impacto do programa em outros países? 
Wendy Kopp: Estamos há dez anos na Inglaterra. O sucesso é enorme. Cerca de 60% dos recrutados ficam na área da educação. Estive há pouco em Londres e visitei a King Solomon Academy, que faz um trabalho extraordinário. Lá, as crianças do 5° ano estão no nível das do 7° ano das escolas na vizinhança. Sou otimista quanto ao futuro. Os problemas da educação são muito parecidos em todos os países, o que significa que as soluções podem ser compartilhadas.

Se fosse possível copiar o sistema educacional de algum país, qual deveria ser o escolhido? 
Wendy Kopp: Todo mundo está infeliz com seu sistema educacional. Na Coreia do Sul, quem diria, o nível de insatisfação é abissal. Falei com empreendedores sociais, estudantes, empresários, autoridades do governo. Todos dizem que o sistema está falido.

Mas, nas provas internacionais, os coreanos não estão entre os melhores? 
Wendy Kopp: Os pais pagam para os filhos irem a academias privadas, que ensinam o que a escola regular não ensina. Os alunos entram às 3 da tarde e saem às 11 da noite. O dado relevante na Coreia é o poder de uma cultura que valoriza a educação. Se as crianças não estão aprendendo na escola, em algum outro lugar elas terão de aprender.

A senhora teve um professor favorito? 
Wendy Kopp: Tive dois. Ambos me mostraram que meu potencial era maior do que eu imaginava. Por coincidência, os dois trabalhavam com a escrita. Sei escrever por causa deles. E escrever direito me serviu tanto na vida...

É verdade que a senhora coloca o despertador para 3 ou 4 da manhã? 
Wendy Kopp: É verdade. Meu ideal é deitar às 9 da noite, e gosto de ter algumas horas para mim antes que as crianças acordem. (Wendy tem filhos de 13, 11, 9 e 5 anos.)

A senhora conhece os professores dos seus filhos? 
Wendy Kopp: Lógico, conheço todos.

Fonte: Revista VEJA - Entrevista (Páginas amarelas) - Edição 2319 - Ano 46 - nº 18 - 1º de Maio de 2013 - Páginas 19-23 - Edição impressa.
 

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