sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Uma única lição de economia - FLAVIO MORGENSTERN

Uma única lição de economia
POR FLAVIO MORGENSTERN · 28/08/2012 ·


Se fosse possível escolher uma única lição de economia a ser ensinada para todos os não-economistas, sobretudo as pessoas que rejeitam o liberalismo sem o conhecer (os esquerdistas, social-democratas, socialistas, marxistas, intervencionistas etc), escolheria a seguinte: o estado natural do homem é a pobreza, não a riqueza.

Aparentemente banal, tal verdade é ignorada ou mesmo invertida pela maioria absoluta das análises políticas, econômicas, morais e filosóficas. Sobretudo as opiniões cotidianas mais apressadas e menos estudadas.

Quando se critica o liberalismo (ou o apelido faceto que Marx deu à filosofia da liberdade: capitalismo), sempre são ouvidas as mesmas palavras: é um sistema de desigualdade e exploração.

A primeira crença é verdadeira, mas colocada de forma errada. A palavra “desigualdade” é preferida pelos não-liberais por sua carga psicologicamente negativa. O chiste é aceito equivocadamente por liberais: não apenas o prefixo des- é uma negação, como costuma indicar uma posterioridade temporal, como se tivesse existido um agradável momento de igualdade anterior ao surgimento do liberalismo, por ele então destruído.

No que a crença tem de verdadeira, tem de repudiável. Se houve tal “igualdade” anterior ao liberalismo, era uma péssima igualdade, em que todos são igualmente pobres.

Origem da riqueza

“A primeira lei da economia é a escassez. A primeira lei da política é ignorar a primeira lei da economia.” – Thomas Sowell

Uma das primeiras obras da humanidade a tratar do tema foi O Trabalho e os Dias, de Hesíodo (???? ??? ??????, cerca de 700 a.C.), em que o problema da escassez aparece pela primeira vez. Murray Rothbard afirma corretamente que Hesíodo foi o primeiro economista, em Economic Thought Before Adam Smith. Hesíodo, dando lições de agricultura a seu irmão preguiçoso, descreve sua pequena comunidade rural como um “lugar triste… ruim no inverno, duro no verão, nunca bom”. Há um vasto abismo entre os desejos infinitos de um homem e os recursos de que o mundo dispõe para satisfazê-lo.

Novamente, recaímos de cara com o óbvio quando assim exposto, mas completamente ignorado ou invertido pelo pensamento antiliberal.

Dependendo apenas da terra e buscando entender as leis naturais de funcionamento do mundo (os dias, as estações, as técnicas de agricultura, o entendimento com os deuses), Hesíodo encara uma existência de trabalho árduo, enquanto seu irmão, que julga ser obrigação do primogênito trabalhar por ele, apenas exige o trabalho alheio.

Como o famoso slogan de Marx, o irmão de Hesíodo parece acreditar que a cada um o trabalho deve ser exigido de acordo com sua capacidade, mas os frutos do trabalho devem ser “distribuídos” de acordo com a sua necessidade. Sem um programa adequado (o lema é apenas um slogan, afinal), sem uma definição mínima do que seria “necessidade”, recaímos no mais brutal e inseguro totalitarismo, como bem viu e sentiu Ayn Rand, retratando o resultado brilhantemente em seu romance A Revolta de Atlas (muito bem apresentado por Rodrigo Constantino, em A Fábrica da Inveja).

(Curiosamente, este é um fator que a esquerda, assim que se converteu ao “progressismo” e ao “politicamente correto”, entendeu bem nas relações humanas sem bens imateriais: não se deve exigir algo do corpo de alguém à força – por isso a grita do movimento feminista em manifestações como a Marcha das Vadias. Todavia, a esquerda ignora completamente as mesmas premissas que tenta ensinar quando se trata de bens frutos do trabalho alheio.)

Na verdade, o que o preguiçoso irmão de Hesíodo (e Marx e toda a tradição esquerdista, incluindo a não-marxista) ignora é que a riqueza não existe na terra ou no ar como algo que alguém simplesmente toma para si: ela é criada, e criada através do trabalho. Os componentes para todas as conquistas tecnológicas e civilizatórias sempre existiram na natureza. Sem o engenho humano, o trabalho criativo (que, ignorado pela teoria marxista – em si um trabalho criativo – faz com que o trabalho manual possa produzir mais e/ou em menor tempo), a matéria-prima tem pouco valor. A matéria-prima da última revolução tecnológica foi o silício: o segundo elemento mais comum na superfície terrestre.

Se a riqueza é criada, é natural que a “desigualdade” surja a partir do momento em que alguém cria algo vantajoso (e por isso desejável). No princípio, todos precisam plantar grão por grão. Assim que uns poucos criam a irrigação, é vantajoso que o fenômeno chamado “desigualdade” passe a ocorrer – mas é apenas assim denominado comparando-se o indivíduo ou grupo criador com aqueles que não conhecem o progresso ou riqueza criados. O fenômeno sociológico é descrito com palavras depreciativas como se o enriquecimento, então, fosse algo ruim, imoral, digno de culpa. Simplesmente porque o que alguém cria não é então multiplicado por mágica a todos (e este é o ponto em que Ayn Rand nota semelhanças entre Marx e Cristo).

De Rousseau comparando a moral do bom selvagem com os vícios da França absolutista ao intervencionismo econômico com vias a “redistribuir” renda como se toda desigualdade fosse culposa, este é o princípio que distancia a visão social de mundo de um correto entendimento da realidade.

