quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Trânsito: IMPUNIDADE VERSUS EDUCAÇÃO

07 de dezembro de 2007

TRÂNSITO: IMPUNIDADE VERSUS EDUCAÇÃO

JOSÉ LAMARTINE DE ANDRADE LIMA NETO (estudante de Graduação em Psicologia da FTC-Salvador)

RESUMO

O aumento do numero de automóveis em circulação, tem tornado a convivência com os motoristas cada vez mais difícil no espaço urbano, provável reflexo de histórico comportamento. Uma crise de valores permanece instalada e a violência no trânsito se mostra um fenômeno complexo, que envolve toda a sociedade, de famílias às Instituições. Uma ausência crônica de assertividade, da margem a comportamentos inadequados. É possível então, rever o papel da educação, para que esta seja atuante de forma profunda e abrangente.

Palavras-chave: Comportamento do condutor, Agressividade, Educação responsável.

INTRODUÇÃO

O século XX deixou como herança uma cultura pós-industrial, hiperconsumista na qual os objetos se tornam cada vez mais efêmeros e descartáveis, e alguns bens, como o automóvel, antes acessível a poucos, hoje circula em grande número graças as facilidades socioeconômicas em vias urbanas obsoletas, que não acompanharam o mesmo crescimento. Neste cenário, “a qualidade de vida, principalmente nas grandes cidades, ficou prejudicada, contribuindo para o aumento da agressividade dos motoristas e para o crescimento da violência no trânsito” (BASTOS, 2007).

A própria história do país mostra sinais de como tudo começou. A colonização, o Império e a República são coadjuvantes de práticas que se tornaram culturais e que se espalharam no inconsciente coletivo. Com a expansão do capitalismo, individualista e competitivo e com mobilidade social, os relacionamentos se condicionaram a ele. E como esses relacionamento hoje “giram em torno do dinheiro e da ostentação de classe, a violência pode tornar-se um meio de obter o que se deseja, se com integridade, honestidade e trabalho isso se revelar impossível” (MACHADO, 2007).

A interação entre homem, meio ambiente e veículo como agente intermediário, neste cenário urbano, se dá de forma conflituosa e, segundo Bastos (2007) refletindo uma grave crise de valores, na qual muitas vezes não se respeita os indivíduos nem à própria vida. É devido ao não-reconhecimento de leis e regras, começando pelas mais simples – como evitar a fila, tentar subornar o policial, influenciar o médico, fazer uso da conhecida "Lei de Gérson" ou o famoso "jeitinho brasileiro" – que, segundo Machado (2007), a “pessoa tenta, desesperadamente, sair do anonimato e ser ‘alguém’, demonstrando poder e influência”, e usa este descaso às leis e regras, de forma despreocupada das conseqüências para si e para a sociedade, como é o caso da corrupção, como se fosse intocável para punição para, em outras palavras, alimentar a impunidade.

Como resultado dessa forma de se comportar, nota-se um aumento de todos os itens avaliados pelo DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito subordinado ao Ministério das Cidades, nos anos de 2003 e 2004.

Neste período de 2003 a 2004, aumentou a população do Brasil e sua frota total de veículos, assim como houve aumento também do número de veículos por 100 habitantes. Este aumento de número de veículos é avaliado como um índice positivo da economia do país pelo alto escalão do governo, porém é preciso considerar o aumento do número de vítimas fatais por habitante e por veículo, ou seja, é preciso considerar que o trânsito está mais violento do que nunca.

ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO DENATRAN - 2005

ITENS

2003

2004

População

176.871.437

181.581.024

Frota

36.658.501

39.240.875

Acidentes com Vítimas

333.689

348.583

Vítimas Fatais

22.629

25.526

Vítimas Não Fatais

439.065

474.244

Veículos/100 Habitantes

20,7

21,6

Vítimas Fatais/100.000 Habitantes

12,8

14,1

Vítimas Fatais/10.000 Veículos

6,2

6,5

Vítimas Não Fatais/10.000 Veículos

119,8

120,9

Fonte:Detrans/ SINET - DENATRA-CGIE

Segundo o Ministério da Saúde os acidentes de trânsito, tratados como uma das principais causas de óbitos entre pessoas com menos de 59 anos, aumentaram 9% em três anos no Brasil. Os dados mostram que houve uma reversão da tendência de queda notada a partir de 1998 como impacto do novo Código de Trânsito Brasileiro.

Um “aumento de 72% nos óbitos em municípios com menos de 100 mil habitantes, entre 1990 e 2005” (BRASIL, 2007c) revela que o trânsito não é uma simples disputa pelo espaço físico, mas é..