O homem e o trabalho

“Você pode imaginar um sistema político tão radical que torne mais de 20% dos mais pobres da população nos 20% mais ricos, ao invés de mantê-los no programa de ajuda aos pobres em uma década? Você não precisa imaginar. Chama-se Estados Unidos da América.” – Thomas Sowell

O segundo adjetivo que imputam ao liberalismo é a pecha de ser um sistema explorador. Decorrente do primeiro equívoco, esta crença, ao contrário da primeira, é completamente falsa.

Crendo ainda que a riqueza simplesmente existe no mundo, sem ter sido artificialmente criada pelo engenho humano, ao voltar os olhos para o passado, os sistemas de pensamento social supõem que os primeiros homens viviam no melhor dos mundos, compartilhando toda a riqueza, até que alguns poucos, provavelmente os mais fortes, tomaram a riqueza para si e, egoisticamente, não quiseram compartilhá-la com seus semelhantes.

Este é o famoso mito do jogo de soma zero, o dogma de que, estando toda a riqueza concentrada nas mãos de uns poucos, e nunca sendo criada, resta apenas distribuí-la. Adicionalmente, crê-se que os “ricos” (em qualquer sentido) apenas são ricos por terem, num passado muito remoto, usado de força para tomar tal riqueza, “explorando” os pobres para tomarem seu quinhão, deixando-os mais pobres no processo.

É como se no mundo existissem sempre 100 moedas de ouro, e se, entre 100 pessoas, alguém possui mais de uma moeda, foi por ter “roubado” do outro. Daí a ojeriza da esquerda pela propriedade privada, crendo que ela, originalmente, foi um “roubo”. A conclusão inapelável e inescapável desta fé é que, como um roubo é um crime imoral e em tempos passados a injustiça da desigualdade teria surgido através da força, é completamente legítimo e o único caminho possível para a correção jurídica o uso inverso (e exagerado) da força contra os indivíduos da “velha” sociedade – seja através da revolução (marxismo-socialismo), seja através da intervenção (social-democracia), que, apesar de não pregar a morte dos “traidores”, ainda usa a força do estado para tomar à força riqueza produzida da população.

O credo sempre aponta para uma utopia futura em que se busca atingir um paraíso vislumbrado num passado mitológico, de onde toda a humanidade apenas teria “decaído” (curiosamente, também um tema de Hesíodo). Como definido por Giacomo Leopardi, a felicidade sempre se encontra no passado ou no futuro, jamais no presente. Crendo numa versão imoral disso, o socialismo sempre pede sacrifícios à sua população e mais trabalho centralizado pelo estado, supondo um futuro glorioso – enquanto culpa o liberalismo por erros no liberalismo (ou erros antiliberais que ocorrem em sistemas de mercado).

Todavia, Giacomo Leopardi entende que a infelicidade é o estado natural do homem. Em Diálogo entre um Físico e um Metafísico, o metafísico prospecta que vida e infelicidade nunca se separam. A criação da felicidade é antinatural, uma novidade de tempos recentes. Ortega y Gasset, ao definir a sociedade das massas jogadas entre totalitarismos no séc. XX, lembra que o povo passa a considerar que os objetos da civilização são naturais e “dados” ou “tomados” por aí. Um carro, passa a pensar um homem que pode até vir a ser um intelectual, é um fruto da natureza, como se nascesse de uma árvore remota.

Se a fé da riqueza estanque possuísse credibilidade, não haveria crescimento econômico, nem diferenciação no PIB que não passasse exatamente para outro país. Com mais pessoas compartilhando a mesma riqueza, bastaria haver menos pessoas e o reino da igualdade seria mais próximo por mera diminuição da disputa. Os homens das cavernas, raros que compartilhavam o mundo inteiro, seriam muito mais ricos do que Bill Gates. Mesmo não tendo papel higiênico, telefone ou um computador para sua qualidade de vida. Em contraposição, o surgimento do liberalismo permitiu que uma população mundial fixa, marcada por mortes precoces e guerras, através das trocas livres duplicasse seu número aritmeticamente em 126 anos, depois em 33, em 13, 12 e até 11 anos.

O liberal não deixa de ser o pessimista social. O incréu das utopias, embora também existam as utopias liberais. Porém, é justamente o liberalismo que permite o enriquecimento dos pobres, muitas vezes estrondosamente rápido (a Coreia do Sul era um país mais pobre do que o Haiti na década de 50, e hoje sua classe baixa usa os carros que, importados no Brasil, apenas a elite da elite sonha em exibir). Isto se dá porque a riqueza criada é obrigatoriamente compartilhada. Alguém que crie um sistema que produza mais pizzas em menos tempo, e/ou a menor custo, mesmo que não queira, irá garantir mais riqueza para seus próximos – e por isso a ascensão da “burguesia” e do liberalismo se dá pelo comércio, a troca livre, sem coação. É a antiga díade entre Hermes, deus do comércio e das viagens, e Héstia, deusa do lar, familiar, sagrado e impenetrável.

Tão somente compreendendo que o estado natural do homem é a pobreza, e não a riqueza, pode-se compreender num esboço simples todos os erros de cálculo, método e objetivo dos críticos do liberalismo e do mercado. E através desta compreensão pode-se também contemplar melhorias que tornem o sistema que mais enriqueceu pessoas no mundo de maneira a recompensar cada vez mais os comportamentos mais justos.

SOBRE O AUTOR

Flavio Morgenstern é tradutor, redator e analista de mídia.

fonte - http://www.ordemlivre.org/2012/08/uma-unica-licao-de-economia/

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