"... uma disputa pelo tempo e pelo acesso aos equipamentos urbanos, é uma negociação permanente do espaço, coletiva e conflituosa. E essa negociação, dadas as características de nossa sociedade, não se dá entre pessoas iguais: a disputa pelo espaço tem uma base ideológica e política; depende de como as pessoas se vêem na sociedade e de seu acesso real ao poder" (VASCONCELOS, 1985).

O DENATRAN organiza uma enquete em seu site na qual os visitantes podem votar e visualizar o resultado de forma on-line. Para a pergunta “Por que o jovem se envolve tanto em acidentes de trânsito” foram encontrados os seguintes resultados:

4.0 % - Inexperiência, devido ao pouco tempo de direção

68.0 % - Imprudência, excesso de velocidade ou desrespeito às leis de trânsito

24.0 % - Consumo de bebida alcoólica antes de dirigir

4.0 % - Outros

Fonte: DENATRAN, em 30 de novembro de 2007

Se for considerado que beber antes de dirigir também se constitui um desrespeito às leis de trânsito, o índice sobe para mais de 90 % das pessoas que acreditam que seja a sensação de impunidade um dos causadores de tantos acidentes e provavelmente de tanta violência, já que, ao dirigir alcoolizado, o motorista se vale da percepção de que as conseqüências da lei não o atingirão.

Segundo Monteiro e Gunther (2006), em se tratando do trânsito, as razões para cometer erros ou violações são:

“o ambiente físico permite que o faça sem danificar o seu veículo e a si mesmo; a fiscalização do cumprimento das normas não está sendo feita de forma adequada; o ambiente social do trânsito permite ou até incentiva tal comportamento e características pessoais contribuem para o comportamento de erro ou violação”.

Com essa cultura da violência e impunidade, o universo social é simplificado entre fortes e fracos, entre agressores, como objetos de temor e ódio, e agredidos ou vítimas, sendo desprezados por parte de quem agride. Neste ambiente de tensão, expressões como:

“compaixão, consideração, culpa ou responsabilidade diante do semelhante desaparecem do vocabulário; todos se sentem vulneráveis, todos tentam atacar primeiro; todos vivem sob o temor da represália, e é daí que nasce o medo social, o pânico com características fóbicas” (MACHADO, 2007).

Em oposição a esta disputa urbana, autores discutem o significado macroscópico do que vem a ser a paz. No caminho da verdadeira paz, ressaltam a necessidade de uma educação para a paz. Para Galtung (1995) “a violência é estrutural e deriva dos conflitos resultantes das disparidades e tensões sócio-econômicas”. Neste aspecto, o conceito de paz tem evoluído na história recente da humanidade.

“Paz não é mais a simples ausência da guerra ou a condição resultante do equilíbrio do poder entre as superpotências bélicas. Um novo conceito para paz está na cooperação entre os povos, objetivando o fim da violência estrutural e da predisposição para a guerra” (SILVA, 2002).

Mas uma das maiores dificuldades nesta questão estrutural de estabelecer uma cultura para a paz é a atribuição de responsabilidades. Em relação ao trânsito, a complexidade dos problemas exige, cada vez mais, uma participação multisetorial, pois abrange a “...adequação das vias públicas através da engenharia de tráfego e do planejamento urbano, a melhoria dos sistemas de fiscalização e repressão de motoristas infratores e a criação e implantação de um programa efetivo de educação para o trânsito” (BASTOS, 2007).

Fazer as instituições ou as pessoas se encontrarem para discutir os limites de atuação e responsabilidade de cada um tem se mostrado muito complicado. O Estado mínimo preconizado pelo neoliberalismo é quem dá o primeiro exemplo de transferência de responsabilidade e, muitas vezes, fica omisso diante de um mercado que focaliza exclusivamente os resultados econômicos. Existe uma incoerência na postura oficial quanto ao cumprimento de suas atribuições. As propagandas de produtos que sabidamente trazem prejuízos à saúde ocorrem utilizando estratégias que influenciaram sobremaneira o aumento do consumo dos mesmos, beneficiando o mercado a um custo elevado para a saúde pública e para o bem-estar social. Diante disso, o Estado que deveria se colocar como agente de fiscalização e regulação garantindo o bem-estar, mostra fragilidade, quase inocência no discurso público, que beira a conivência. Expressões do tipo "resgatar o espírito participativo da população; passando para suas mãos, o quinhão que lhe cabe; ou participação com responsabilidade no processo de decisão sobre sua própria saúde e vida" (Chammé, 1997) demonstra este comportamento de esquiva que transfere ao cidadão responsabilidades do Estado.

Ora, se a violência não é inerente ao ser humano como uma predisposição genética ou de personalidade, mas também produto de uma cultura, faz-se necessária, segundo Bastos (2007), uma abordagem interdisciplinar nos seus aspectos histórico, social, local, legal e comunitário, abordagem na qual a educação é o meio mais efetivo para promover as mudanças de comportamento de risco por comportamentos adequados, pela consciência da responsabilidade individual e pelo respeito aos outros, imprescindíveis, mesmo que seus efeitos só possam ser sentidos a médio e longo prazo. Assim, a educação, a formação integral do cidadão, é apontada como um fator indispensável para reduzir a violência no trânsito e para superar a cultura da impunidade.

Além disso é preciso considerar que na idade adulta se refletem as experiências da infância tais como lidar com as frustrações ou com a pulsão agressiva de uma forma equilibrada, assertiva. Essa falta de capacidade de lidar equilibradamente com situações emocionais reflete-se no trânsito quando “...motoristas com altos índices de acidentes apresentam-se mais agressivos, impulsivos e com menos recursos para lidar com suas emoções de forma adequada que os motoristas sem ocorrência de acidentes” (ARRAES, 2007).

CONCLUSÃO

Fazendo um destaque para a família, na opinião de Bolsoni-Silva e Marturano (2002) a importância fundamental que os pais têm na educação dos filhos, inclusive educação emocional, é que chamam a atenção para a necessidade de promoverem comportamentos adequados e, por isso, necessitam desenvolver habilidades sociais educativas, tais como expressar sentimentos e opiniões, estabelecer limites evitando coerção, entre outras.

Quando os efeitos da falta de uma educação emocional forem profundos demais, duradouros demais e dolorosos o bastante, poderá surgir a necessidade do aprendizado da convivência pacífica, por meio de uma educação para a paz. Segundo Machado (2007) em sentido amplo, a educação envolverá o indivíduo, a família (responsável principal pela formação), passando pela Escola de forma sistemática, fornecendo-lhe conteúdos desde a pré-escola até o terceiro grau.

E por fim é acreditar que educar é mais do que servir à sociedade, é mudar o social. É no ato humano de educar que reside a sociedade, não mais esta, mas a que está por vir, um outro tipo de mundo, que se colhe no futuro. E isso é um grande plano...

REFERÊNCIAS

ARRAES, Jurema Leão Monte. Submissão e violência em motoristas. Anais do Encontro Sociedade Rorschach. Disponível em: www.rorschach.com.br/Anais%20III%20Encontro.pdf. Acesso em: 30 de novembro de 2007

BASTOS, Yara Gerber Lima. Violência no trânsito: uma epidemia do século XX. Universidade Estadual de Londrina. Disponível em:www.ccs.uel.br/espacoparasaude/v3n1/doc/violencia.rtf Acesso em 09 de novembro de 2007

BOLSONI-SILVA, Alessandra Turini; MARTURANO, Edna Maria. Práticas educativas e problemas de comportamento: uma análise à luz das habilidades sociais. Estudos de Psicologia (Natal) vol.7 no.2 Natal July/Dec. 2002

BRASIL. Ministério das Cidades. Renaest / Denatran –. ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE ACIDENTES DE TRÂNSITO – 2005 – Disponível em: http://www.infoseg.gov.br/renaest/listaArquivoPrincipal.do?op=1&doDownload=true&arquivo.codigo=86 Acesso em: 30 de novembro de 2007a

_______. Ministério das Cidades. Enquete Disponível em: http://www.infoseg.gov.br/renaest/votarEnquete.do# Acesso em: 30 de novembro de 2007b

________. Ministério da Saúde. Notícias. Mortes no trânsito aumentam 9% em três anos - 25/04/2007 Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm?co_seq_noticia=29276 Acesso em: 30 de novembro de 2007c

Chammé, S. J. Corpo e saúde: inclusão e exclusão social. Saúde: um processo em constante construção. Marília. (Tese de Livre-Docência ) UNESP/Campus Marília) 1997a.

GALTUNG, J. Peace by peaceful means. London, Sage, 1995

MACHADO, Adriane Picchetto. Comportamento e Trânsito Disponível em: http://www.portaldopsicologo.com.br/publicacoes/publicacoes_16.htm Acessado em 09/11/2007

MONTEIRO, Cláudia Aline Soares; GUNTHER, Hartmut. Agressividade, raiva e comportamento de motorista. Psicologia: pesquisa e trânsito v.2 n.1 Belo Horizonte jun. 2006. Disponível em: http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1808-91002006000100003&lng=pt&nrm=iso&tlng= Acesso em: 09 de novembro de 2007

SILVA, Jorge Vieira da. A verdadeira paz: desafio do Estado democrático. São Paulo em Perspectiva., São Paulo, v. 16, n. 2, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392002000200005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 novembro 2007.

VASCONCELOS, Eduardo. O que é trânsito. SP: Brasiliense, 1985.

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